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Na coluna anterior, argumentei que os estados não encaram o seu problema real: a despesa obrigatória elevada e rígida. Colocam-se como vítimas. Pedem socorro federal com base em números questionáveis, que, tantas vezes repetidos, viram verdade.
Caso típico é o da chamada Lei Kandir, aprovada em 1996. Ela estabeleceu que o ICMS não incide na exportação de produtos primários e semielaborados. Previu-se uma compensação temporária aos estados até 2002, para financiar a possível perda imediata de receitas.
Findo esse período, houve longo processo político, legislativo e judicial —cuja descrição não caberia neste espaço— que levou à atual discussão de uma lei complementar. Essa lei definirá montante a ser transferido pela União, proporcionalmente à participação de cada estado nas exportações desoneradas.
Os estados apresentaram uma estimativa de R$ 49 bilhões, que seria o valor da “perda” de receita anual causada pela isenção tributária. É um “fake number”, destinado a maximizar a extração de recursos da União. Dois projetos de lei já incorporaram esse valor inflado.
Quatro pontos que geram a superestimativa:
1) ela é feita com base no valor das exportações efetivamente ocorridas. Mas, se houvesse a tributação, as exportações teriam sido menores, pois os seus preços seriam mais altos, e o país perderia mercado. Logo, a receita tributária seria menor.
2) o aumento das exportações, viabilizado pela redução da tributação, trouxe mais dólares para o Brasil. Com isso, foi possível aumentar importações, que são tributadas pelo ICMS, aumentando a receita. Esse fato não foi considerado no cálculo dos estados.
3) utiliza-se alíquota média de 13%, que é irreal. Antes da Lei Kandir já havia convênios que reduziam as alíquotas. Os estados, de moto próprio, já desoneravam as exportações.
4) muitos estados recusam-se a pagar, aos exportadores, os créditos acumulados em operações anteriores, a que têm direito por lei. Ao não descontar esse valor, as estimativas ficam superestimadas.
Um cálculo feito pelo Ministério da Fazenda, em 2018, para o caso concreto de uma empresa de exportação de minérios, ajustando apenas o terceiro e o quarto pontos acima, mostrou que a estimativa de “perda” cai de R$ 870 milhões para R$ 81 milhões. Queda de 91%! Se levarmos em conta os dois outros ajustes acima apontados —mais difíceis de estimar—, a conta tende a mudar de sinal.
Se a Lei Kandir tivesse afetado a arrecadação dos principais exportadores de primários e semielaborados (MG, PA, MT e MS), a receita de ICMS desses estados teria caído como proporção da receita dos demais. Ocorreu o inverso. Ela subiu de 16%, em 1995, para 21%, em 2018.
A receita total de ICMS cresceu após a Lei Kandir, de 6,5% do PIB, na média de 1995-97, para 6,8% após isso.
A União está em déficit primário desde 2014, sem recursos sequer para pagar despesas obrigatórias. Para custear os demandados R$ 49 bilhões por ano, será preciso elevar a dívida pública e impostos, o que derrubará investimento e crescimento.
Tendo em vista que o ICMS é muito sensível ao ritmo de crescimento, o efeito final para os estados pode ser negativo.
De fato, simulação da Secretaria de Política Econômica, feita em 2018, indica que a nova transferência pode causar queda de 0,19% no nível do PIB. Entre 9 e 12 Estados, todos do Norte e Nordeste mais o DF, teriam perda líquida: o ganho com a nova lei não compensaria a perda no ICMS e no Fundo de Participação dos Estados (formado pela receita de IR e IPI, também sensíveis à queda do PIB).
Governadores: cuidado com o que pedem. Vocês podem conseguir.
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