Faltam dois anos


Em política, como na guerra e, por vezes, na economia, dias podem valer semanas; semanas, meses; e meses, anos. Dois anos é prazo suficiente para por em marcha as medidas de que precisa o país para enfim conhecer crescimento razoável e sustentado e com isso atender às necessidades da população? 

Muitos sustentam que é preciso aguardar a marcha dos acontecimentos: as eleições municipais iminentes ditarão os contornos das futuras coligações, partidárias ou não. Em dezembro e janeiro a atenção será consumida por eleições para as presidências da Câmara e do Senado, e então de lideranças, mesas diretoras e presidências das principais comissões das duas casas do Congresso.  Já estaremos então em março de 2021, abril talvez caso o executivo decida promover reforma ministerial para refletir o cenário resultante das urnas e com isso construir base de apoio mais sólida no Congresso. O restante de 2021 e o início de 2022 é quanto haveria para a gradual constituição de alianças e chapas com vistas às eleições de outubro.  E então seis meses de intensa campanha.

É muito ou pouco tempo? Do ponto de vista político, pareceria prazo razoável fosse outra a situação econômica e social – menos incerta, tensa e volátil. Mas não é este o caso. A complacência, essa característica tão nossa, é luxo ao qual não podemos nos dar. Em meu artigo mais recente (Corredor estreito, tempo curto) apontei a exiguidade do espaço de manobra na área econômica. Para muitos, a política ditará o ritmo ao qual se pode avançar. Como se, conhecidos os resultados das eleições de novembro no Brasil e nos EUA, 2020 estivesse, como ano político, encerrado. Seria diferente caso o executivo fosse capaz de definir, em diálogo consistente com as lideranças e presidências da Câmara e do Senado, conteúdo e timing da agenda legislativa, pela qual se bateria então com determinação e articulação. No entanto, o chefe do poder executivo parece ter outras prioridades em mente, agora talvez acentuadas pelo resultado das eleições norte-americanas e pelo destino de seu modelo ideal de Presidente da República.

Na área econômica, ocorre-me apontar possíveis lições das transições de 2002-03 e de 2016. Entre abril e outubro de 2002 o câmbio foi de 2,3 a 4 reais por dólar e o risco Brasil multiplicou-se por mais de quatro vezes. Era o resultado de preocupações de investidores internos e externos, ditadas por dúvidas sobre a condução que daria à economia o governo a ser eleito em outubro de 2002. A resposta, prática, veio por meio da escolha dos nomes que estariam à frente da condução da política econômica. Ganhou credibilidade concreta o compromisso, assumido durante a campanha, com o esforço fiscal necessário para estabilizar a relação dívida/PIB, preservar a inflação sob controle e respeitar contratos.  Ao final de dezembro o câmbio havia passado para 3,5, e 3,3 ao final de março, e o Brasil foi em frente, ajudado por contexto internacional extraordinariamente favorável.

Também 2016 oferece lições úteis. O Governo Temer teve início sob situação extraordinariamente adversa. O investimento havia começado a declinar no terceiro trimestre de 2013, a recessão começara em abril de 2014. 2016 seria o terceiro ano de déficit primário, e a pressão estrutural por gastos públicos era crescente. Situações difíceis não são sinônimo, no entanto, de falta de opções. A primeira, na área econômica, envolvia – uma vez mais – escolher pessoas certas para posições-chave, que por sua vez pudessem atrair e reter outros profissionais competentes. Na área política, criar base de sustentação no Congresso e com isso definir agenda legislativa que atendesse a prioridades claras. 

Os dois episódios encerram lição útil para a situação atual e para 2022 – que pode parecer muito distante, mas não está, dada a gravidade da situação nos três níveis de Governo. Lição útil caso queiramos evitar a reedição em 2022 da polarização que marcou as eleições de 2018; que ocorreria em circunstâncias ainda muito mais difíceis nas áreas econômica e social que as daquele momento. 

São dois anos para construir apoios, com serenidade e humildade, mas também com o sentido de urgência que impõe a crise das finanças públicas.  Para adotar medidas difíceis, em diálogo com o Congresso e com o Judiciário.  Para explicar a ambos e à opinião pública não só porque é preciso enfrentar a situação atual, mas também como fazê-lo.  Não apenas por necessidades fiscais, mas para que o país possa conhecer crescimento razoável e sustentado; para que o setor público possa prestar melhores serviços à população, especialmente em saúde e educação; por maior inclusão social e igualdade de oportunidades; para que seja possível investir mais e melhor em infraestrutura, ciência e tecnologia.  Para aumentar a confiança de investidores domésticos e externos no Brasil e em seu futuro.

Ao que tudo indica, o resultado eleitoral desta semana nos EUA significa que o presidencialismo-de-confrontação foi derrotado nos EUA.  Cumpre trabalhar para que a moderação com visão de futuro possa prevalecer também no Brasil pós 2022.