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Programa oficial de suporte à economia tem muitas falhas; ajustes na rede assistencial e mais gastos a fundo perdido para empresas devem ser acompanhados por juros mais baixos em curto e longo prazos.
Algum dia a pandemia vai acabar. Além do trágico legado de mortes e do desemprego, que pode chegar a 20 milhões de pessoas, o Brasil sairá dela muito mais endividado do que estava. A dívida pública, que era de cerca de 75% do PIB, chegará ao final deste ano a mais de 90%. O endividamento do setor privado, especialmente das empresas, será muito mais elevado também.
Não é um problema exclusivamente brasileiro. O mundo sairá da crise mais endividado, mas, na comparação internacional das medidas de apoio à economia, tanto na política fiscal como na política monetária, há vários países que fazem mais do que nós. Enquanto nosso déficit fiscal para 2020 está previsto em 9,9% do PIB, a previsão para os Estados Unidos, por exemplo, é de mais de 20% do PIB.
O argumento, frequentemente utilizado, é que, como na partida o Brasil tinha uma relação dívida/PIB alta demais para os países emergentes, teríamos menos espaço fiscal para sustentar a economia agora. Essa fragilidade fiscal inicial também nos obrigaria a ter uma taxa de juros mais alta que a de outros países.
Como expus em meu último artigo na Ilustríssima, o maior problema macroeconômico pós-pandemia será estabilizar a relação dívida/PIB. O teto de gastos entrará em vigor novamente, mas teremos que retomar a agenda de reformas e abrir a economia para crescer mais. Ninguém vai querer investir em um país cujo endividamento cresce descontroladamente. E, obviamente, quanto menor a dívida/PIB pós-pandemia, menos o esforço fiscal necessário para estabilizá-la.
Daí não se segue, no entanto, que gastar menos agora necessariamente diminua a dívida/PIB no futuro. Tampouco que nossas taxas de juros tenham que ser substancialmente maiores do que a de outros países.
Sei que esses argumentos provocarão espanto em alguns. A gripezinha que deveria ter nos custado R$ 5 bilhões vai acabar nos custando, pelo que já foi aprovado até agora, R$ 445 bilhões, quase cem vezes mais: R$ 50 bilhões para a saúde, R$ 75 bilhões para estados e municípios, R$ 200 bilhões na rede de sustentação social e R$ 120 bilhões para as empresas.
São números que impressionam. Todos concordamos em gastar o que for necessário para a saúde, mas o gasto no setor é o que menos impacta as contas públicas. Temos que manter a máquina pública funcionando, apesar da queda da arrecadação.
Como estados e municípios não podem se endividar, a União tem que transferir os recursos. O governo Bolsonaro tem propositadamente retardado a ajuda a estados e municípios, mas esse é, de longe, o menor dos nossos problemas.
A montagem da rede de proteção vai terminar nos custando mais do que deveria. A opção ética de sustentar os mais atingidos pela crise faz sentido, mas o programa foi mal desenhado. A focalização foi falha, a falta de integração dos bancos de dados do governo deu margem a fraudes e o monopólio da Caixa na distribuição dos recursos se mostrou desastroso.
Se o governo tivesse mobilizado bancos privados e fintechs, não veríamos as longas filas na frente de agências da Caixa e seus aplicativos que não funcionam. A pressão política para perpetuar o programa, ainda que em menor dimensão, será grande, apesar dos erros de concepção. É de se lastimar que o governo nunca sequer tenha cogitado propor um redesenho dos vários programas de assistência social, focando os mais pobres e evitando gastos desnecessários.
O maior desastre, no entanto, foi na ajuda para empresas. As grandes empresas têm acesso ao crédito a garantias para oferecer aos credores. Várias conseguiram negociar diretamente com o governo uma ajuda para chamar de sua, mas faltou ajuda à massa de companhias pequenas e médias. É difícil saber se foi por incompetência, entendimento errado do problema ou ambos. Paradoxalmente, a falta de apoio vai agravar o problema do endividamento pós-pandemia.
Explico. Em circunstâncias normais, a ajuda governamental para empresas, na forma de subsídios ou isenções tributárias, aumenta a dívida/PIB. O governo se endivida, e o PIB cai por causa da má alocação de recursos. Mas, no caso de uma pandemia, o problema muda de figura. Se não houver apoio para as empresas, o PIB terá uma recessão dantesca, e a conta do seguro-desemprego vai ser maior ainda.
Em contraste, ajudar empresas a superar este difícil momento reduz os gastos com seguro-desemprego, evita uma onda de pedidos de recuperação judicial e propicia recuperação mais rápida da economia. O PIB cairá menos do que cairia se nada fosse feito. Até certo ponto, gastar a fundo perdido apoiando empresas reduz a dívida/PIB pós-pandemia porque propicia uma recuperação mais rápida do crescimento.
Digo até certo ponto porque o governo não deve repor todas as perdas causadas pelo vírus.
Como a pandemia reduziu a oferta de bens e serviços, teremos inflação se o estímulo fiscal buscar manter a demanda agregada no nível anterior à pandemia.
Há quem argumente que não deveríamos fazer nada porque não sabemos como será a economia no “novo normal” pós-pandemia. Correríamos o risco de gastar dinheiro com empresas que não irão sobreviver. Melhor seria sustentar os CPFs e esquecer os CNPJs; as empresas viáveis no futuro surgiriam naturalmente depois.
Porém, em um país com tanta dificuldade em montar e fechar empresas, o darwinismo empresarial tem um custo enorme. Como ajudar? Nosso passado com isenções tributárias seletivas e campeões nacionais indica que deixar o governo escolher quem deve sobreviver é um caminho ruim. Melhor ajudar todos de forma horizontal.
Infelizmente, a ajuda que o governo Bolsonaro deu às empresas até agora foi ineficaz. Não faltaram programas e siglas: BEM, Pronampe, PSLE, Programa Emergencial de Acesso ao crédito, FGI, FGO. Os resultados decepcionaram porque as garantias e contrapartidas exigidas das empresas eram excessivas, porque os bancos preferiram não emprestar e por causa da entraves burocráticos. Muitas vezes os recursos orçados nem chegaram a ser gastos. Vários programas estão sendo modificados, mas, como em quase tudo na vida, o timing faz toda a diferença.
Um bom exemplo é a linha de financiamento para pequenas e médias empresas com 85% do risco de crédito garantido pelo Tesouro Nacional. Em tese, parece baseada em um argumento sólido: como os bancos são melhores em avaliar o risco de crédito, é importante que eles arquem com parte do risco.
No entanto, a livre-iniciativa garante o direito do banco de não emprestar. Forçar um banco a aceitar um risco de crédito que ele não julga adequado levaria a importar para o setor financeiro a crise do setor real; a emenda seria pior que o soneto. Acontece que, em uma situação de extrema incerteza, os bancos tendem a ser superconservadores. Além disso, um banco não quer emprestar para uma empresa saldar a dívida com outro banco.
Não surpreende que a iniciativa tenha sido um fiasco. Poderia ser melhorada tratando novos empréstimos para pequenas e médias empresas como despesas dedutíveis. Poderia ser melhorada se o Tesouro garantisse 100% do risco, como em alguns outros países. O Tesouro gastaria mais, mas em compensação o crédito fluiria sem entraves para as empresas, mantendo a capacidade de recuperação da economia.
A disponibilidade de crédito é um dos elementos críticos da sustentação das empresas durante a crise, mas é igualmente importante que o crédito chegue ao custo certo. Isso me leva a política fiscal à política monetária.
O mundo pós-pandemia conviverá com relações dívida/PIB mais altas e terá também ampliado o papel dos bancos centrais. Alguns poucos exemplos do mundo subdesenvolvido já mostram isso.
O Banco Central britânico está creditando diretamente a conta do Tesouro inglês e anunciou que está considerando taxas de juros nominais negativas. O Fed, o banco central dos EUA, anunciou uma política de recompra de títulos do Tesouro no mercado em quantidade ilimitada. Anunciou também um programa de compra de debêntures privadas.
O balanço do Fed está em 33% do PIB, e há previsão de chegar a 38% do PIB. O Banco Central Europeu se prontificou a assegurar a rolagem de 100% da dívida pública da Itália que vence neste ano e de 100% do acréscimo necessário para financiar a sustentação da economia italiana.
E no Brasil? O assunto é complexo, mas segue aqui um resumo das minhas propostas.
Começo pelas mudanças nas relações entre Tesouro e Banco Central. Além da independência, o Banco Central deveria ser autorizado a adotar a sistemática de reservas livres remuneradas. Títulos do Tesouro, como LFTs e compromissadas, desapareceriam.
A dívida do governo junto ao público como um todo ficaria inalterada, mas sua locação entre o Tesouro e o Banco Central ficaria mais transparente. A autorização para que o Banco Central compre títulos do Tesouro no mercado, hoje confinada ao estado de emergência, deveria vigorar em circunstâncias normais também.
Nas condições atuais, o Banco Central deveria reduzir a taxa de juros do Copom ao mínimo. As expectativas de inflação estão ancoradas, e a inflação está abaixo da meta. Além disso, deveria expandir seu balanço sempre que necessário para assegurar que a curva de juros futura dos títulos do Tesouro fique bem comportada. Para os que associam diretamente a expansão do balanço do Banco Central à inflação é sempre bom lembrar que inflação é um excesso de demanda agregada, não consequência do excesso de “moeda”.
Essas propostas podem ser descritas de várias maneiras, ao gosto do freguês. Na linguagem neutra da macroeconomia, configuram uma política monetária acomodatícia. Na linguagem direta de alguns membros do Fed, trata-se do controle da curva de juros. Na linguagem dos economistas mais conservadores, seriam uma maneira sofisticada de repressão financeira.
O efeito, qualquer que seja a descrição, é levar a taxas de juros mais baixas em curto e longo prazos. Do ponto de vista das finanças públicas, ajudariam a estabilizar a relação dívida/PIB. Ajudariam também a reduzir o endividamento privado porque o custo do crédito para as empresas é formado tendo como referência a remuneração dos empréstimos feitos ao governo.
A objeção é que as taxas de juros podem acabar ficando baixas demais se o Banco Central errar a mão. O “demais” aqui significa baixar tanto a remuneração das aplicações financeiras que o setor privado trataria de realocar seu patrimônio aumentando a proporção em ativos reais, como imóveis, ações ou moeda estrangeira.
O aumento de preços dos ativos reais no país, no contexto atual, não é razão de preocupação. Estamos muito longe do pleno emprego ou de qualquer pressão inflacionária causada pelo excesso de demanda agregada.
O aumento da demanda por moeda estrangeira, por sua vez, só é preocupante se o governo flertar com o controle de capitais. Um dos aprimoramentos importantes da regulamentação do setor financeiro é retirar o controle de capitais do cardápio de instrumentos do Banco Central. Sem o risco de controle de capitais, o mercado de câmbio sempre encontrará seu equilíbrio.
O real foi a moeda que mais se desvalorizou no mundo neste ano. Não porque o Banco Central tenha baixado muito a taxa de juros, mas sim porque a métrica de comparação do desempenho dos países é feita em dólar. O mercado de câmbio nos diz o que todos sabemos: o conjunto da obra do pior governo do mundo nos fez mais pobres. Em dólar e em reais.
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