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Economista defende redução de juros de curto longo prazo e encurtamento de perfil da dívida pública e propõe mudança no quadro institucional para permitir ao Banco Central comprar títulos do Tesouro em mercado. Autor afirma que a dívida aumentará, mas poderá ser paga e considera que só um lunático veria risco inflacionário neste momento.
A história vai mostrar que a ideia de que o coronavírus é uma gripezinha causou uma tragédia humana e social. Tivemos sorte porque o vírus demorou para chegar aqui, mas a desperdiçamos com a inépcia governamental.
Se o governo tivesse levado a sério a epidemia, poderia ter testado desde o começo do ano todos os viajantes que entraram no Brasil, como a China testa até hoje todos que chegaram do exterior. Poderia ter se preparado aumentando o número de leitos, estocando equipamentos médicos e de proteção para os profissionais da saúde. Poderia ter providenciado um grande estoque de kits de testagem do coronavirus.
Se o Brasil tivesse um sistema de saúde com grande capacidade ociosa, teríamos a opção de um tratamento social verticalizado, isolando os mais fragilizados e fazendo uma grande campanha de prevenção para o restante da população que iria trabalhar normalmente, mas não é esse o nosso caso.
O fato é que nenhuma sociedade tolera continuar a vida econômica como se nada estivesse acontecendo enquanto pessoas morrem na fila de espera do pronto-socorro ou do hospital porque não há vagas para internação. Nas nossas circunstâncias, as medidas de distanciamento social ou quarentena estão corretas -o resto é terraplanismo, oportunismo político ou lobby de empresários insatisfeitos.
Do ponto de vista econômico, há dois desafios. O primeiro é como responder à recessão. O segundo é como sair da quarentena sem causar repiques ou novos surtos de contaminação do coronavirus.
Começo pela recessão. As estimativas do PIB de 2020 variam muito, até porque dependem da duração da quarentena, da amplitude da rede de sustentação social que vier a ser implementada e também do que acontecerá no resto do mundo. Porém, a julgar pelo que acontece à nossa volta, teremos uma queda sem precedentes em nossa história.
A resposta do governo tem sido tímda, desorganizada e a reboque dos fatos. A garantia de que não faltará dinheiro para a saúde foi importante, mas muitas medidas anunciadas com pompa e circunstância não saíram do papel. E muito mais deve ser feito, tanto para pessoas físicas quanto para empresas, para reduzir ao mínimo o impacto da crise.
Várias propostas já foram escritas pelos economistas para assegurar uma rede de proteção social efetiva —e muitas delas já deveriam ter sido postas em prática. São medidas de caráter temporário e com foco nos mais necessitados. Segue uma lista, com alguns acréscimos meus:
Do ponto de vista das empresas, devemos postergar o pagamento de impostos e dívidas tributárias para preservar o caixa. O Tesouro deveria conceder empréstimos para pequenas e médias empresas, além de programas de apoio específicos a setores particularmente atingidos.
Obviamente tudo isso vai impactar a dívida pública. Uma coisa, no entanto, é uma dívida que cresce por irresponsabilidade populista dos governantes ou por força dos interesses privados incrustados no Orçamento; outra é um aumento excepcional de dívida diante de circunstâncias excepcionais.
O Banco Central tem respondido bem e agressivamente ao desafio de manter a liquidez do sistema financeiro. Faz sentido agora reduzir as taxas de juros, de curto e longo prazo. O preço dos empréstimos de liquidez importa mais que nunca em uma recessão. O Tesouro precisa encurtar o perfil da dívida pública, e o quadro institucional deve ser alterado para permitir ao Banco Central comprar títulos do Tesouro em mercado.
É importante diferenciar o que não deve ser feito do que pode ser feito dependendo da evolução da crise. Aumentar investimentos públicos ou comprar ações para fazer a Bolsa subir são exemplos de mau uso dos recursos públicos. Comprar debêntures e cotas de fundos de crédito, como faz o Banco Central Europeu, ou o Tesouro conceder empréstimos sem exigência de colateral são passos que podem vir a fazer sentido.
Deveríamos nos preocupar com a solvência do governo quando a dívida pública chegar a 85% ou 90% do PIB? E se o governo não conseguir mais vender papéis de dívida e tiver que pagar os credores em moeda?
Há uma enorme confusão nessa matéria. Bancos centrais imprimem papel moeda, mas no mundo digital em que vivemos os pagamentos feitos em papel-moeda são irrelevantes. O grosso das transações é feito por meio de cartões de crédito e débito, transferências bancárias ou aplicativos de pagamento digital. Exceto pelo papel-moeda, a “moeda” que o Banco Central cria é um depósito remunerado na conta de alguma instituição financeira.
A dívida pública, qualquer que seja seu tamanho, sempre pode ser paga. No limite, o Banco Central pode creditar os valores devidos na conta dos detentores dos papéis da dívida pública.
Disso não decorre que seu tamanho não faça diferença. Um estoque muito grande de dívida pública pode estimular o consumo pelo efeito riqueza. Pode aumentar, por arbitragem, o preço dos ativos reais, estimulando o investimento. Mais consumo e investimento aumentariam a demanda agregada, e a inflação sempre ocorre quando há um excesso de demanda agregada. Só um lunático, porém, acharia que corremos um risco inflacionário nas circunstâncias atuais.
Além das medidas para minorar o efeito da recessão, temos que pensar na saída da quarentena. Todos sabemos que quarentenas por períodos longos de tempo são insustentáveis. O problema é que, por despreparo do governo, estamos às cegas.
É fácil pensar o ideal. Testagem em massa para poder diferenciar áreas onde o problema foi equacionado de outras onde o vírus ainda está se disseminando. Testar os que estão com febre, testar os que foram a hospitais, mas não precisaram ser internados, testar aleatória e maciçamente para detectar os assintomáticos.
Uma boa base de dados de contaminação pelo vírus, revisada diariamente, combinada com uma análise dos padrões de conectividade e da disponibilidade de leitos nos permitiria saber, com razoável segurança, quais cidades ou regiões poderiam reativar as atividades econômicas suspensas na quarentena.
Conhecemos a disponibilidade de leitos, e há estudos sobre conectividade disponíveis. Podemos mobilizar programadores que utilizem algoritmos de inteligência artificial para lidar com grande quantidade de dados.
O drama está na testagem em massa. O governo não se preocupou em ter a quantidade de kits necessários. Sem dados de testes abrangentes, a reativação da economia, muito provavelmente, levará a repiques do coronavirus.
Uma vacina vai demorar a surgir, mas a invenção de um teste rápido e barato do coronavirus ou uma combinação eficaz de remédios poderiam nos ajudar muito no curto prazo. São, no entanto, esperanças no momento. A triste realidade atual é que teremos de conviver com o vírus por mais tempo do que se imagina.
Em um discurso de estadista, o presidente francês, Emmanuel Macron, comparou a epidemia do coronavirus a uma guerra. Ganhar uma guerra, como bem sabem os generais, depende em boa medida do preparo prévio na logística, nos armamentos, nos planos de contingência e nos cenários de risco. Por incúria ou ignorância, entramos em uma guerra sem preparo algum.
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