Há um espaço muito grande para a queda dos juros


Aos 74 anos, o mineiro Edmar Bacha continua uma das vozes mais influentes do pensamento econômico nacional. Depois de discutir extensamente a crise do setor industrial, Bacha voltou sua atenção para a mãe de todos os problemas brasileiros: a situação precária das contas públicas. Em seu mais recente livro, “A Crise Fiscal e Monetária Brasileira” (Editora Civilização Brasileira, 2016, 686 páginas), coletânea de 27 artigos organizada por ele e com prefácio de Fernando Henrique Cardoso, o economista discute as relações entre Banco Central (BC) e Tesouro Nacional, e trata das saídas estruturais para a crise. Para Bacha, Ilan Goldfajn fez um excelente trabalho na recuperação da credibilidade do BC, o que abre espaço para a redução da taxa Selic a 10% ao ano, o que ajudaria a reduzir o efeito de novas crises políticas. Ele conversou com a DINHEIRO em meados de dezembro, no dia em que o Senado Federal aprovou, com folga, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de limitação dos gastos públicos. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DINHEIRO – Quais os seus prognósticos para a economia brasileira em 2017? O crescimento vai voltar?
EDMAR BACHA – 
O meu prognóstico é de uma retomada moderada, mas está difícil definir o ponto exato em que ela se inicia. Os primeiros números divulgados para novembro mostram que pode haver uma leve retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mensal, depois de várias quedas. Assim, pela minha avaliação, espero um crescimento entre 1% e 2%, marginalmente mais positivo que a média do mercado.

DINHEIRO – O que sustentaria esse crescimento?
BACHA –
 Vários motivos. Alguns são conjunturais. Estamos no fim de um ciclo de baixa nos estoques. Vai começar um movimento de recomposição de estoques, o que estimula a demanda. Mas o principal motivo para a retomada é que há um espaço muito grande para a queda dos juros.

DINHEIRO – Por quê?
BACHA – 
A administração do Banco Central (BC) fez um excelente trabalho na recuperação da confiança do mercado na política monetária. A equipe conseguiu balizar as expectativas do mercado para a convergência da inflação em relação à meta, talvez em 2017, ou com certeza em 2018. Isso abre um espaço considerável para a queda dos juros no ano que vem. Se a inflação convergir para 4,5% ao ano, há espaço para reduzir a taxa Selic para cerca de 10% ao ano. E as consequências seriam muito positivas. Juros mais baixos permitiriam uma melhora no quadro de endividamento das empresas e das famílias, e mudariam bastante o clima e a capacidade de as empresas retomarem seus investimentos.

DINHEIRO – O sr. não teme que uma crise política afete isso?
BACHA –
 Os políticos estão, compreensivelmente, ansiosos com a retomada. O processo recessivo está durando bem mais do que o esperado, e isso decorre em grande parte da crise política. A queda dos juros afastaria bastante essa ansiedade. Apesar de todas as críticas que o mercado tem feito, a atual equipe econômica é excelente. A presença do Ilan [Goldfajn, presidente do BC] contribuiu muito para isso. Ele combateu muito bem a herança maldita que recebeu.

DINHEIRO – Qual herança maldita?
BACHA – 
A convicção do mercado de que havia uma subordinação do Banco Central ao Palácio do Planalto, que era o que havia na administração anterior. A atual administração restaurou a autonomia operacional do BC e acabou com a confusão na comunicação com o mercado, o que superou o estrago que havia sido feito em termos de credibilidade. Essa não é uma discussão trivial. A partir de 1999 foi feito um enorme esforço para montar o tripé da estabilidade, em especial com a Lei de Responsabilidade Fiscal. As pedaladas, a confusão de papéis entre o Banco Central e o Tesouro Nacional, tudo isso prejudicou muito esse processo.

DINHEIRO – O Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de corte de gastos, e o governo enviou uma proposta austera de reforma da Previdência. Como isso muda os prognósticos?
BACHA –
 Isso muda todas as perspectivas. Não dá ainda para comemorar a reforma da Previdência, mas a aprovação da PEC dos gastos afasta de uma vez por todas o temor de insolvência do governo que havia há alguns meses. Esse risco se dissipou totalmente. Não vamos caminhar para uma solução como a da Grécia, que simplesmente deixou de honrar seus compromissos, nem vamos correr o risco de uma hiperinflação como que a enfrentávamos antes do Plano Real, em 1994.

DINHEIRO – Qual o principal entrave para a retomada?
BACHA – 
O maior problema é a incerteza sobre o dia de amanhã. Há muitas questões em aberto sobre a administração do País. Será que o TSE vai cassar a chapa e destituir o presidente Michel Temer antes do fim do mandato? Haverá novas eleições? Quais serão os candidatos? É bastante provável que esse grau de insegurança perdure até as eleições de 2018.

DINHEIRO – E o cenário eleitoral permanece nebuloso.
BACHA – 
Sim. Teremos um presidente eleito em 2019. Estamos em meio a um processo de reconstrução. O próximo presidente dará continuidade às políticas reformistas? O eleitorado vai entender a necessidade de continuidade? Não há um candidato óbvio para 2018, que possa mobilizar as pessoas para a continuidade dessa política de reformas. Isso sem falar nas questões institucionais. Qual será, no futuro, o papel de entes muito importantes para a economia brasileira, como o BNDES, o Banco do Brasil, a Petrobras? Veja, são muitas questões para as quais ainda não há uma resposta possível. E incerteza é ruim para os negócios. Por isso, enquanto não houver mais segurança sobre o que vai acontecer, a retomada vai ficar comprometida.

DINHEIRO – No ano passado, a produção industrial caiu, pelo terceiro ano consecutivo, mais do que o PIB. O sr. tem escrito extensamente sobre a indústria brasileira e as políticas industriais. Quais seriam as suas recomendações para reverter esse quadro?
BACHA – 
Antes de mais nada, não é mais possível manter uma indústria protegida e voltada apenas para o mercado interno. Temos de repensar a integração da indústria brasileira nas cadeias internacionais de valor. Um bom exemplo a seguir é o da Coreia do Sul, que orientou seu parque industrial para se inserir fortemente nos grandes fluxos de produção global. Isso envolveria um processo de três passos.

DINHEIRO – Quais?
BACHA – 
O primeiro é trabalhar a sério no que se convencionou chamar de custo Brasil. Há muito a ser feito nessa área. O segundo é rever em profundidade o sistema protecionista que existe. Há proteção demais, barreiras demais, entraves demais ao comércio. O terceiro ponto é trabalhar acordos comerciais.

DINHEIRO – Isso melhoraria o comércio internacional brasileiro?
BACHA – 
A conta é simples. O Brasil tem um mercado interno equivalente a 3% do consumo mundial, mas a exportação brasileira corresponde a apenas 1% da mundial. Então, proporcionalmente, o Brasil exporta muito menos do que poderia e deveria. Para reverter isso é preciso elevar a integração e a inserção da economia brasileira no comércio global. Mas isso não pode ser pensado como uma expansão mercantilista, de simplesmente conquistar mercados tirados de outros países. Não pode ser um jogo de soma zero. Temos de inserir a economia brasileira em um sistema de trocas globais. Temos também de trabalhar acordos comerciais. O problema é que estamos entrando nesse campo quando um de nossos principais parceiros comerciais, que são os Estados Unidos, está prestes a ser governado por um presidente com um viés protecionista. O momento será desfavorável para negociarmos grandes acordos.

DINHEIRO – O ano de 2016 foi marcado por uma inflexão na política. Começou com o Brexit no Reino Unido e acabou com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Estamos testemunhando um momento de fechamento de fronteiras?
BACHA –
 Nem sei devo comentar muito sobre isso, porque, no início do ano, eu achei que o Trump não ganharia nem as primárias republicanas. Pensei “ah, a Hillary [Clinton] vai ganhar fácil”, e o homem está lá, eleito (risos). Tudo levava a crer que o eleitor americano iria apostar na continuidade. Havia bons motivos para se acreditar nisso. A crise está praticamente superada, a economia está perto do pleno emprego com inflação sob controle, e os programas sociais funcionam bem. O que se convencionou chamar de Obamacare é uma coisa extraordinária para os padrões americanos. Então, se uma surpresa eleitoral tão grande pode acontecer nos Estados Unidos, um país que vai muito bem, obrigado, então o mundo se tornou muito menos previsível. No entanto, é bom lembrar que movimentos desse tipo, contrários à migração e de repulsa a imigrantes, não são uma novidade. Se olharmos a Constituição Brasileira de 1934, por exemplo, veremos que lá havia cotas estritas para o ingresso de imigrantes asiáticos no País.

DINHEIRO – Como o sr. vê um governo Trump?
BACHA –
 No momento isso é uma grande incógnita. A princípio os sinais são preocupantes, porque sua campanha eleitoral foi baseada no protecionismo da economia americana e contra à imigração. Porém, o presidente eleito é um negociador por excelência. Homens como Donald Trump podem ter vários defeitos, mas são pragmáticos. Ele logo vai entender que lançar barreiras protecionistas no mercado americano vai acabar prejudicando as próprias exportações americanas, o efeito oposto ao desejado.