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O debate acerca das causas que emperram a recuperação brasileira desde o início do ano tem mobilizado os economistas brasileiros. Ainda que haja pontos pacíficos, como o efeito negativo da elevada incerteza política e fiscal corrente sobre decisões de investimentos, não há ainda uma narrativa coesa sobre a apatia do consumo. Acredito que boa parte da desaceleração atual do consumo pode ser explicada por uma conjunção de insensibilidade aos incentivos tradicionais dos cortes de juros, aliado à grande desigualdade de renda e riqueza do país.
Nos modelos econômicos, um corte de juros tem dois tipos de impactos sobre o consumo: diretos e indiretos. As respostas diretas são os tradicionais efeitos renda e substituição intertemporal de consumo: a primeira diz que, após uma diminuição de juros, os devedores ficam mais ricos por conta do menor custo da dívida, e o segundo (e dominante), que há menos incentivo a se poupar e que portanto os consumidores que possuem ativos ou poupança têm mais incentivo a consumir uma maior parte da renda no presente.
As respostas indiretas se referem aos movimentos que se seguem a este aumento de consumo das famílias, e, portanto, dependem dos efeitos diretos: o aumento do emprego e dos salários, ou impulsos fiscais, uma vez que a economia com o pagamento de juros da dívida pública neste ambiente implica um superávit que é retornado à sociedade na forma de corte de impostos, transferências ou diminuição da dívida do governo.
No artigo “Monetary Policy According to HANK”, de Greg Kaplan, Benjamin Moll, and Giovanni L. Violante, os autores expandem um grande modelo macroeconômico para incorporar a distribuição de riqueza da economia americana. Os autores quantificam as respostas direta e indireta do consumo a um corte de juros, e mostram que as respostas indiretas são mais importantes para a reação econômica do que as diretas. As respostas indiretas “alargam” o orçamento dos consumidores “restritos” – consumidores que consomem todo o seu orçamento e não possuem poupança – possibilitando que os mesmos consumam mais. Estes consumidores dependem inteiramente dos efeitos indiretos via aumento de salários ou maiores transferências governamentais para se beneficiarem dos juros mais baixos.
Assim, quanto maior a quantidade de agentes restritos, mais importantes são os efeitos indiretos. Os autores mostram também que a reação do consumo será menor à medida que o corte seja acompanhado por redução de dívida pública, pois não há o impulso de renda direto para os agentes restritos como no caso do corte de impostos.
Reação do consumo será menor à medida que a redução dos juros for acompanhada de redução da dívida pública
Comparando o Brasil com os EUA, temos que a economia brasileira é ainda mais desigual que a americana, tanto em termos de renda (de acordo com dados do Banco Mundial, o índice de Gini brasileiro estava em torno de 53 em 2016, ante 41 no EUA) quanto de riqueza. Isso implica uma proporção maior de agentes restritos na economia brasileira, e, portanto, em possível maior dependência dos efeitos indiretos da política monetária – do aumento no nível de empregos e salários. Além disso, diante do frágil quadro fiscal brasileiro, o alívio causado pela diminuição no custo da dívida pública (cerca de 1,2 pp do PIB nos últimos dois anos) tem se traduzido em um menor ritmo de aumento da dívida, o que implica uma menor reação do consumo como mencionado acima.
Entretanto, sabe-se que empresas “represam” seus investimentos em capital fixo e emprego até que choques de incerteza se resolvam. Indicadores como o índice de incerteza da Economia, da FGV, mostram que a incerteza se elevou ao longo do segundo semestre de 2018 e, apesar de recuar um pouco, segue em patamares historicamente altos. De fato, com o aumento da incerteza política e econômica sobre a trajetória fiscal e as mudanças que deverão ser propostas pelo governo ao longo dos próximos trimestres, empresas têm postergado suas decisões de investimento e emprego, com a taxa de desemprego mostrando queda apenas marginal. No modelo de Kaplan et al, esta incerteza se traduz em uma maior variabilidade acerca dos possíveis níveis de renda dos consumidores, tornando mais incerta sua renda no futuro. Assim, por conta do aumento da incerteza econômica, os efeitos indiretos tem se mostrado mais fracos do que foram historicamente no Brasil.
Além disso, os esperados efeitos diretos estão sendo amortecidos por conta dessa incerteza e do medo do desemprego: consumidores que detêm poupança líquida (pense em qualquer tipo de poupança cuja movimentação não incorre em custos de transação), e que portanto são os responsáveis por gerar o efeito substituição de consumo, não estão aproveitando na mesma magnitude o incentivo para antecipar seu consumo. O temor de um choque negativo de renda faz com que se eximam de “aproveitar” o empurrão dado por juros mais baixos, e prefiram poupar “para um dia chuvoso”, cujo risco de acontecer parece suficientemente alto.
Consumidores não-restritos, mas com pouca poupança, têm menor incentivo a consumir por conta do maior risco de esbarrarem no seu limite de endividamento – e o medo do desemprego aumenta esta cautela, encurtando o horizonte de planejamento e diminuindo o incentivo a consumir mais no presente.
Assim, o impulso dos efeitos indiretos – que parece ser ainda mais importante no Brasil – é minorado, não apenas pelo efeito fiscal, mas também pela incerteza que diminui o tamanho do impulso direto dos juros, e pela contenção no ritmo de contratação e investimento. Resumindo, quem poderia reagir ao impulso monetário não o faz por conta da incerteza, reduzindo o impulso sobre a parcela dos que reagem indiretamente, e que responderiam pela maior parcela da reação à política monetária em uma recuperação.
O que fazer? Primeiramente, diminuir a incerteza parece primordial para normalizar a transmissão da política monetária. Alargar o orçamento dos agentes restritos via transferências – como é o caso dos saques do FGTS – tem o potencial de dar um impulso, porém apenas transitório. Entretanto, cortes adicionais e espalhados no tempo da taxa de juros podem ajudar a suprir o incentivo reduzido observado até o momento nos efeitos diretos da política monetária, reavivando o efeito esperado por parte dos agentes poupadores da economia.
Fernanda Guardado é economista, doutoranda em Economia pela PUC-Rio e colaboradora do IEPE/Casa das Garças.
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