Casa das Garças

Histórias exemplares

Data: 

02/05/2021

Autor: 

Merval Pereira

Veículo: 

O Globo

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Nesses depoimentos, o que mais se ouve são duas palavras: liderança e governança. O comentário é de José Augusto Coelho Fernandes, pesquisador que conduz as trinta entrevistas com formuladores e gestores de políticas públicas que compõem a série de podcasts sobre a “arte da política econômica no Brasil”, a ser lançada na próxima semana pelo IEPE/ Casa das Garças, um dos principais think tanks do país.

 

Na série, temos depoimentos importantes que podem ser usados para comparação com o que está sendo feito no atual momento. A negociação incessante com o Congresso, no lançamento do Plano Real, e a atuação em equipe com autonomia na crise energética de 2001, são exemplares.

 

Atores importantes da cena econômica nos anos recentes, Maílson da Nóbrega, Edmar Bacha, Pérsio Arida e Gustavo Franco abrem o primeiro mês da série, com relatos sobre os anos de aprendizado dos planos e reformas, com o fim da conta movimento entre Banco do Brasil e Banco Central, a criação da Secretaria do Tesouro, até desembocar no Plano Real, suas reformas econômicas e privatização, regime de metas de inflação e câmbio flutuante.

 

No desenrolar da série, ouvem-se relatos sobre gestão de crises, desafios de governança, construção e desenho de instituições.  A série se encerra com o depoimento do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Inaugurando a série específica sobre o Plano Real, o economista Edmar Bacha, presidente da Casa das Garças e membro da Academia Brasileira de Letras destaca o papel do Departamento de Economia da PUC RIO nas discussões sobre as causas da inflação e as políticas para o seu controle, o aprendizado com as experiências fracassadas de estabilização no Brasil e no mundo, como o Plano Cruzado.

 

O Plano Real foi produto de muitas discussões acadêmicas que desaguaram num conjunto de etapas que se inicia pela consolidação fiscal e termina com o lançamento da nova moeda, o Real. No caminho, um plano intensivo em negociações com o Congresso, principalmente para a aprovação das medidas de transição para a nova moeda e a criação do fundo social de emergência.

 

A tarefa  ficou a cargo de Bacha, que era chamado de “senador” pelos companheiros de equipe, a tal ponto chegou sua dedicação. Ele diz que o grande trunfo negociador esteve na oferta de um produto de alta demanda da população – a inflação baixa- e, na expectativa dos efeitos desse novo ambiente sobre o crescimento do salário real e a popularidade dos políticos que o apoiavam.

 

Engenheiro eletrônico e ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Pedro Parente relata a sua experiência na administração pública brasileira, especialmente na  crise de energia em 2001, que ele admite ter acontecido por desconhecimento do governo da complexidade do sistema hidroelétrico brasileiro.

 

O conhecimento da real situação teve impacto sobre as expectativas, queda de popularidade do governo e gerou forte preocupação na sociedade. A primeira percepção é que a reação exigia uma coordenação geral, que ficou a cargo de Parente, visto que não se tratava apenas de um contratempo no Ministério de Minas e Energia, e sim de um fato com impacto geral na economia e sociedade.  

 

A mesma percepção não teve o governo Bolsonaro, embora estivesse mais bem informado sobre as consequências da pandemia da COVID-19. Nos debates, ficou demonstrada a importância da autonomia, já que sem ela não se poderia resolver o problema. Em segundo, era preciso ter poder, ou seja, as propostas seriam terminativas, de modo que não sofressem o processo de análise comum no governo.

 

Por fim, propunha-se a criação de uma câmara de gestão da crise, a qual viria a ser importante no processo de comunicação com a sociedade. A ideia era, sob a gestão de Parente, reunir representantes dos órgãos federais que tivessem relevância no assunto, como do Ministério da Fazenda e do Planejamento, da ANEEL e da ONS. Convocou-se também o professor e consultor empresarial Vicente Falconi, bem como Mauro Arce, secretário de energia de São Paulo. A decisão inicial foi a de o governo assumir a responsabilidade da falha e, a partir dessa medida, buscar, a todo custo, a transparência e disponibilidade diária para responder às indagações da imprensa sobre a crise de energia.

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