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O governo vem atingindo muitos e preciosos coelhos com suas cajadadas. A mais recente foi a reunião do presidente da República com embaixadores de países importantes. Com mais um infundado questionamento à confiabilidade das urnas eletrônicas, atingiu imensamente a nossa imagem externa e criou mais incerteza sobre sua aceitação de eventual derrota, com efeitos paralisantes sobre a economia. O tema e suas perigosas ramificações vêm sendo objeto de robusta reação de importantes setores, mas não há margem para nenhum vacilo na defesa dos valores democráticos.
Uma cajadada em território adjacente foi incentivar e facilitar a população a se armar, com o requinte de medidas que permitem a não identificação de armas e munições, sob a exótica justificativa de assim fortalecer defesas da democracia. Estamos correndo um sério risco do surgimento de uma cultura de violência armada.
Outros exemplos incluem as PECs de teor populista, como a dos Precatórios, e a recente das Bondades, também conhecida como Kamikaze. Nesses casos, foram duros golpes na saúde fiscal do país, que segue precária, e desmoralizaram as regras eleitorais, que sabiamente proibiam gastos extraordinários em anos de eleição. Chamou a atenção também a maciça e surpreendente adesão de senadores e deputados (com honrosas exceções) a uma proposta que contraria um princípio que parecia consagrado.
Uma quarta cajadada vem sendo dada na Amazônia, nosso patrimônio (dilapidado), cartão-postal (rasgado), pulmão (doente) e fonte de biodiversidade (ameaçada). Socorro! A leniência com o desmatamento e com o crime organizado põe o Brasil mais uma vez em vergonhosa posição na cena internacional (e aqui dentro também). De quebra, através de mudanças nos regimes de chuva, ameaça a produtividade do agronegócio, sucesso maior da economia nacional.
Outros exemplos não faltam, mas a esta altura sabemos que estamos lidando com um padrão de comportamento claro e previsível. No início do atual governo, parecia que estávamos “apenas” diante de uma agenda populista à la Steve Bannon, principal estrategista da fase inicial do governo Trump, hoje com um pé na cadeia. Falo aqui do uso de fake news e outros instrumentos de pressão para domar a imprensa, a cultura, a academia e o terceiro setor, os principais baluartes de resistência a projetos autoritários e atrasados.
Pior é que não parou aí. Evoluiu para constantes ameaças às instituições, culminando na fragilização dos instrumentos de controle, em um estado permanente de conflito com o Judiciário, em especial o eleitoral, e na rendição ao varejo secreto do Legislativo, um inaceitável retrocesso. Esse é o estado das artes na antevéspera das eleições.
Trata-se, portanto, de um ambiente turbulento, que desestimula os investimentos de longo prazo necessários para o pleno desenvolvimento da nação. Exemplos de áreas prejudicadas por esse clima incluem nada mais nada menos do que infraestrutura, educação e tecnologia. Claramente o Brasil não vai a lugar algum sem pacificar seus espaços de governança e recuperar seus sistemas de controle, pesos e contrapesos.
Mas, para ter algum sucesso, o próximo governo terá que ir além de reconstituir a credibilidade de nossas instituições. Terá que enfrentar dois enormes desafios que se completam: construir um sistema político funcional e definir uma nova estratégia de desenvolvimento econômico e social.
Na economia, os desafios estruturais e conjunturais são imensos. Uma resposta adequada terá que incluir ambas as frentes, a partir de um diagnóstico realista. Não vou detalhar aqui. Noto apenas que o termômetro dos juros de longo prazo que o governo paga mostra febre elevada: mais do que 6% acima da inflação, que, aliás, anda bem alta.
No mês passado, escrevi sobre quatro ajustes urgentes e necessários. Só para lembrar: o maior não é o (necessário) ajuste fiscal —é o de redefinir e financiar as prioridades do gasto público. Ajustes implicam reconhecer e alocar perdas. Difícil é entender e explicar que os custos de um não ajuste seriam bem maiores do que os custos de um ajuste bem-feito. Na verdade, uma resposta corajosa e crível traria benefícios imediatos, em vez de custos.
Na política, a construção de uma coalizão que possa funcionar em bases bem mais sólidas do que as atuais seria o mínimo. A fragmentação partidária e a falta de clareza programática dos partidos não têm cura rápida, não dá para contar com isso. Vai ser necessário um chamado ao Congresso com base em uma proposta que, tudo indica, não terá sido submetida ao eleitorado. Uma grande distância nos separa das democracias em que o sistema partidário funciona, mas é o que temos agora.
O momento é de defesa intransigente da democracia e suas instituições. Mas o debate sobre novos caminhos políticos e econômicos não pode esperar até o ano que vem. Quem ganhar as eleições terá que entrar em campo jogando.
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