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A discussão sobre a extinção da TJLP (que deve ser entendida como “juros especialmente baixos cobrados pelo BNDES”) tem sido extraordinariamente emocional e reveladora.
Está em jogo um assunto muito antigo, que remonta ao menos a 1933, quando o governo revolucionário introduziu a Lei da Usura, limitando os juros a 12% e proibindo os juros compostos. Por ocasião do anúncio da medida, O Globo (de 07.04.1933) trazia uma esclarecedora entrevista com o ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha:
– O combate à usura atinge toda e qualquer operação de crédito?
– Não. O objetivo do governo é auxiliar os que trabalham nos campos pondo fim aos exageros dos juros que de agora em diante não serão mais capitalizados. O decreto é resultado de velhos estudos e prepara o caminho para um verdadeiro banco hipotecário e agrícola.
A fala do ministro esclarecia que o problema não era com a usura em si, ou seja, com a “procriação do capital dinheiro” ou com o pecado mortal de “roubar o tempo” (transcorrido entre o empréstimo e sua restituição) que só pertence a Deus. Em nenhum momento foi lembrado que os usurários e sodomitas estão na mesma cava do inferno de Dante.
O problema era salvar a lavoura endividada, tanto que se seguiram diversas medidas a compor o programa conhecido como o Reajustamento Econômico, inspirado no Agricultural Adjustment Act americano, uma das principais iniciativas do New Deal.
Entretanto, a inesperadamente longa vigência da Lei da Usura, que só foi afastada do sistema financeiro em 1964, teve uma influência inesperada e duradoura.
Sedimentaram-se duas esferas para o crédito no Brasil, tal como na Veneza do famoso mercador da peça de Shakespeare: a esfera da economia do favor (e da reciprocidade), e outra da informalidade, ou do gueto judeu, onde o custo do dinheiro era fixado pelas profanas leis da oferta e da procura.
A tensão entre essas duas esferas (a economia cordial e a de mercado) é o assunto central dessa peça, cuja atualidade dá saltos mortais diante de nossos olhos.
A dualidade no crédito era como a que separava o câmbio oficial do paralelo, ou a que opunha os que haviam conquistado a graça da correção monetária e os que ficavam expostos aos rigores da inflação.
O seletivismo é um demônio de muitas faces, mas que vinha encolhendo no terreno do crédito até a Nova Matriz reverter a tendência: o estoque de crédito “direcionado” cresceu de 12,9% do PIB em 2008 para 26,4% em 2013, enquanto o crédito livre se manteve estável na faixa de 27% do PIB no período.
Portanto, metade do crédito concedido no Brasil ocorre no terreno da cordialidade. A outra metade se dá em condições de mercado para as pessoas (físicas e jurídicas) comuns e, portanto, custa muito mais caro.
Em média, para 2014-16, o spread bancário foi de 3,4% para o crédito direcionado e de 32,6% para o crédito livre. Para o crédito para pessoas físicas pior ainda: 3,1% para os spreads no crédito direcionado e 46,8% para o livre, ou seja, os bancos, se captam em média a 10%, emprestam a 13,1% para os campeões e a 56,8% para o restante das pessoas.
Que fique claro, portanto, que o crédito subsidiado e cordial acaba se tornando um imposto sobre o crédito livre, pois, como se sabe, para toda “meia-entrada” há sempre uma entrada em dobro.
O seletivismo no crédito é nefasto, fomenta a desigualdade (basta ver quem recebe), não neutraliza a imoralidade dos juros, pelo contrário, aguça o problema.
O BNDES é apenas um dos agentes do seletivismo no crédito, e cuja particularidade é a de transferir a seus mutuários a “generosidade” do FAT o qual, por sua vez, é alimentado por dinheiro do contribuinte e está constitucionalmente obrigado a emprestar ao menos 40% de seus recursos ao BNDES com remuneração “que lhe preserve o valor” (§1, Art.239).
A ideia que não há subsídio nesse mecanismo pois não há “custo de oportunidade”, ou “uso alternativo” para esses recursos, é uma das maiores bobagens que o signatário já viu circular nos últimos tempos.
É ótimo começar o desmonte desses monumentos à cordialidade pelo BNDES, desde que não pare por aí.
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