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Um dos primeiros economistas de renome a declarar apoio ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições presidenciais, em 2021, o ex-presidente do BC Arminio Fraga vê hoje com pessimismo um governo que “comete velhos erros”.
Entre os enganos apontados estão investidas sobre a governança de empresas estatais, como a Petrobras, tentativa de interferir em empresas privadas, como a Vale, iniciativas para ressuscitar a indústria naval e renacionalizar refinarias.
Dois erros, porém, o preocupam mais: o desequilíbrio nas contas públicas, que eleva o endividamento brasileiro (a dívida bruta do país calculada pelo BC foi a 76% do PIB em abril, maior índice desde abril de 2022), e a pressão sobre as decisões do Banco Central em relação à taxa básica de juros (Selic), hoje em 10,5% ao ano.
No horizonte, a possível turbulência está na troca de comando da autoridade monetária, no final deste ano, quando Roberto Campos Neto deve dar lugar a um presidente indicado pelo PT.
“Se quem entrar se meter a besta, a inflação começar a subir e o mercado perder a confiança, vai ser um grande fiasco político, inclusive, e rápido”, diz o ex-chefe do BC.
Já houve uma alta significativa dos juros de mais longo prazo cobrados pelo mercado para financiar a dívida pública após a divisão na reunião de maio, que reduziu o ritmo de corte da Selic, e o economista vê risco de mais aperto.
“Esse discurso assim mais frouxo na política monetária só atrapalha, porque fica a desconfiança, e o custo aumenta. É uma tristeza ver como a coisa está sendo conduzida, as pressões políticas explícitas, os ataques ao BC, a ideia de que responsabilidade fiscal é uma grande maldade”, afirma.
Arminio considera prematura a discussão da sucessão presidencial de 2026, mas opina que um fracasso do atual governo poderia facilitar o surgimento de um nome fora da atual polarização lulismo X bolsonarismo.
“Certamente adoraria ver uma terceira via, mas não sei de onde pode sair. Com Bolsonaro impedido, talvez saia do centrão. Sobretudo com as dificuldades que o atual governo pode enfrentar. Abrir-se-ia um espaço.”
Há duas bombas-relógio no arcabouço fiscal: despesas obrigatórias crescendo muito e a dificuldade de cumprir a meta de resultado primário. Como desarmá-las a curto prazo?
A curtíssimo prazo é um desafio muito grande. A resposta teria que passar por propostas bastante radicais e críveis, para o médio prazo. Claramente a Previdência vai ter que passar por outra reforma. O assunto geral da folha de pagamentos vai além do governo federal, é até mais dos governos estaduais e municipais. A vinculação geral [dos pisos de educação e saúde] é outra questão. A própria ministra Simone Tebet falou na vinculação ao salário mínimo. Essa lista, incompleta, mas dos principais temas, é toda bem complicada e claramente não encontra apoio dentro do governo. Estou bastante preocupado com onde é que isso vai parar.
Um movimento feito de maneira sustentável, estrutural, que possa ser cumprido, alonga os horizontes. Com isso a economia se acalma, as expectativas começam a poder alongar os seus horizontes.
Mas não vejo um passe de mágica que resolva coisa alguma. O que está hoje programado, pelo menos pelo que se escuta das principais lideranças, é que o déficit vai aumentar.
Déficit maior e juros altos como os de agora aceleram a dívida.
Sim, o Brasil convive com taxas de juros muito altas, há muito tempo, e a pressão só vai crescer. E quando o PIB não cresce, ou cresce pouco, cria-se uma bola de neve de endividamento, isso põe mais pressão no juro, é um círculo vicioso. Em algum momento, não sei bem quanto mais adiante, vem também um medo maior de perda de credibilidade da moeda. Com consequências complicadas.
Haveria esse risco ainda no governo Lula?
Não é impossível, o ambiente global está muito hostil. Tipicamente nessas horas os países que têm uma posição mais frágil tendem a sofrer.
Os dois elementos históricos que, quando combinados com esse ambiente, criam uma dinâmica explosiva, talvez por enquanto estejam ausentes: uma taxa de câmbio fixa e uma fragilidade financeira, bancária, que também não parece ser o caso.
Isso sugere que, se o governo conseguisse pelo menos apontar na direção certa, a coisa melhoraria. Foi o que o arcabouço apresentado pelo ministro Haddad procurou fazer. Naquele momento já destoou inclusive da posição do presidente da República. Mas o arcabouço está fazendo água.
Apontar numa direção certa agora seria mudar a vinculação constitucional dos tetos, ou a vinculação da Previdência ao salário mínimo real?
É tudo isso.
Seria mais viável no curto prazo que uma reforma da Previdência.
Pode ser, mas é fato que o Brasil já alterou a sua Constituição cento e tantas vezes. Não é impossível. Não descartaria que a turma respirasse fundo e dissesse ‘vamos lá de novo, que jeito?’. É melhor do que enfiar a cabeça na areia e largar tudo.
Qual o ambiente global muito hostil a que se refere?
É uma combinação. O clássico a curto prazo foi a surpresa dos juros, a velha história de que, se o centro pega um resfriado, a periferia pega uma pneumonia. É um tema mais financeiro.
Mas há também as questões geopolíticas enormes no Oriente Médio, a situação na Ucrânia, a guerra diferente entre Estados Unidos e China. Um mundo que está dando sinais de pouca capacidade de coordenação, de diálogo. Não creio que seja ainda uma transição de hegemonia, mas essas transições sempre dão problema. Você fica meio que sem liderança.
A liderança americana também anda rateando. Esse quadro não é legal, não.
Como Trump entra nesse cálculo de risco?
Deixaria o quadro mais hostil. Mas não é nem uma questão Trump ou Biden. Os dois estão com um olhar bastante protecionista. E tenso com relação à relação com a China.
Estou curioso também com o que vem acontecendo e vai acontecer com a China, que, sob a liderança agora mais perene do Xi Jinping, deu um cavalo de pau em muitas áreas. A dúvida é se pode se isolar.
São espaços de incerteza bastante grandes. Vejo vários sinais de alerta, e são grandes, não é mais um pequeno tema econômico.
Das causas que vêm sendo apontadas para as taxas futuras de juros bastante altas —juros nos EUA, situação fiscal, dúvidas sobre a nova direção do BC, tentativas de intervenção em empresas—, alguma pesa mais?
As duas grandes na área macroeconômica estão ativas. O ponto máximo mais recente foi de fato a mudança da meta, sempre uma coisa muito séria, salvo numa situação excepcional.
No que diz respeito ao Banco Central, já havia alguma insegurança com relação à troca no comando. É um momento importante. Se quem entrar se meter a besta, a inflação começar a subir e o mercado perder a confiança, vai ser um grande fiasco político, inclusive, e rápido.
De onde viria o fiasco?
Claramente um aumento nas taxas de juros de mais longo prazo, como de fato ocorreu após esse placar dividido do Copom de maio e depois do afrouxamento da meta fiscal. O que se viu foi um sinal, um sinal relevante, mas eu diria ainda modesto. Poderia ser algo bem mais forte.
Juros futuros girando em 11,8% ao ano ainda são modestos?
Não, não são, mas, infelizmente, pode piorar. Pode piorar, sim. Não sou dos mais pessimistas com relação a isso, mas tenho algum receio.
Seria um erro tão banal. Esse discurso assim mais frouxo na política monetária só atrapalha, porque fica a desconfiança. Havendo desconfiança com relação à moeda, o custo aumenta. É uma tristeza ver como a coisa está sendo conduzida, as pressões políticas explícitas, os ataques ao Banco Central, a ideia de que responsabilidade fiscal é uma grande maldade.
O sr. consegue enxergar um objetivo por trás dessa comunicação?
Talvez haja alguma lógica política, mas não consigo enxergar. Porque qualquer deslocamento maior na economia vai afetar a população e a política, inevitavelmente.
Alguns setores do governo têm defendido que conter gastos pode levar o governo Lula ao fracasso e trazer o bolsonarismo de volta. Qual é o erro desse argumento?
O erro é achar que mais uma dosezinha de cortisona vai salvar o paciente. Não vai.
A política monetária é uma espécie de cortisona, mas se der cortisona demais… Uma cortisona para o Rio Grande do Sul agora é joia. Está bem aplicada. Mas, se a cortisona é constante e crescente, o resultado não é bom.
Qual seria, na sua visão, o impacto de uma volta do bolsonarismo na Presidência?
Suponho que fosse semelhante ao que veio antes, com potencial para ser pior. O receio é que pensem “da outra vez eu bobeei, não fiz A, B, C, D”. E A, B, C, D não são bons.
Vê espaço para uma terceira via?
Estou lendo agora um livro bem antigo, “Direita e Esquerda”, de Norberto Bobbio, que é maravilhoso. Fala justamente sobre o que é a terceira via, de uma maneira muito atual. Mas é um pouco da natureza de um sistema que vive em conflito a coisa realmente se polarizar.
Certamente adoraria ver uma terceira via, mas não sei de onde pode sair. Com o Bolsonaro impedido, talvez saia do centrão. Sobretudo com as dificuldades que o atual governo pode enfrentar. Abrir-se-ia um espaço. E está no ar essa discussão, já. Bem cedo, mas claramente está no ar.
Dos nomes que estão colocados, tem algum que te chama mais atenção?
Já disse recentemente e vou dar a mesma resposta: o risco/retorno para responder a essa pergunta não é bom. Está muito cedo, muito espalhado.
A ideia da terceira via agrada a muita gente, mas não é claro para mim que ela chegue ao eleitorado, que saia desse clima de flá-flu, de guerra.
Por que o interesse por “Direita e Esquerda”?
Ando lendo sobre o tema. Li recentemente “Democracia para Realistas”, não traduzido ainda [Democracy for Realists: Why Elections Do Not Produce Responsive Government, de Christopher Achen e Larry Bartels], muito interessante, muito pesquisado. Faz falta o que esses dois coautores fizeram: investigar como é que funciona realmente essa história, como é que as pessoas votam.
Sente falta de atuar no setor público?
Não faço segredo que, depois que saí do Banco Central, em 2002, com 45 anos, estava em forma para continuar a colaborar. Não aconteceu. Com o governo do PT, era impossível. Nós fomos recebidos à bala, depois de fazer uma transição tão caprichada. Enfim, era a vez do PT também, tudo bem.
E depois não aconteceu, desde então.
Falta, não diria que me faz, mas eu gostaria, se houvesse uma convergência de valores e ideias, de colaborar em qualquer coisa que fosse. Ajudaria de qualquer jeito. Acho que estou pronto para assumir uma posição de liderança, mas eu não sou o único.
Qual sua perspectiva para o crescimento chinês? Entraram num novo normal?
A taxa de crescimento vem caindo há muito tempo, era natural que fosse assim. A taxa de crescimento da população vem caindo também, já deve estar entrando em território negativo. Pode eventualmente seguir um caminho meio japonês, onde não tem muito crescimento do PIB, mas o PIB per capita tem crescido. E tem esse efeito Xi Jinping também, que para mim é um certo mistério. Está mais difícil ir lá, visitar, falar com as pessoas, mesmo para quem está disposto a ir. Há um movimento político para ficar de olho aí.
A China é um gigante. Tudo que eles fazem importa. Está todo mundo prestando toda atenção. E agora começam a surgir também, com mais frequência, o papel da China nos grandes temas geopolíticos. Conversam com a Rússia, estão sempre ali de olho em Taiwan. É um xadrez complicado.
O que está acontecendo com a inflação americana?
Acho que dá para identificar elementos de oferta, uma economia que está a pleno emprego, não há explicação fora do mais convencional, não. Eles têm uma política fiscal ultrafrouxa, o mercado de trabalho lá está justíssimo. E de vez em quando ainda entra uma guerra aqui, outra guerra lá.
O que aconteceu de diferente foi que o Fed fez umas promessas no final do ano passado que claramente não se viabilizaram. Aliás, eu acho que em geral os bancos centrais tendem a falar muito. E eu realmente acho que não precisa. Já passei por lá, já estudei, já visitei, sei lá, mais de 30 bancos centrais. Acho que os que dão o mais certo, eles trabalham de uma forma básica, muito clara. E não ficam muito preocupados em prever isso ou aquilo. Não é fácil prever, mas é fácil reagir. O Banco Central não pode ficar falando. Nem precisa.
O que é inimaginável é o Brasil andar bem com uma política fiscal frágil. Isso se projeta em um trabalho mais complicado para o Banco Central, de fato. Se o Banco Central no Brasil, para controlar a inflação, precisa desse juro astronômico, é porque ele precisa de ajuda. E quem é que tem ajuda para dar? É o lado fiscal. Acabou, não tem outra.
O sr. costuma dizer que o Brasil não aprende. O que é que não aprendemos?
É uma propensão a repetir erros e esquecer de acertos. Tem um problema cognitivo também, muitas ideias ruins. O Brasil parece ser uma vítima fácil para ideias assim mirabolantes, populistas.
Pode citar um grande acerto do qual nós nos esquecemos?
Sim, o principal: o Lula, na primeira vez, ganhou as eleições, rasgou o programa do PT e jogou fora.
Esse foi o grande acerto?
Foi um.
E qual é o grande erro que voltamos a cometer?
Estamos aí de novo a mexer na governança das estatais, vamos mexer na governança de empresas privadas. Vamos tentar ressuscitar estaleiros, a obsessão com Abreu e Lima. A ideia de que responsabilidade fiscal faz mal à população. É o oposto. Quem se ferra é sempre o pobre nesse jogo. São alguns, só para esquentar a conversa.
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