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A economia é um assunto bem menos óbvio do que parece.
Epicuro
Exijo a possibilidade de viver plenamente a contradição da minha época, que pode fazer de um sarcasmo a condição da verdade.
Roland Barthes
A economia não esteve entre os temas decisivos da campanha presidencial de 2022. O poderoso Ministério da Economia de Paulo Guedes está decomposto em 6 ministérios diferentes, cujos titulares, no momento da eleição, provavelmente não imaginavam estar nessas posições. Compreensivelmente, não há muita nitidez no pensamento econômico desse coletivo. Mas é preciso considerar seriamente o que dizem, incluindo nesse coro, é claro, o Presidente.
A tarefa de identificar uma teoria nos fragmentos de discurso econômico dispersos pelo noticiário pode perfeitamente ser delegada a um programa de inteligência artificial. A instrução poderia ser nos seguintes termos: defina em 11 axiomas a lógica econômica implícita nas falas das autoridades e simpatizantes influentes do governo.
É o que se faz a seguir: a rigor, nada mais que conectar os pontos (ou as aspas), enunciar suas implicações lógicas e observar o conjunto.
Aspas e rodapés foram suprimidos para dar leveza ao texto, na verdade todo ele formado de aspas, como o leitor bem-informado facilmente observará.
A teoria econômica do novo governo
1 – A inflação é sempre de demanda, não existe nenhuma outra. Na ausência de fundamentação fundamentada da existência de excesso de demanda, a inflação não existe e a política monetária ficará destituída de fundamento.
Parágrafo único. Ausente ou insuficientemente fundamentado o excesso de demanda, o juro é apenas determinante do custo da dívida pública, e portanto deve ser colocado em zero.
2 – Dívida interna não é problema, pois sempre pode ser quitada por papel pintado de curso forçado e poder liberatório na quantidade necessária.
Parágrafo primeiro. A política monetária é irrelevante para a inflação, conforme demonstrado pelo que se passou em 2008 e depois.
Parágrafo segundo. A existência de bancos centrais, ainda mais quando independentes, é desnecessária e frequentemente um aborrecimento
3 – Gasto (público) é vida. O gasto não é problema, mas solução.
Parágrafo primeiro. Gasto (bom) não é gasto, mas investimento.
Parágrafo segundo. O Teto de Gastos (EC95) era um ataque aos direitos humanos, mas não o arcabouço.
Parágrafo terceiro. O arcabouço é a designação para o confinamento (daí a referência ao calabouço) dos piores instintos gastadores do governo a um orçamento não totalmente irrazoável, ainda que esticado, mas repleto de escapatórias.
4 – Todos os litígios em matéria tributária (o chamado contencioso) são provocados por aproveitadores, e sobretudo por seus advogados, usando ambiguidades imaginárias na Legislação Tributária.
Parágrafo primeiro. O in dubio pro reo não vale quando se trata de contribuinte que tem recursos e pode pagar, questão de Justiça Social.
Parágrafo segundo. As decisões do VAR serão todas a favor do time da casa, também questão de Justiça Social. Além disso, é preciso fechar a conta.
5 – O aumento de carga não está no horizonte, se por carga tributária se entende criação de novos tributos ou aumento de alíquota dos tributos existentes.
Parágrafo primeiro. Excetua-se do disposto no caput, por questão de Justiça Social, os setores mais abastados, além dos que não são atualmente tributados, com os quais, além de todos os outros, se trabalhará com bases de cálculo, incidências e todas as outras fórmulas disponíveis (e mais algumas novas).
Parágrafo segundo. Todas as renúncias (gastos tributários, tax expenditures) devem ser considerados como tributos que alguém realmente deixou de pagar e que o governo renunciou à cobrança. Renúncia é o que o nome diz, e mais: quem renuncia pode perfeitamente deixar de renunciar, portanto, todas as renúncias, em tese, podem ser revertidas, CNPJ por CNPJ. Muitos setores foram demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidas ao longo das décadas e não foram revistas. Fica assim criada a des-renúncia fiscal, que não será considerada aumento de carga tributária.
Parágrafo terceiro. Todas as renúncias resultam de apropriação patrimonialista do Estado, mas nem por isso são fáceis de reverter. Não vamos revogar o SIMPLES, nem reonerar a folha. Mas haverá um pente fino sobre o resto.
6 – O consumidor não paga impostos indiretos, só as empresas.
Parágrafo único. A incidência é de quem recolhe o DARF, de quem mais poderia ser?
7 – Todas as grandes questões geopolíticas globais poderiam ser resolvidas como num dissídio coletivo em São Bernardo.
Parágrafo único. Quando um não quer dois não brigam. Numa mesa de negociação, você pode discutir qualquer coisa, até a Crimeia.
8 – Todo problema com a concorrência estrangeira (sempre desleal) pode ser resolvido com a instalação de uma nova fábrica no país, a fim de produzir localmente o que se importa e preferencialmente em associação com o empresário que sofre a competição.
9 – O comércio internacional pode perfeitamente ocorrer utilizando apenas moedas nacionais. E não é por isso que o comércio vai deixar de ser internacional.
Parágrafo único. Moeda única é quando você recebe em dólar e paga na sua própria, o seu parceiro faz o mesmo. Se não der jogo, não tem importância.
10 – É considerado inusitado, bem como dotado do cheiro ruim da falta de moralidade todo arranjo societário ou acordo de acionistas pelo qual o povo brasileiro tenha 46% ou 43% das ações e apenas 10% do poder de voto, como na Eletrobrás.
Parágrafo único. Excetua-se do disposto no caput a situação análoga em sentido contrário, por exemplo, mas sem perda de generalidade, quando o povo brasileiro dispuser de 36,6% das ações mas 50,2% do poder de voto, portanto, o controle, como na Petrobrás.
11 – Os preços dos derivados de petróleo serão abrasileirados, ou seja, livres do dogma da PPI. De acordo com a nova estratégia comercial, quando subir lá fora, terá que subir aqui dentro. Quando descer lá fora, vai ter que descer aqui. Mas isso dentro também de uma gestão que a empresa tem o direito de fazer. Parágrafo único. Não obstante o disposto no caput, o consumidor vai ter preço inexoravelmente mais baixo que o PPI.
Gustavo Franco foi presidente do Banco Central do Brasil.
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