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O economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, não vê risco de que as fragilidades que assombram instituições financeiras nos Estados Unidos e na União Europeia possam ser identificadas no sistema bancário brasileiro.
“Uma contaminação vinda de fora não é o principal fator de risco aqui”, diz ele. “Blindado nunca ninguém está. Mas não acredito que esse setor possa sucumbir numa crise bancária. Os bancos aqui no Brasil são mais capitalizados. Tem-se a impressão que grandes bobeiras como a que vimos nos Estados Unidos não ocorrem aqui. Essa é a minha avaliação.”
Fraga, no entanto, afirma que o ciclo econômico não é confortável no Brasil. “Várias empresas dependem de financiamento para capital de giro, e elas estão sofrendo muito. Algumas estão até se mostrando inviáveis.”
Na sua avaliação, será mais fácil para o Banco Central (BC) atuar nesse ambiente mais adverso, acompanhando uma eventual redução na taxa de juros, se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) for mais ágil em apresentar definições para o que considera o cerne do problema no Brasil: a fragilidade fiscal.
“Eu diria que aqui, apesar de não estarmos diante de uma corrida bancária —essa é a minha expectativa—, nós temos uma situação macroeconômica muito frágil, com juros já muito altos”, afirma Fraga. “É claro que os juros altos são um problema, e não é de hoje. Mas a cura para essa condição é fiscal.”
Arminio reforça que apesar de as atenções terem se voltados para a elaboração de novas regras fiscais, a prioridade é a divulgação dos parâmetros de resultado primário e de gasto público para os próximos anos.
“Com ou sem arcabouço, o governo tem que anunciar os principais parâmetros”, afirma Fraga.
Já vínhamos sentido risco de crédito, veio perda de confiança e, na última semana, bancos com problemas. Estamos diante de um risco de crises múltiplas? Sim, mas precisamos olhar a geografia da coisa. Lá fora, temos uma situação muito delicada, e os bancos centrais já avisaram que vão entrar com artilharia pesada. Em geral, isso pelo menos dá tempo. É preciso averiguar quanto se tem de alavancagem no sistema. No setor imobiliário, que foi o problema maior em 2008, acredita-se que se tem menos alavancagem.
A novidade do banco da Califórnia [o Silicon Valley Bank, que faliu na semana passada] é que eles tinham uma posição enorme de descasamento de taxa. Ou seja, captavam depósito de curto prazo e aplicavam num prazo longo. Eles quebraram, pelo que se ouve, em função disso. Foi uma barbeiragem tremenda dos gestores do banco e dos reguladores, que também não viram isso. Não era um portfólio de empréstimos que era difícil de avaliar. Era bem fácil.
Lá fora os bancos centrais vinham correndo atrás dos prejuízos com a inflação. Foi uma aposta que fizeram. Estavam com medo e, agora, vem a conta. O aperto no crédito é incluído nos cálculos dos bancos centrais. Sempre há o risco do que a gente pode chamar de dominância financeira, ou seja, o banco central afrouxar um pouco na inflação para não apertar demais no mundo do crédito. Esse é o estado das artes lá fora.
E no Brasil? Aqui é diferente. Também há uma questão inflacionária, e não é apenas um choque de oferta —e mesmo que fosse, o BC tem que, no mínimo, cuidar dos efeitos secundários do choque. No nosso caso, a maioria dos especialistas acha que tem também um elemento de demanda.
O BC vinha trabalhando nessa área e, de repente, aqui surge também a questão do crédito. Não é uma grande surpresa, dado que os juros foram de 2% para 13%, mas é, mesmo assim, um assunto a se acompanhar.
Ao mesmo tempo, aqui também está no ar toda essa questão fiscal e sobre o que governo vai fazer.
Num primeiro momento, ele está muito focado no desenho de um arcabouço para substituir os outros que não aguentaram. Mas eu acho que, neste momento, mais importante do que redesenhar um arcabouço —que claro, é relevante— é anunciar metas bem claras para o saldo primário e, quem sabe, até para gasto, nos próximos três anos.
Esse seria o passo, ao me ver, mais contundente e claro, e não uma discussão de um arcabouço muito sofisticado, em cima de posturas do governo como um todo, inclusive do presidente da República, de que esse tema fiscal ou não é muito relevante, ou é um grande exagero. Mas certamente não se vê grande apreço por esse tema fora do Ministério da Fazenda, por enquanto.
Aqui, o que tenderia a acalmar as coisas seria justamente dar mais espaço ao BC para trabalhar —e a única forma que existe para fazer isso é resolver o fiscal. É isso, ou teria algum impacto também no crédito. O BC mais livre, ou que não tenha de carregar um piano mais pesado do que deveria, pode trabalhar um pouco melhor o tema.
O sr. avalia que o governo está demorando para apresentar as metas? Um pouco. Mas não é anormal um governo que está chegando demorar um pouquinho a engrenar. Isso não preocupa. O que preocupa é essa sensação de que um arcabouço vai resolver o assunto. Não vai. O que vai resolver é o governo apresentar o seu comprometimento. Aí a coisa se acalma.
Já se fala que o Fed, o banco central americano, pode rever os juros. Pelo que o sr. está falando, é mais difícil isso ocorrer aqui enquanto não se resolver o fiscal? Sempre existe —vamos falar assim— uma componente de aversão ao risco. Porém, no nosso caso, estamos diante de um sistema bancário —até onde se percebe, e tendo a concordar— que está sólido, e uma economia razoavelmente fechada.
Temos mais a componente de risco psicológico, geral, alimentado por questões que não são apenas psicológicas. Uma contaminação vinda de fora não é o principal fator de risco aqui.
É importante diferenciar o quadro internacional do nosso. No quadro internacional, temos governos e bancos, em sua grande maioria tidos como sólidos e com espaço de manobra razoável. Eu diria que aqui, apesar de não estarmos diante de uma corrida bancária —essa é a minha expectativa—, nós temos uma situação macroeconômica muito frágil, com juros já muito altos. É claro que os juros altos são um problema, e não é de hoje. Mas a cura para essa condição é fiscal.
O governo, então, precisa anunciar logo o arcabouço com os parâmetros? Esquece o arcabouço. O arcabouço pode até demorar. Com ou sem arcabouço, ele tem que anunciar os principais parâmetros. No fundo, eles vão dar o seguinte sinal: olhe só, nós vamos fazer uma tentativa —porque ninguém acredita muito— de ressuscitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, o teto do gasto, de uma maneira crível, dentro de um compromisso, de um governo que agora se inicia, que tem tudo para fazer um investimento no médio e no longo prazo. Aí a situação tende a se acalmar.
Se tiver uma baita crise no mundo —não estou descartando isso, mas não é o cenário mais provável— , aí o Brasil vai sofrer, não tem como evitar. Mas como sempre, nossos maiores problemas estão aqui dentro.
O sr. mencionou a questão da barberagem. O CEO da BlackRock, Larry Fink, disse que parte do que vemos agora é fruto do excesso de dinheiro dos últimos anos. O sr. concorda que o ambiente fez com que as instituições fossem permissivas e lenientes com as regras financeiras? Com toda certeza. Isso é algo recorrente na história financeira dos povos e parte de um ciclo natural que atraiu vários estudiosos, como Irving Fisher, Hyman Minsky e o próprio Ben Bernanke. O assunto é conhecido, mas as soluções têm se mostrado difíceis, como estamos vendo.
Acho que é a hora de rever regras. Muitas coisas entendidas como dogmas podem ser revistas, como a questão do prazo. Banco capta curto e empresta longo, mas isso não pode ser interpretado com toda essa flexibilidade. O sistema precisa repensar isso. Os bancos, eles próprios, já estão sujeitos a várias obrigações em termos da liquidez. Normalmente, não carregam nos balanços créditos muitos longos. Você não vê financiamento a infraestrutura no balanço dos bancos. Isso vai para investidores com passivos adequados, como companhias de seguro e fundos de pensão. Não é que nada foi feito.
Porém, o fato é que vivemos essa crise com sintomas muito parecidos com as de outras. Existe corrida a banco desde que existe banco. Isso não é uma novidade em si. O que é incrível é que não tenha sido bem administrado. As respostas não são fáceis, mas tem muita ideia boa, e está na hora de sentar e discuti-las.
O sr. mencionou que não tem temor de crise bancária no Brasil. Imagino que seja pelo tamanho e solidez das instituições, e até pela concentração. Não há risco também para instituições menores e mais jovens. Os bancos digitais, as fintechs, estão blindados? Blindado nunca ninguém está. Mas não acredito que esse setor possa sucumbir numa crise bancária. Os bancos aqui no Brasil são mais capitalizados. Tem-se a impressão que grandes bobeiras como a que vimos nos Estados Unidos não ocorrem aqui. Essa é a minha avaliação.
E qual é o cenário para as empresas de forma geral? O que se fala é que a restrição de crédito está forte e algumas empresas, no limite. Essa é uma outra história. A economia, além do choque de oferta, aqueceu. O BC apertou. Várias empresas dependem de financiamento para capital de giro, e elas estão sofrendo muito. Algumas estão até se mostrando inviáveis. Essa é uma questão do ciclo econômico típico e não de uma grande crise sistêmica.
Qual a sua perspectiva para a reunião do Copom? Eu fujo dessa pergunta abertamente, até porque sou gestor. Eu acredito que o método de trabalho do BC é bom. Vai acertando. Pode errar aqui e ali, mas o Copom se reúne com frequência e, já já eles corrigem, se for o caso. O sistema é bom. Ele tem dificuldades quando o fiscal não é bom. Aí complica.
Economista pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutor na área pela Universidade de Princeton, é sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos. Foi diretor-gerente do Soros Fund Management, empresa de investimentos do empresário George Soros (1993 a 1999), e presidente do Banco Central do Brasil (1999 a 2002). Participou da fundação e preside os conselhos do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social)
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