Casa das Garças

Não dá para imaginar um cenário tranquilo para 2022, diz ex-presidente do BC

Data: 

10/07/2021

Autor: 

Ilan Goldfajn

Veículo: 

Folha de São Paulo

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Se 2021 tende a ser um ano de recuperação, após os estragos provocados pela pandemia da Covid-19, o cenário para o ano que vem é preocupante, avalia Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central e atual responsável pelo conselho de administração do Credit Suisse.

Na visão do economista, com a disputa eleitoral no país, que promete ser acirrada, o Brasil vai ter de conviver com ruído interno —e o cenário internacional pode estar bem mais complicado do que agora.

Mesmo com o avanço de 1,2% no PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tendo surpreendido a maior parte dos analistas, Ilan avalia que a recuperação vai demorar a ser percebida pela população, já que a retomada do emprego acontece com defasagem.

A demora em conseguir vacinas, diz, também postergou a recuperação do Brasil. “Para além dos novos problemas que estão sendo investigados pela CPI da Pandemia, ficou claro que o Brasil começou a vacinar com atraso e essa demora foi o que mais impactou na economia”, afirma.

Ele também aponta que o Banco Central acerta ao iniciar um novo ciclo de alta dos juros para conter a alta de preços, embora o país ainda terá de conviver com uma inflação acima da meta até o ano que vem.

O resultado do PIB no primeiro trimestre surpreendeu positivamente os economistas. Podemos dizer que a recuperação é consistente? A recuperação está vindo mesmo, temos uma previsão de crescimento de 5,5% para a economia este ano, e o indicador mais importante de todos agora é o controle da pandemia. Os calendários de vacinação estão sendo antecipados de forma promissora em diferentes cidades e, caso continue assim, esse controle pode permitir uma continuidade da recuperação da economia.

A nova preocupação é com a variante delta do vírus, que está afetando muitos países e pode prejudicar o Brasil. No momento, como estamos tendo uma aceleração da vacinação, isso acaba reduzindo as incertezas. Para além dos novos problemas que estão sendo investigados pela CPI da Pandemia, ficou claro que o Brasil começou a vacinar com atraso e essa demora foi o que mais impactou na economia.

Há outros riscos no horizonte, também, e a gente precisa chegar até o fim do ano sem ter de fazer um racionamento de energia.

É preciso agir, então, para que a recuperação não seja um ‘voo de galinha’? É importante que o governo adote as medidas necessárias para compensar a falta de chuvas, como o uso de usinas térmicas, para chegarmos ao fim de novembro com um risco menor de faltar luz. E o cenário internacional precisa continuar benigno.

Por muito tempo, o governo trabalhou com o falso dilema entre resolver a questão sanitária ou salvar a economia. Essa escolha nunca existiu? Hoje está claro para todo o mundo que não há uma contradição entre economia e saúde, pelo contrário. Quanto mais rápido se resolver a questão sanitária, mais rápido a economia irá se recuperar. É uma pena que tenha levado quase um ano para que se chegasse a esse consenso.

Como avalia a proposta de reforma tributária do governo? A proposta acabou saindo sem a calibragem correta e com algumas distorções. Na verdade, ela acabou sendo posta para aumentar a carga [tributária] e compensar aumentos de despesas, como a do novo Bolsa Família. Esses objetivos estão minando a proposta, sendo que a intenção era aliviar os impostos dos mais pobres e que o imposto se tornasse mais igualitário. Isso é louvável e deve ser perseguido, mas da forma como a proposta foi colocada, ela mantém distorções.

A tributação de dividendos foi equacionada para aumentar a carga, mas o que se falava era em reduzir para a empresa e aumentar os dividendos. A reforma tributária deveria ser neutra, reduzir as complexidades e tornar o sistema de tributação mais simples. Não adianta que as reformas saiam, seja tributária ou administrativa, elas precisam ser bem feitas.

Olhando para as mais recentes pesquisas eleitorais, o mercado já precifica uma possível volta do ex-presidente Lula [PT] ao poder? O mercado tem a mania de ser otimista, ele quer ver que a coisa irá funcionar, com quem quer que seja eleito. Que a economia tenha espaço para se recuperar. E, muitas vezes, a coisa não é bem assim. Normalmente, o foco do mercado é mais de curto prazo. tem de chegar perto das eleições para começar a ser precificado e normalmente isso acontece no próprio ano da eleição, por isso a minha preocupação com o ano que vem.

Vamos ter uma eleição intensa, com muita polarização e discussões; não consigo ver um ambiente tranquilo para o ano que vem. 2021 é um ano de alívio e recuperação, mas quanto mais perto chegamos de 2022, mais os riscos vão aumentando. O ano que vem me preocupa muito. Com a disputa pelos próximos quatro anos de governo, o Brasil vai ter muito ruído interno e o cenário internacional pode estar bem diferente do que está agora. Essa recuperação no mundo, que tem sido boa este ano, pode fraquejar. E a melhora dos mercados frear.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro [sem partido] admitiu que nunca houve uma ‘caixa-preta’ no BNDES, uma das principais narrativas de sua campanha em 2018. Como avaliar esse recuo no discurso do presidente? Temos de tomar muito cuidado com as instituições, elas precisam ser cobradas e é preciso deixar claro o papel do BNDES. Até acho que o banco está encontrando o seu caminho e que a nova diretoria está fazendo um trabalho espetacular. Agora, a gente tem de ser cuidadoso para não tornar incerta a vida de quem tem de tomar decisões públicas. É preciso ter um balanço entre cobrar a instituição, mas deixando que o BNDES atue e que o funcionário público trabalhe .

A inflação tem assustado mais do que se esperava este ano. Já está dado que energia e combustível vão impactar no bolso do consumidor este ano e talvez no ano que vem também? A inflação vai ficar alta este ano, entre 6,5% e 7%, e isso vai ter consequências no ano que vem. Mesmo que tudo dê certo, ela deve ficar acima da meta. A inflação no Brasil não cai de um dia para o outro, o câmbio não faz milagre e a expectativa não melhora tão rapidamente. Ela subiu e, devagar, vai voltando quando o trabalho certo é feito pelo Banco Central, com os juros subindo.

Apesar dessa recuperação já estar acontecendo, a maior parte da população ainda não parece sentir esses efeitos, com desemprego e inflação ainda altos. Vai demorar muito para que os efeitos da retomada sejam sentidos por mais pessoas? Este ano, o mercado de trabalho pode continuar reagindo. Mas temos tanta burocracia e custos elevados para contratação, que o emprego demora a reagir, mesmo com a recuperação da economia. O que é possível fazer é reduzir o custo para produzir e investir no Brasil, para que a reação ocorra de forma mais rápida.

A tendência é que o investimento estrangeiro volte com mais força ao país? O Brasil ainda sofre muito por questões de imagem. Mas temos espaço para melhorar essa imagem. Os recursos estão voltando, pois o cenário internacional é positivo, mas é preciso melhorar a imagem internacional do país na questão ambiental, na gestão da pandemia e na estabilidade de regras e das instituições democráticas. Tudo isso é muito relevante para atrair investimentos no futuro.

  • RAIO-X
    Ilan Goldfajn, 55
    É economista nascido em Israel e radicado no Brasil, com doutorado pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi presidente do Banco Central entre 2016 e 2019, durante o governo de Michel Temer (MDB), e atualmente é presidente do conselho de administração do Credit Suisse

 

 

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