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Ilan Goldfjan critica voluntarismo do plano Pró-Brasil Brasil e diz medidas incorretas podem comprometer a próxima década
Érica Fraga
Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central, acredita que o governo de Jair Bolsonaro flerta com o voluntarismo ao anunciar planos de investimento em obras públicas, quando deveria focar todos os esforços no socorro aos mais vulneráveis à crise atual.
Para o economista, uma eventual insistência nessa rota somada à instabilidade causada pela recente troca de ministros em meio à pandemia da Covid-19 pode levar o Brasil a perder uma segunda década consecutiva de crescimento, além de ameaçar vidas.
“Não é o campeonato mundial de quem gasta mais, mas de quem consegue proteger mais”, diz ele que, hoje, preside o Conselho do banco Credit Suisse no Brasil.
Segundo Goldfajn, o governo deu passos na direção certa ao anunciar medidas para resguardar estratos da população e pequenas empresas mais sensíveis aos efeitos econômicos da pandemia. Agora, deveria se preocupar em garantir que os recursos estejam, de fato, chegando aos mais necessitados.
O economista diz que o plano Pró-Brasil, que prevê investimentos em obras de R$ 30 bilhões nos próximos três anos, assim como outras ideias defendidas atualmente –como a venda de reservas internacionais–destruiriam avanços institucionais do país.
Ele enfatiza que especialistas e a mídia deveriam fazer um alerta ao governo para que este evite transformar “essa crise temporária em algo que passaremos décadas tentando resolver”.
A fragilidade econômica do Brasil, na opinião de Goldfajn, é ameaçada ainda pela instabilidade institucional, que levou às saídas recentes de Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, respectivamente, dos ministérios da Saúde e da Justiça.
“Não se muda o comandante no meio da crise”, diz ele.
Há evidências sobre medidas econômicas que ajudam a combater essa crise?
Está ficando cada vez mais evidente que não há um trade-off [escolha] entre saúde e economia. Não é um contra o outro. Quanto mais rápido resolvermos o problema de saúde, mais rápido conseguiremos sair e a recuperação da economia correrá melhor.
Um segundo ponto, que discutimos agora, é a melhor forma, a mais segura, de começarmos a sair. Não queremos sair e depois ter que voltar. Para a economia, isso seria desastroso. Uma volta ao isolamento teria que ser mais rigorosa. Aí ficaríamos parados mais tempo e o impacto seria ainda maior.
O governo brasileiro entendeu essas questões?
Acho que ainda estamos na discussão da primeira fase, se estamos isolando demais, como ficará a economia. Tem muita discussão na sociedade sobre esse trade-off. Mas é o vírus que vai determinar nossa capacidade de sair do isolamento. O resto é voluntarismo.
O Brasil ainda está nessa dicotomia que não existe. Sinto que em alguns lugares do país começamos a ter um debate mais maduro sobre isso, embora não em nível federal ainda.
Mas o maior problema, na minha opinião, é que temos que fazer como todo o mundo e focar no que precisa ser feito. Não temos recursos, energia, dinheiro, para fazer tudo.
Onde deveria estar esse foco?
Em termos da política fiscal, em medidas que dão suporte e mitigam os efeitos da crise, asseguram que os mais vulneráveis conseguirão atravessar esse período.
Não é o momento de grandes planos, de obras públicas. Nós não tínhamos dinheiro há um mês para obras públicas, tanto que estávamos partindo para concessões, privatizações, e te garanto que, nesse último mês, o dinheiro ficou ainda mais escasso, porque estamos gastando milhões em áreas absolutamente necessárias.
O plano de obras anunciado nesta semana não cabe nas nossas possiblidades neste momento?
Não cabe. Assim como não cabem várias propostas legislativas de empréstimos, compulsórios, aumentos enormes de imposto, afetando empresas que já vão sofrer na crise. O mundo todo está reduzindo impostos e não aumentando, porque é preciso segurar essas empresas até passar essa crise.
Se o governo insistir no plano de obras, de onde sairá o dinheiro?
Essa é uma pergunta importante. Tem que se endividar de alguma forma e vai amanhecer no dia seguinte, daqui a três meses com uma dívida insustentável.
Já está claro que nossa dívida vai aumentar. Só que tem um detalhe: quem vai pagar no futuro somos nós mesmos, 95% da dívida é retido por nós. A classe média, quem detém fundos, quem tem dinheiro no banco. Enquanto nós, a sociedade, estamos tentando resolver todos os problemas de uma vez, nós mesmos vamos ter que pagar isso.
E eu queria fazer um ponto aqui: não há solução mágica. Não há dinheiro que aparece do nada. O que você gasta hoje em termos de recursos, do trabalho de alguém, da poupança de alguém, vai ter que sair no futuro de algum lugar.
Essa dívida pode levar à preocupação com insolvência no futuro?
Ela pode ficar grande demais, isso pode exigir um juro muito alto, que dificulte a rolagem. Imagina se o risco Brasil aumenta, as pessoas, inevitavelmente, pedirão juros maiores. Isso não depende da Selic, do Bando Central, mas do que as pessoas estão dispostas a pagar para comprar um título que vence em, digamos, 2050. É importante deixar claro que nós não temos soluções fáceis.
O sr. se preocupa com propostas como essa das obras públicas?
Acho que cabe a todos nós, nesse momento delicado, dizer o seguinte: temos que proteger aqueles que mais precisam. Não podemos perder o foco e começar a gastar em estados, municípios, em um plano de obras que nunca tivemos condição de fazer e agora queremos fazer, em um setor que quer ajuda mesmo não sendo essencial.
Após a crise, há espaço para investimentos públicos em infraestrutura?
Espaço teria, mas em parceria com o setor privado, na linha que estava se pensando antes da crise.
O setor privado terá condições para isso?
Em parceria, sim.
Qual é sua avaliação sobre as outras medidas tomadas pelo governo, como linhas de crédito emergencial e a ajuda para a população mais vulnerável?
São medidas que estão no caminho certo, porque envolvem, de um lado, um recurso público, via o Tesouro Nacional, e uma alavancagem. Ou seja, você pega esse dinheiro do governo, monta um fundo e tenta usar esse fundo para conseguir mais dinheiro, do setor privado. E usa também a capilaridade dos bancos para fazer os recursos chegarem nos clientes pequenos e médios.
O uso de recursos públicos do Tesouro, de forma explícita, faz com que a gente saiba exatamente quanto do nosso imposto está sendo colocado ali. Às vezes, usando bancos públicos, parece que o dinheiro vem de graça. Aí, daqui a um ano, dois, o empréstimo não é pago, por inadimplência e o que acontece? Você vai e capitaliza. E esse dinheiro sai da dívida, sai [do bolso] de todos nós. Então, prefiro que seja feito de forma transparente.
Esses recursos estão chegando nas pessoas e nas empresas que precisam?
A demanda por crédito pelas pequenas e médias empresas aumentou muito e os bancos estão emprestando muito mais para elas. Mas vamos saber, ao longo das próximas semanas, se os recursos são suficientes ou se será necessária uma correção de rota.
Tem uma parte das empresas que não são as maiores, nem as pequenas, são, digamos, a meiuca, que talvez esteja perdida e com a qual ainda teremos que lidar.
Essa meicua não está contemplada nas linhas anunciadas?
Por enquanto, não. Não são grandes o suficiente para negociar setorialmente com o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], nem pequenas o suficiente para entrar no programa de folha de pagamento.
Eu acho que está certo começar com as pequenas, só que tem que pensar no resto agora. Tem que ser por ordem, pequenas, depois médias e, depois, vê as maiores. De novo, temos que focar. Não é o campeonato mundial de quem gasta mais, mas de quem consegue proteger mais.
Então, o ministério da Economia vai na direção certa, mas outros setores do governo preocupam?
Não dá para falar de fulano e sicrano. O fato é que nós, como sociedade, temos um viés de resolver os problemas usando mais recursos do que temos. Nas últimas três décadas, gastamos muito além de qualquer outro país. Aumentamos nossos impostos e dívidas a tal ponto que estagnamos por excesso de impostos e perdemos o grau de investimento por excesso de dívida.
Nosso problema nunca foi gastar, foi focar. Focar no que precisa e, hoje em dia, tem que focar nas pequenas, depois médias, depois grandes. Tem que focar nos autônomos, nos informais, depois nos formais, e assim vai.
Mas há voluntarismo, como no caso do programa de obras que acabamos de falar, nos projetos de lei que estão negociando no Congresso.
São as chamadas pautas-bomba?
Tem pauta-bomba no Congresso, projetos-bomba fora do Congresso, desejos-bomba em relação ao Banco Central. Ah, deixa o BC comprar todos os títulos podres do Brasil, dizem. Se você fizer isso, vai para o balanço do Banco Central. Depois, o que conseguir salvar, ótimo. E o que não conseguir, quem vai pagar? Só porque está no balanço do BC ninguém paga?
Há a ideia também de que se vender reserva [internacional] consegue ter dinheiro. Ao longo dos últimos 10 anos, compramos as reservas emitindo dívida. Suponha que você vá vender as reservas e quer gastar. Legalmente, você não pode, mas suponhamos que conseguisse. O que iria acontecer? Você teria a mesma dívida, mas sem o ativo. Ou seja, você ia ficar muito mais endividado.
Então, novamente, não tem free lunch [almoço grátis].Tudo o que a gente gastar é dinheiro meu, seu, nosso. Quem falou isso mesmo?
Foi o Armínio Fraga [ex-presidente do BC].
Então, qualquer medida que a gente pensar vai chegar no meu, no teu, no nosso, no futuro.
Isso não quer dizer que a gente não deveria fazer o máximo que podemos nesse momento. Tem que fazer, é um momento crítico.
O que é mais urgente nas próximas semanas?
Por exemplo, eu queria saber se os R$ 600 chegaram nas pessoas que precisam. Tenho escutado que a demanda pelos R$ 600 ultrapassou muito o que se imaginava no começo. Eu não sei. Concentraria meus esforços nessa questão, se estamos chegando neles e, se não, como chegar, qual critério adotar etc.
O quão grande será a recessão no Brasil neste ano?
Acho que será uma queda maior do que já experimentamos na nossa carreira profissional, passará 2008, passará a recessão de 2014, 2015. Agora, o quanto é difícil saber. A economia está em casa e deveria mesmo estar, porque a saúde depende disso. Quanto mais disciplinados formos nisso, mais rápido sairemos.
Que riscos corremos se não adotarmos as políticas corretas neste momento?
Significará que você, em função de uma crise grave, temporária, que pode ser circunscrita a este ano, comprometerá uma década inteira pela frente.
Além da década perdida que encerramos agora?
É, porque ficaremos com uma dívida impagável, destruiremos instituições, acabando com o teto de gastos. Na parte monetária, por exemplo, tem gente propondo que o Banco Central volte a financiar o Tesouro.
Destruiríamos décadas de desenvolvimento. “Ah, vamos inflacionar”, alguns dizem. Eu até acho que não haveria inflação, no curto prazo, por causa da recessão, mas medidas que tiram a âncora do sistema [de metas de inflação] exigiriam décadas para voltar.
Esse risco é grande?
Estou sentindo que está começando o voluntarismo, por isso, nós, especialistas, a mídia temos o dever de alertar, de dizer: olha, vamos fazer tudo que podemos por quem precisa, mas não vamos perder as instituições, não vamos tornar essa crise temporária em algo que passaremos décadas tentando resolver.
Há risco de que a instabilidade institucional recente, com a saída de ministros, afete a economia?
Não há como isolar a economia dessa instabilidade institucional. As economias do mundo todo estão com dificuldades de lidar simultaneamente com a crise da saúde e sua consequência grave na economia.
Se além dessas crises se somam conflitos desnecessários, a economia vai sofrer. Sem falar no risco a vidas, por desvios do foco, a doença é séria. É absolutamente essencial focar em salvar vidas e empregos.
O quão ruim seria uma eventual troca também no comando da Economia?
A troca na economia seria ruim, mas a percepção de falta de liderança preocupa ainda mais. Não se muda o comandante no meio da crise. Muito menos dois comandantes: o da saúde e da economia. Quase que a receita perfeita de como não se deve agir no meio da crise.
Ilan Goldfajn, 54
Economista, com graduação na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mestrado pela PUC-Rio e doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology).
É presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil. Presidiu o Banco Central entre junho de 2016 e março de 2019. Em 2018, foi eleito presidente do BC do ano pela revista The Banker. Foi economista-chefe do Itaú Unibanco, sócio-fundador da Ciano Investimentos e sócio da Gávea Investimentos.
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