Não há atalhos para manter baixa a inflação


SÃO PAULO — O atual presidente do conselho do banco de investimentos Credit Suisse conhece como poucos o trabalho de manter a inflação sob controle.

Ex-presidente do Banco Central durante o governo Michel Temer, Ilan Goldfajn diz que a receita para manter os preços baixos é uma só: trabalho permanente, sem atalhos.

A inflação de alimentos gerou uma onda de preocupação. Essa alta é um problema pontual, ou o Banco Central deve se preocupar? 

Manter a inflação baixa é um trabalho permanente, baseado na credibilidade do Banco Central e na sustentabilidade do regime fiscal. Não há atalhos, congelamentos, medidas administrativas etc., que funcionem para manter a inflação baixa. Estamos atravessando um período de elevado aumento de custos e das commodities. No passado conseguimos evitar o repasse dos custos aos preços. Mas o comportamento passado não é garantia de baixo repasse no futuro.

A inflação pode avançar mais rapidamente agora? 

A inflação chegou no seu piso e agora, provavelmente, vai voltar a subir. A gente olha os índices de atacado, o IGP-M, índices ao produtor, e tudo indica que essa inflação que chegou quase abaixo de 2% vai voltar a subir.

Mas em que velocidade e para qual patamar ela vai subir? 

 

O mercado fala que ela vai voltar a ficar entre 3% e 4% no ano que vem, mas eu acho que é possível que seja até um pouco mais rápido do que o que o mercado pensa. O repasse do custo não vem há muitos anos, as margens vão se comprimindo. Chega um momento em que a margem precisa descomprimir um pouco. 

Mesmo em um ambiente recessivo? 

A recessão faz com que a inflação seja muito devagar, mas ela ocorre de qualquer maneira. 

O quão preocupante é isso no curto prazo? 

No curto prazo não é preocupante porque estamos com uma inflação abaixo da meta. Ao longo do tempo vamos chegar cada vez mais rápido na meta, e aí, provavelmente, vai ficar parada um tempo, não deve baixar tão rápido.

Alguns analistas dizem que o juro básico no país atingiu seu piso e esse cenário pode ser revertido a depender do desdobramento da crise. O senhor concorda? 

Os juros baixos de hoje foram conquistados com credibilidade, com a âncora do teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas públicas), pela baixa inflação. Tudo isso gera juros baixos. Mas eles não estão garantidos. É preciso ter em conta que a estabilidade fiscal — e institucional — é necessária para manter os juros baixos. Precisamos continuar fazendo o dever de casa. Aqui vai de certa forma um alerta: juros baixos precisam da estabilidade fiscal e da manutenção da credibilidade. 

O senhor foi sempre um defensor do teto de gastos, regra que está em cheque. Como equilibrar programas como o Renda Brasil com responsabilidade fiscal ? 

Sempre fui muito ciente da necessidade de mudarmos nossa dinâmica da dívida porque é ela que permite que a gente tenha um juro mais baixo, que permite florescer o mercado de capitais, ter mais investimento privado, permite ter um crescimento mais eficiente e sustentável ao longo do tempo.

 É claro que, com a pandemia, houve um gasto muito maior do que se planejava. Nosso problema é que começamos a pandemia com uma dívida que já era muito alta, de 75% do PIB, e hoje caminhamos para uma dívida mais elevada. Precisamos ver como equacionar essa questão.

A sociedade tem de ter espaço para fazer a sua escolha. Aprove a reforma administrativa, a emergencial. Troque gastos, escolha prioridades. Mas, para isso, é preciso manter o teto de gastos enquanto se faz essa troca. 

O que acha do embate entre defensores do ajuste fiscal e os que querem mais gastos?

Os gastos sociais para reduzir a pobreza, para incluir mais pessoas, para gerar uma proteção social que a gente precisa, são essenciais. O que está acontecendo é que essas demandas sociais por investimento estão caminhando no sentido de uma demanda por mais gastos de forma geral.

E a nossa sociedade não tem conseguido fazer as escolhas explícitas. Nas últimas três ou quatro décadas, fomos aumentando os gastos sem priorização, sem escolha. Para dizer a verdade, sem perceber que muitos dos gastos acabam saindo pelo ralo.

Pode dar um exemplo? 

Pegue o auxílio emergencial, que foi extremamente relevante neste momento. Você teve muito gasto emergencial que foi dado para quem não precisava. 

O senhor se refere às fraudes? 

Gente que não deveria ter recebido porque você não teve controle. Estou dando um exemplo. Temos de voltar a falar sobre eficiência do gasto, sobre as escolhas que a gente faz. Neste momento, temos que olhar e dizer: nós criamos um teto de gastos lá atrás, que foi feito para tornar explícito que vamos ter de fazer escolhas, e nós estamos nos recusando a fazê-las. Quando você se recusa, sabe o que acontece? Você bate no teto, e as escolhas são feitas por você. 

A atuação dos bancos centrais no combate à crise gerada pelo coronavírus foi correta? 

Os Bancos Centrais agiram relativamente rápido, deram muita liquidez, deixaram muito dinheiro circular. Mas o problema é que a questão não era liquidez, mas sim uma recessão que gera inadimplência, gente que não poderia se sustentar. A chave da questão no final foi que faltou dinheiro aos mais vulneráveis, e você precisou de auxílios emergenciais dos governos. 

Depois, precisou-se de dinheiro para se chegar às pessoas jurídicas mais vulneráveis, que são as pequenas e médias empresas. Isso demorou para chegar, mas agora, mais para o final, começou a chegar. 

Na questão tributária, o senhor critica o tributo sobre transações digitais. Por quê? 

Está claro que para fazer o que o governo está querendo fazer, que é reduzir alguns impostos sobre a folha de pagamento, estamos falando é de uma nova CPMF. Não sou a favor porque eu vejo a CPMF como um imposto velho, que vai contra a modernidade. Se a cada pagamento instantâneo você tiver de pagar uma CPMF, você na verdade está indo contra (a transação digital). 

O senhor defende o imposto sobre lucros e dividendos? 

O governo tem uma ideia de reduzir o imposto corporativo e subir o imposto sobre dividendos, de modo a equilibrar, mas parece que não é tão simples assim. Acho que isso precisa ser estudado. Mas os especialistas dizem que é muito mais complexo.

Apesar dos avanços nessa questão tecnológica, há uma população desbancarizada, que em tempos de pandemia se tornou mais evidente. Como resolver? A nota de R$ 200 ajuda? 

Vejo um avanço muito grande na quantidade de contas digitais, de aplicativos. Você consegue bancarizar muita gente pelo aplicativo. Ao mesmo tempo, sabemos que isso não atingiu todo o mundo. Temos uma quantidade de invisíveis, de gente que está na informalidade, que novamente na pandemia ficou evidente.

O auxílio emergencial precisou ser dado em dinheiro. E parece que começou a faltar dinheiro vivo. Aí essa nota acabou tendo que ser impressa para dar conta dessa nova demanda daqueles desbancarizados que estão recebendo o auxílio. 

É bom ter uma nota de R$ 200? 

Não é. Ela vai atender essa demanda de todo o mundo que está precisando hoje, mas vai gerar o que a gente não gostaria que ela gerasse: muita gente vai poder usar de maneira fácil essas notas altas para atividades ilegais, e o mundo está caminhando para mais digitalização. Tivemos que dar um passo atrás, neste momento, para continuar avançando na digitalização à frente. 

Há uma má reputação brasileira na área ambiental que pode afugentar investimento externo. Como avalia esse risco? 

A gente sente cada vez mais o investidor no mundo, e também no Brasil, com uma consciência ambiental, social, de gestão. Eles estão preocupados com o que estamos investindo, e isso influencia na decisão de investimento.

Quem ajuda a alocar investimentos, a gerir patrimônios, tem que estar nesse mundo. Para mim, pessoalmente, a questão ambiental é um objetivo nobre. Os investidores olham e mais recentemente tivemos alguns ruídos que levaram essa questão a entrar na ordem do dia.