Casa das Garças

O Brasil adora um atalho

Data: 

05/02/2017

Autor: 

Arminio Fraga

Veículo: 

Folha de S. Paulo

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O ex­presidente do Banco Central Armínio Fraga é contra a discussão pública sobre a possível ineficácia dos juros no combate à inflação, iniciada no país pelo economista André Lara Resende.

“A sugestão encontrou terreno fértil no Brasil, que adora um atalho, e parece não ter aprendido com as lições do passado” diz Armínio.

Folha ­- Como o sr. avalia a tese de que a política monetária pode ser ineficaz?

Armínio Fraga –­ O debate sobre a clara ligação entre as políticas monetária e fiscal não é novo. Vem desde a década de 1970. Mas há alguns anos começou uma rodada nova motivada pela situação inédita de persistência da inflação baixa a despeito de juros muito baixos, em alguns casos até negativos, nos países desenvolvidos. É um debate muito especializado, que está longe de levar a conclusões definitivas. Como diz um ditado, e sendo prático, essa discussão tem ideias boas que não são novas e ideias novas que não são boas.

Quais são essas ideias?

André [Lara Resende] foi provocativo ao sugerir que nos EUA talvez fizesse sentido subir juros para gerar um aumento da inflação. Embora ele não tenha feito uma prescrição, implicitamente sugeriu que tentar a política contrária, sendo mais agressivo com cortes de juros no Brasil, talvez levasse a uma queda da inflação. O problema é que essa sugestão encontrou terreno fértil no Brasil, que adora um atalho, e parece não ter aprendido com as lições do passado.

Por que o país adora atalhos?

É uma discussão antropológica, sociológica, que não é minha área. Mas acho que passa por características como o patrimonialismo, o jeitinho, o que Marcos Lisboa [presidente do Insper] tem chamado de país da meia­entrada. Todos querem manter privilégios que envolvem gastos públicos. Isso gera complacência com a inflação.

O que ficou mais chato com a sugestão foi parecer uma mágica nova. Criou um certo zumzum­zum. Até recentemente, a inflação estava bem alta. Fazer a provocação pública agora, depois que a inflação já caiu bastante, é fácil.

Ainda que pese o fato de nossos juros serem historicamente muito altos, o Brasil tem inúmeros exemplos de que a política monetária funciona, embora a segmentação do mercado de crédito atrapalhe. Não digo que o debate não seja importante, sempre é. Mas a parte nova deveria ter ficado na academia.

Que lições temos de que a heterodoxia não funciona?

Temos muitas. Em nome da heterodoxia, o governo Dilma foi um fracasso estrondoso.

Mas a ideia de tentar uma coisa mais fácil, em vez de fazer um ajuste fiscal, não é nova. Em geral, vivemos com essa ilusão do atalho fácil há décadas. E isso não nos levou ao desenvolvimento. Pelo contrário, nossa renda per capita equivale a 20% da americana.

Isso está por trás das taxas de juros historicamente altas?

Há seis meses, estou fazendo uma pesquisa acadêmica detalhada com Tiago Berriel, economista da PUC­-Rio que agora está no Banco Central, tentando justamente entender as razões disso. Devemos ter esse trabalho concluído em cerca de um ano. Mas o que dá para dizer é que passa por questões profundas de natureza fiscal e, em alguns momentos, cambial também.

O que provocou a recente queda da inflação no Brasil?

A política monetária e a recessão principalmente. Em alguma medida, os sinais de ajuste fiscal a longo prazo também contribuíram. No caso do Brasil hoje, caberia reforçar, com atraso, o ajuste fiscal para não sobrecarregar os juros e ajudar a reverter a expansão da dívida pública. O Banco Central, comandado pelo Ilan [Goldfajn], reagiu assim que pôde e reforçou o aperto monetário necessário. Mas teria sido bom que o governo tivesse feito, concomitantemente, um ajuste fiscal. Joaquim Levy [ministro da Fazenda em 2015] até tentou.

Só com o governo Temer veio esse sinal de compromisso, com a adoção do teto para o aumento dos gastos. O governo deveria estar fazendo um ajuste fiscal há bastante tempo. Não é para ter medo disso. Claro que existem questões de ordem política, causa desconforto, há setores que vão ser prejudicados e se sentir incomodados. Mas a verdade é que temos espaço para cortar gasto e subir imposto. Dada a situação, esses dois passos seriam bem­-vindos.

O presidente do Banco Central defendeu uma redução da meta de inflação. O que o sr. acha da ideia?

Não li como algo eminente ou rápido, pois há muita incerteza ainda entre hoje e 2019. Como sinalização de longo prazo acho uma excelente ideia.

Adianta reduzir a meta de inflação sem fazer um ajuste fiscal e alterar outras possíveis causas estruturais dos juros altos, como o elevado volume de crédito subsidiado?

Boa pergunta. Melhor seria avançar mais nas outras frentes.

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