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RIO – Se alguém tivesse me dito, há dez anos, que bancos centrais das principais economias avançadas levariam os juros a zero e fariam forte expansão monetária, por muito tempo, e que a inflação permaneceria baixa, por tanto tempo, eu teria dito: impossível! Em dois artigos recentes (“Valor”, em 13 e 27/1), André Lara Resende discorre sobre ideias antigas e novas da teoria monetária, motivado por esse pano de fundo.
Os artigos focam em uma vertente da literatura acadêmica que vê na saúde fiscal dos países os determinantes da taxa de inflação. Os melhores exemplos são os casos de hiperinflação, atribuídas em geral à emissão descontrolada de moeda em países com governos perdulários. Fora esses casos mais raros e patológicos, a chamada teoria fiscal dos preços não é suficiente para explicar as mudanças da taxa de inflação em tempos mais normais.
Ocorre que essa teoria se presta à construção de complexos modelos matemáticos que, em certos casos, especialmente quando os juros se encontram próximos de zero, sugerem a possibilidade de que um aumento da taxa de juros possa levar a um aumento da taxa de inflação. Trata-se de um resultado pouco plausível, por ser baseado em hipóteses extremas, e carece de suporte empírico, inclusive por não ter sido testado na prática. Essa discussão leva naturalmente a alguma reflexão sobre o caso brasileiro.
Nosso caso é o oposto do que se vê fora: juros reais e nominais elevados com inflação alta, há décadas. A lista de suspeitos usuais para esse fenômeno é desfilada no início do primeiro artigo, mas é tida como insuficiente. Após longo resumo da teoria monetária e sua evolução, o foco volta ao Brasil e à possibilidade de estarmos em uma situação de dominância fiscal. Isso implica que aumentos de juros, dados déficit fiscal e dívida pública elevados, teriam impacto inflacionário, o oposto do usual. Não creio que seja o caso, mas a margem de segurança é pequena. O que fazer?
André afirma em seu segundo artigo, e tenho dito o mesmo publicamente há meses, que o ajuste fiscal necessário é da ordem de 6 a 7 pontos do PIB, tarefa difícil. Argumenta também que a carga tributária no Brasil é elevada, e que cabe preocupação com o custo fiscal da política monetária. Concluo que André recomenda (1) focar no equilíbrio fiscal de longo prazo e (2) abandonar o conservadorismo na política monetária. Da leitura do primeiro artigo, não dá para descartar a hipótese de que o autor consideraria um corte de juros para derrubar a inflação. No segundo fica mais claro que a sugestão é acelerar os cortes de juros.
Na realidade a inflação já cedeu bastante, mas após um período em que a política monetária convencional funcionou, com ajuda da nova agenda fiscal, e com a profunda recessão causada por erros de política econômica do governo Rousseff, que custaram muito ao país, bem mais do que o aperto monetário. Agora sim os juros podem e estão caindo.
Minha visão: não acredito que, em um ambiente de incerteza elevada como o atual, ajustes fiscais defasados no tempo possam ter o impacto necessário para reduzir as fragilidades que nos afligem. Mesmo com a aprovação de uma boa reforma da previdência, a dívida pública deve passar de 80% do PIB. Para resolver de vez o problema, é necessário um ajuste fiscal imediato de pelo menos 3 pontos do PIB, seguido de aumentos de pelo menos um ponto por ano. Como a carga tributária está em cerca de 33% do PIB, existe espaço para algum aumento. Ademais, nada me convence que a expansão de gasto público recente (cerca de 4,5 pontos do PIB) não pode ser pelo menos em parte revertida.
Desta forma se deixaria uma herança melhor para o próximo governo, e aumentariam assim as chances de sobrevivência dos ajustes de longo prazo propostos pelo governo. Assim se tornaria bem mais viável o círculo virtuoso de juros e atividade econômica que todos queremos.
Dito de outra forma, não creio que o ajuste a longo prazo seja o suficiente para que se possa abandonar um certo conservadorismo na prática da política monetária. E mais, a sinalização de que poderia haver um caminho mais fácil na área monetária reduziria o ímpeto para o ajuste fiscal necessário.
Como lembra Elio Gaspari (O GLOBO e “Folha de S.Paulo”, 8/2), eu disse em entrevista na “Folha”, em 5 de fevereiro, que teria preferido mais discussões entre especialistas sobre as novas teorias, por sua complexidade técnica. Não houve qualquer interdição ao debate sobre juros. Na verdade, falo e escrevo sobre isso há anos, como muitos outros. Em entrevista recente à revista “Época” (31/1, versão completa no site), eu disse que “o Brasil tem juro alto há muito tempo, uma aberração quando se compara ao resto do mundo. ” Na “Folha”, eu disse que o Brasil adora um atalho (no caso para juros baixos), que, se vislumbrado, atrapalharia o andar das reformas necessárias. Dei exemplos e mencionei a voluntarista e fracassada redução de juros de Dilma, feita inclusive antes da perda relevante de disciplina fiscal. Falar em patrulha, demofobia e repressão militar, como fez Gaspari, é puro sensacionalismo.
O fato é que o imprescindível debate vem acontecendo em público nos jornais e blogs, e caminha para um certo consenso na direção de dirigir o foco mais para o lado fiscal do que para aventuras monetárias que mais uma vez sairiam caras.
(Arminio Fraga Neto é sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central)
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