O enigma do crescimento da AL


Região parece estar presa em armadilha de baixa credibilidade e baixo desempenho

A teoria econômica sugere que os países pobres devem, ao longo do tempo, convergir para os níveis de renda das economias avançadas. Embora isso tenha acontecido no Leste Asiático e na Europa Central, a América Latina ainda está para trás. Desde 1960, apenas alguns poucos países da região conseguiram reduzir a diferença entre sua renda per capita e a dos Estados Unidos – e, mesmo nesses casos, os ganhos foram pequenos.

Como explicamos num novo relatório para o G30, não há uma causa única para o crescimento medíocre das economias latinoamericanas ao longo das décadas. Em alguns países – como Argentina, Equador e Venezuela -, haverá pouco ou nenhum crescimento sustentado até que os formuladores de políticas abordem sérios problemas fiscais, de dívida e (em alguns casos) de inflação pendentes.

O Brasil também vem lutando para obter um crescimento sustentado. Não apenas sua taxa de crescimento per capita foi menor do que a dos EUA na maior parte dos últimos 40 anos, como também foi negativa na metade do tempo durante esse período. Embora a inflação e a pobreza extrema tenham caído, as políticas macroeconômicas ainda não apresentaram taxas de juros baixas sustentadas e menor volatilidade, e as políticas microeconômicas têm sido lamentavelmente inconsistentes, indicando uma surpreendente incapacidade de aprender com os erros e sucessos do passado. Como resultado, os arranjos informais de trabalho são comuns, o desemprego permanece alto, o investimento permanece baixo e a produtividade estagnou.

No México, microdistorções e políticas sociais mal concebidas levaram a uma má alocação de recursos generalizada. Embora tenham acontecido reformas adequadas e uma integração comercial mais estreita com o Canadá e os EUA, esses avanços tiveram um impacto apenas pequeno no crescimento, em parte devido à crescente divisão econômica entre o norte e o sul do México. O baixo investimento em capital físico e humano no sul coincidiu com o aumento do investimento no norte, devido ao nearshoring (processo de aproximar cadeias de abastecimento dos países de origem). Para piorar, o aumento da violência e o declínio da capacidade do Estado contribuíram ainda mais para o fraco desempenho econômico, ameaçando as perspectivas futuras do México.

Apesar do recente pico inflacionário global, outros países latinoamericanos – entre eles Colômbia, Peru, Chile e Uruguai – conseguiram estabilizar suas economias e alcançar décadas de baixa inflação e baixa volatilidade financeira (na maior parte dos casos). Ao perseguir políticas de macroestabilização e abrir-se ao comércio internacional, eles se beneficiaram de episódios de alto crescimento que aumentaram a renda per capita e trouxeram prosperidade inédita.

Mas mesmo nesses casos mais bem-sucedidos, o crescimento desacelerou muito antes de os níveis de renda convergirem para os das economias desenvolvidas, sugerindo que a estabilidade macro é uma condição necessária, mas não suficiente, para o crescimento sustentado. Todos os quatro países ainda precisam de uma estratégia de crescimento voltada para superar as falhas do mercado e do governo, com o objetivo de diversificar a economia e desenvolver novos setores com alto potencial de crescimento.

Em linhas gerais, a América Latina continua a ser uma das regiões mais desiguais do mundo. Embora as políticas econômicas de muitos países tenham reduzido de modo significativo a desigualdade e a pobreza na primeira década e meia deste século (graças em parte ao boom das commodities), a pandemia causou retrocessos significativos. Muitos países, portanto, precisam recuperar o terreno perdido.

A economia política da região também permanece problemática. As últimas décadas do século XX trouxeram democratização generalizada – uma conquista e tanto -, mas agora o retrocesso democrático é uma preocupação grande. Países como Venezuela e Nicarágua não são mais democráticos, enquanto outros, incluindo El Salvador, vêm exibindo tendências cada vez mais autoritárias.

Em atmosfera de polarização e impasse, a engenharia de reformas profundas e duradouras é uma batalha árdua. Resultados econômicos e distributivos medíocres continuarão a envenenar o poço da confiança mútua, levando a uma maior fragmentação política

Mesmo entre os países que permanecem firmemente democráticos, os problemas de desenho institucional têm dificultado a governança. A combinação peculiarmente latinoamericana de regimes presidenciais e sistemas eleitorais proporcionais muitas vezes produz governos que carecem de maiorias parlamentares. Sem mandato, eles são incapazes de buscar reformas ou cumprir suas promessas de campanha, levando a uma frustração e desencanto mais profundos do eleitorado.

Com o declínio da confiança nas instituições em todo o cenário político da região, a América Latina parece estar presa numa armadilha de baixa credibilidade e baixo desempenho. Como os cidadãos não confiam no governo, o cumprimento da lei e a adesão consistente às normas e regulamentos governamentais são fracos. Como resultado, as políticas muitas vezes têm resultados ruins, confirmando a desconfiança dos cidadãos, completando assim o círculo de disfunção. Restaurar a confiança e reconstruir as capacidades do Estado são dois lados do mesmo problema. Resolvê-lo exigirá um esforço coordenado, envolvendo ajustes tecnocráticos e liderança política ousada.

Contudo, numa atmosfera de polarização e impasse político, a engenharia de reformas profundas e duradouras é uma batalha árdua. Resultados econômicos e distributivos medíocres continuarão a envenenar o poço da confiança mútua, levando a uma maior fragmentação e polarização política e a uma capacidade reduzida de fazer escolhas difíceis.

Mas nem tudo é motivo para chorar. As recentes tendências populistas e autocráticas do governo mexicano foram efetivamente contidas pelo sistema judicial, e os eleitores de outros lugares começaram a responder de forma positiva aos pedidos de reforma. Ainda é possível imaginar barganhas políticas em larga escala nas quais um fortalecimento da rede de assistência social da região e uma melhoria na qualidade dos serviços públicos são combinados a reformas para aumentar a atratividade do investimento produtivo. Aumentar a produtividade e reduzir a desigualdade são objetivos políticos óbvios, mas precisam ser respaldados pela reforma do setor público.

Para muitos países latino americanos, o crescimento mais rápido e justo, além de uma economia mais diversificada e resiliente, continuam ao alcance. A região está bem posicionada para produzir energia limpa abundante e é fartamente dotada dos minerais necessários para a transição para uma economia de baixo carbono. Novas tecnologias, como o hidrogênio verde, que pode ser uma fonte de ganhos consideráveis em moeda forte, podem ajudar a reacender o crescimento.

A América Latina não está condenada a cair na estagnação e na deterioração política. A queda pode ser impedida antes que se torne irreversível. Mas, embora seja fácil imaginar melhores resultados, eles exigirão bons políticos, boas políticas econômicas e boa sorte. Se houver uma mudança em toda a região, ela tem de acontecer agora. 

(Tradução por Fabrício Calado Moreira)

Arminio Fraga é ex-presidente do Banco Central do Brasil, fundador da Gávea Investments e presidente adjunto do Grupo de Trabalho do G30 para a América Latina.

Guillermo Ortiz, copresidente do Grupo de Trabalho do G30 sobre a América Latina, é ex-presidente do Banco do México.

Andrés Velasco, ex-ministro da Fazenda do Chile, é diretor de projetos do Grupo de Trabalho do G30 para a América Latina e reitor da Escola de Políticas Públicas da London School of Economics and Political Science. Project Syndicate, 2023.