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Essa expressão tem uma longa história, e tem muito a ver com o modo generoso pelo qual os americanos concebem o seu lugar no planeta.
É razoável imaginar que todas as nações cultivem ideias indulgentes sobre si mesmas, seus heróis e “mitos fundadores”. Mas o nacionalismo, quando muito exacerbado, como se sabe, está sempre a um passo da canalhice, pois a exaltação excessiva facilmente leva à arrogância.
A ideia do excepcionalismo americano ressurge com o debate sobre o programa econômico do presidente Joe Biden, frequentemente festejado como um “novo paradigma”. Será mesmo? Será que os americanos podem fazer coisas que os outros países não podem? Ou será que apenas tomaram a iniciativa de adotar uma receita que está ao alcance da mão de qualquer outro país?
Bem, sabemos que o nosso Brasil também é excepcional, mas do seu jeito, e que, todavia, tem em comum com os EUA o gosto por remédios mágicos e gratuidades, bem como promoções e parcelamentos (sem juros).
Entre eles mesmos, inclusive entre os economistas do Partido Democrata, há certa controvérsia sobre se o tamanho do programa não foi excessivo, um debate que ocorre em muitos outros países, cada qual em seu idioma, mas a respeito de uma mesma dúvida: o chamado “espaço fiscal”.
Explique-se.
Qual o espaço da política fiscal (ou para o aumento do gasto e do endividamento do governo) para mitigar os efeitos econômicos da pandemia, sem desarrumar ainda mais a economia? Será verdade que todas as limitações ficaram removidas diante da urgência sanitária? Ou será que não há princípios e prioridades, como a proteção do meio ambiente, a democracia e mesmo a responsabilidade fiscal e a defesa da moeda, que não se deve abandonar mesmo nas crises?
Há pelo menos duas singularidades americanas que é preciso considerar antes de pensar em transplantar o bidenomics para o Brasil: (1) eles são um país rico; e (2) eles emitem a moeda internacional de reserva.
Eis aí, em duas estrofes, o excepcionalismo americano.
Como é isso, na prática?
A riqueza dos cidadãos é absolutamente chave para determinar o espaço de endividamento público: quem “empresta” recursos para o governo é o setor privado, que só é capaz de emprestar o que tem.
A riqueza privada nos EUA é da ordem de cinco vezes o PIB, e no Brasil é próximo de um PIB, conforme estimativas. Portanto, se os dois países precisam se endividar num valor na faixa de, digamos, meio PIB, vai ser bem mais fácil no país onde esse programa representa 10% da riqueza, do que naquele onde essa proporção é 50%.
A outra metade do excepcionalismo americano já foi chamada no passado de “privilégio exorbitante”, também uma expressão consagrada, esta de origem francesa.
A consequência prática de o país fabricar a moeda internacional de reserva é que os outros países guardam suas reservas internacionais em títulos da dívida desse país “central”. No Brasil, como na China, as reservas estão investidas em títulos do Tesouro americano, na sua maior parte* e, assim, quando as reservas aumentam, esses países compram mais títulos americanos.
Entre 2007 e 2011, as reservas internacionais chinesas subiram de US$ 1,5 trilhão para US$ 2,85 trilhões. Nesse intervalo, os chineses compraram mais de US$ 1 trilhão de títulos americanos, o que certamente ajudou no financiamento do programa de 2008, processo que deve se repetir em alguma medida nos próximos anos, ainda que, provavelmente, com maiores tensões. Os chineses de agora estão como os franceses dos anos 1950, meio contrariados com o privilégio exorbitante desfrutado pelo dólar.
Quanto a nós, vale a reflexão: imagine se o Brasil pudesse fazer um programa de R$ 1 trilhão com recursos emprestados pelos chineses, em reais, a juros camaradas?
Infelizmente, nós não temos o tal “privilégio exorbitante”.
(* 86% em dólares, 88% dessa parcela em títulos do governo americano, segundo o relatório de gestão das reservas internacionais, edição de março de 2021)
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS
Av. Padre Leonel Franca, 135, Gávea
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
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