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Não deve ter sido por acaso que, na mesma semana, fui convidado para dois seminários sobre o mesmo tema, o futuro da universidade. A primeira coisa que digo sobre isto é que “a universidade” não existe, o que existe são milhares de instituições diferentes, desde grandes universidades com pesquisa, cursos de pós-graduação e milhares de estudantes, geralmente públicas, até gigantescas empresas com centenas de milhares de estudantes em cursos à distância, passando por um sem-número de pequenas faculdades isoladas com cursos noturnos em educação, administração ou saúde. Existem as públicas, gratuitas e financiadas pelo governo federal e alguns estados, e as privadas, algumas religiosas ou de orientação comunitária, e a grande maioria com fins de lucro. Estamos falando de que?
Mas existe também, na cabeça das pessoas, uma ideia difusa de “universidade” como um lugar para onde os jovens vão no início da vida adulta, aprofundam seus conhecimentos, vivem a cultura da juventude, criam redes de relacionamento que vão levar para toda a vida, e adquirem uma profissão que vai lhes dar um lugar seguro e muito mais rentável do que o de seus pais, se de famílias mais pobres, ou semelhante aos deles, se de famílias mais ricas e educadas. Quando milhões de jovens, todo ano, se inscrevem no ENEM, é esta ideia que estão perseguindo, embora saibam que poucos conseguirão a nota necessária para entrar em uma carreira de prestígio em uma boa universidade. Quando, depois, muitos dos que sobraram se inscrevem em cursos baratos à distância, onde é mais fácil conseguir um diploma, é ainda a ilusão das carreiras universitárias que perseguem, embora a maioria acabe abandonando os cursos ou só consiga um trabalho precário e mal pago.
A incerteza sobre o futuro da universidade é a incerteza crescente sobre esta ideia difusa, que reflete a incerteza sobre o futuro do país. Apesar das imensas desigualdades, predominava no Brasil até recentemente a sensação de que as coisas iam melhorar para todos, que amanhã seria melhor do que hoje, que a vida de nossos filhos seria melhor do que a nossa. Esta sensação vinha da grande mobilidade econômica que social durou, com altos e baixos, até dez anos atrás, e que se interrompeu com a crise econômica e a desilusão com governos, partidos políticos e instituições. Investir a longo prazo em uma carreira, esquentar a cadeira aprofundando conhecimentos, construir uma reputação profissional pelo trabalho sério e responsável, tudo isto perde sentido quando comparado com a fascinação do estrelismo prometido pelos meios de comunicação, o enriquecimento pela tacada de um grande negócio ou os números corretos na Mega Sena, e as certezas simples de entender disseminadas pelos influenciadores da Internet.
O que mais se ouve, conversando com professores universitários, é como os estudantes de hoje são apáticos, mal cumprem as obrigações escolares, e são muito mais ligados a suas redes de Internet do que ao que dizem seus professores. Pesquisas mostram que um terço dos jovens, no Brasil, gostariam de mudar para outro país. Existem hoje mais de 4 milhões de brasileiros no exterior, comparado com 3 milhões dez anos atrás e menos de um milhão no ano 2000.
A incerteza, no entanto, vai além da estagnação do país e da apatia da juventude. A ideia de que as universidades, primeiro as públicas, depois as privadas, se aproximariam ao modelo tradicional, e que seriam acessíveis a todos, está cada vez mais distante, com 80% das matrículas em instituições privadas e mais da metade em cursos à distância. Instituições públicas mal conseguem recursos para pagar salários a seus professores e manter os prédios que ocupam. Poucas conseguem manter pesquisa e programas de pós-graduação de qualidade, e a distância entre a pesquisa brasileira e a dos países de ponta só aumenta. No setor privado, o espaço das instituições comunitárias e religiosas, criadas com a intenção de influenciar a sociedade com seus valores, vem diminuindo, na concorrência com os grandes conglomerados de ensino que dificilmente vão além de cursos empacotados nas profissões sociais mais simples e baratas de ministrar. E, com os novíssimos recursos da inteligência artificial, ninguém sabe mais o que, como e para quê ensinar.
As instituições de ensino superior, em suas diversas formas e com todas as suas dificuldades, não vão desaparecer, porque o mundo depende cada vez mais de conhecimentos e competências, e a capacitação intelectual e profissional continuará sendo a grande porta de entrada para a vida dos países, instituições e pessoas. Elas precisam, no entanto, se reinventar. Esta reinvenção passa por novos tipos e cursos e carreiras, novas formas de ensinar, novas maneiras de buscar recursos, e novos e mais relevantes temas para pesquisar. Para isto, elas contam com um recurso precioso, que é o capital intelectual de seus professores e a tradição de autonomia e audácia intelectual que muitas vezes acabaram perdendo, pelo peso da rotina, da burocracia ou dos resultados de curto prazo. É por aí que passa o futuro, se ele não trouxer mais desilusões.
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