O isolacionismo brasileiro


O grau de abertura da economia brasileira, medido pela soma de exportações e

importações (a chamada corrente de comércio) como proporção do PIB, era 18,0% em

  1. Era cerca de metade disso na Coreia e na China, respectivamente 9,5% e 8,7%, e

para o mundo o número era parecido com o nosso, 17,5%.

Nos vinte anos que se seguiram a Coreia fez uma incrível transição: seu grau de

abertura cresceu para 31,3% em 1970 e para 61,2% em 1980. O vento ajudou: a média

mundial chegou em 34,9% nesses anos. No Brasil, em contraste, não avançamos

praticamente nada, alcançando apenas 19,2% em 1980.

A Coreia chegou a 82,5% em 2010, quando o grau de abertura no planeta Terra

seguiu crescendo até 47,7%. Já no planeta Brasil, nesses anos, registrou-se um ligeiro

recuo no grau de abertura, que passa a 17,8%.

Em 2017, nosso grau de abertura foi 18,3%, praticamente o mesmo de 1960,

enquanto a média mundial para atingiu 51,9%.

Depois de 57 anos vibrantes de globalização, quando o mundo foi sacudido por

investimentos internacionais de muitas variedades, multinacionais, cadeias globais de

valor e todo o tipo de modelo de negócio tornando a indústria um fenômeno

essencialmente internacional, o Brasil continuou estacionado exatamente no mesmo

lugar.

A Coreia tinha uma renda per capita 30% menor que a do Brasil em 1960, mas em

1980 já tinha empatado conosco, num nível perto de 20% da renda per capita dos

Estados Unidos. Em 2017, a Coreia chegou a 65% da renda per capita americana

enquanto o Brasil chegou a 26%.

A Coreia nos deixou para trás de forma acachapante. Todas as restrições que

foram feitas a seu modelo globalizante de promoção de exportações ficaram

prejudicadas, bem como as nossas esfarrapadas justificativas para a substituição de

importações e para o ideal de autosuficiência.

Essa opção pela abertura, segundo se dizia, não estava disponível para os países

grandes. Esqueceram de avisar os chineses. Em 1960, eles se pareciam com a Coreia em

abertura e em 1970 se aproximaram da autarquia ao chegar a 4,95% de abertura. Mas o

tal “socialismo de mercado” inventado por Deng Xiaoping (famoso, entre tantas

realizações, pelo aforismo “não importa a cor do gato desde que cace ratos”), na

verdade, um hiper-capitalismo, levou a China para um grau de abertura de 19,9% já em

1980 e daí, na mesma toada, até 48,75% em 2010.

Enquanto isso, o Brasil permanece no mesmo lugar e ergue em torno de si um

formidável acervo de impedimentos ao comércio exterior, compreendendo tributos,

obstáculos administrativos e regulatórios, requisitos de conteúdo nacional e padrões

exóticos, como a indefectível tomada de três pinos. E quando tudo parece falhar,

sobrevém o apelo utilitário, trazido pelos diplomatas: é preciso reciprocidade, dizem,

não vamos entregar nada de mão beijada. Como se não fosse em nosso benefício.

A nossa diplomacia é um exemplo internacional de profissionalismo e

competência, inclusive para defender o indefensável. Sem falsa modéstia, o mesmo vale

para os economistas. Tive experiências desse tipo, especialmente quando já estava no

serviço público, e precisava dizer a investidores estrangeiros que a economia brasileira

estava em perfeita saúde mesmo tendo taxas de inflação de 30% ao mês. Em

retrospecto, eu confesso, era ridículo. Dizia que a indexação era generalizada, que a

inflação tinha pouco efeito nos preços relativos e variáveis reais, e outras tantas coisas

que me envergonho de repetir.

Parece-me que algo muito semelhante se passa com os responsáveis pelas nossas

relações internacionais: nosso grau de abertura é nada menos que indesculpável e

defende-lo nos coloca firmemente no terreno do grotesco. Nosso isolacionismo é não

apenas vergonhoso, como reduz as nossas possibilidades de progresso. Exatamente

como foi, outrora, o nosso gosto pelo inflacionismo, um vício que conseguimos largar.

A liderança chinesa teve imensa coragem e lucidez ao optar pela abertura, uma

estratégia que lhes conduziu à condição de potência econômica global. Nos últimos 57

anos, todavia, nos faltou a liderança, ou a convicção, ou ambas.

Quem sabe em 2019 …