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O engarrafamento monstro em São Conrado se formou rápido e inesperado. Preciso cruzar o túnel para chegar à universidade, mas está tudo parado. À minha volta há utilitários com turistas vestidos como se estivessem num safari (é o “tour” das comunidades), ônibus de vários tamanhos fretados em funções relacionadas ao Rock in Rio, moradores contrariados de todos os tipos, e ambulantes em número crescente, indicando que nada vai andar.
É muito movimento para uma manhã de sexta-feira, deve haver algum incidente, e logo percebo uma vasta quantidade de carros de polícia, esbaforidos na contramão, com sirenes no máximo e armamento pesado vazando pelas janelas.
A Rocinha está em guerra, pode-se ouvir os tiros, ou não, qualquer barulho parece assustador, a tensão é gigantesca.
Assim começa o primeiro dia da primavera de 2017 na Cidade Maravilhosa.
Dia bonito, vinte e oito graus de temperatura, praias com bom comparecimento, mas eu lembro dos versos de Fernanda Abreu: “Rio quarenta graus, cidade maravilha da beleza e do caos”. Lembro também de uma fala ferina e precisa de Elizabeth Bishop, que sempre ocorre aos cariocas de mau humor: “o Rio não é uma cidade maravilhosa. É apenas um cenário maravilhoso para uma cidade”.
Na verdade, é o caso de ir além: essa mania carioca de exaltar as belezas do Rio acabou se tornando um álibi, um mecanismo psíquico que produz complacência e displicência no trato da cidade tal como feita pelos homens.
A cidade tem que ser maravilhosa em razão do que fizermos com ela e não apenas pelas dádivas da Natureza que, sobretudo por omissão, temos nos empenhado em destruir. O que diria Ms. Bishop, que viveu na cidade nos anos 1950, se visse a Baia de Guanabara em 2017?
No estado atual das coisas, não há meias palavras, o Rio é um desastre auto infligido.
Ouvi de uma autoridade a expressão “falência múltipla” e mesmo “metástase” para descrever onde estamos. Como ocorre com os desastres aéreos, o do Rio resulta de muitos erros e azares acumulados, além de uma soma improvável de irresponsabilidades praticadas por governantes desonestos.
É claro que a recessão nacional e o preço do petróleo explicam um pedaço do problema, mas a pior parte foi as autoridades locais calibrarem despesas pensando que o petróleo fosse ficar em US$ 100 para sempre, que a produção e os royalties iam se multiplicar pela eternidade e que a Petrobrás ia continuar investindo US$ 40 bilhões todo ano. Os erros foram em cadeia, e nesse assunto vislumbro muitos sentidos na expressão “cadeia produtiva”, unindo a Petrobrás, seus fornecedores e respectivos prestadores de serviços.
As ilusões provocadas pelo pré-sal assomaram o governo federal, mas o Rio de Janeiro viveu esse delírio do lulopetismo como nenhuma outra região do país, e no que tinha de pior. Nesta semana que passou o ex-governador do estado foi condenado a 45 anos de prisão. Não é extraordinário o poder do exemplo? Não estariam as autoridades locais apenas reproduzindo em escala menor o modus operandi dos esquemas comandados por Brasília?
Se o poder do exemplo é assim tão grande, a boa notícia é que o problema do Rio é mais geral. Mas, pensando bem, não sei se é uma boa notícia.
Na verdade, considerando números do Tesouro Nacional para 2016, existem apenas 3 estados da federação com dívidas maiores que 200% da sua receita, Rio, Minas e Rio Grande do Sul, a média nacional é pouco abaixo de 70%. Esses três estados são os únicos com despesas de pessoal consumindo mais de 70% das receitas e com caixa negativo, ou seja, pagamentos atrasados. O RS teria “atrasados” correspondentes a 42% da sua receita e o Rio algo como 24% ao final de 2016.
Deve estar bem pior agora, e, aliás, há muita imprecisão nesses números, como reconhece a própria STN.
O fato é que parece existir um efeito borboleta nas bobagens praticadas a nível federal, sempre imitadas de forma mais grotesca na esfera subnacional. Pedaladas fiscais, propinas em contratos com a Petrobrás e quadrilhas de políticos não deveriam gerar brigas de bandidos nas comunidades cariocas, ou será que geram?
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