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O Orçamento é o coração da democracia.
Na verdade, pensando bem, acho que é o estômago, ou o fígado.
É onde desejos e possibilidades se encontram, e onde se decide a diferença entre eles, que passa a se chamar “dívida pública”, a fórmula universal de tributação dos ausentes, nossos filhos e netos.
O Orçamento é onde se fabricam as linguiças, de que falava o chanceler Otto Bismark a propósito do Legislativo¹.
Democracias adultas possuem processos orçamentários maduros, nos quais os senhores parlamentares, e seus respectivos partidos, discutem prioridades nacionais e competem por recursos escassos de forma transparente.
Nas democracias adolescentes os políticos não competem por recursos escassos, pois preferem colaborar para negar a existência de escassez de recursos fiscais e, de preferência, no escurinho. É o nosso negacionismo fiscal, doença tropical em crônica mutação, driblando vários tipos de tratamento.
O orçamento deveria ser o locus do combate ao negacionismo e do debate sobre “de-onde-vem” e “para-onde-vai” o dinheiro público.
É razoável que os senhores parlamentares, e os partidos, queiram elevar sua influência sobre o Orçamento, que costumava vir pronto do Executivo, e é compreensível que o façam de um jeito meio paroquial. É assim em qualquer parlamento do mundo, todos os eleitos sempre prometem trazer dinheiro para suas comunidades.
Há muitos vícios no nosso processo orçamentário, mas temos preferido deixar o assunto de lado para concentrar energias em outros grandes subtemas da política fiscal: as reformas previdenciária, administrativa e tributária e, mais recentemente, o teto de gastos.
Em retrospecto, talvez tenha sido um grande erro assumir que o orçamento era apenas um rito, uma espécie de plano de contas que não tinha importância maior, em si.
O orçamento público é o ponto de contato entre a cidadania e os Poderes que mandam no dinheiro público. É como se fosse um farol iluminando a intervenção do Estado no domínio econômico, ou o funcionamento da fábrica de linguiças.
Havendo clareza sobre “de-onde-vem” e “para-onde-vai” o dinheiro público, o debate sobre as reformas de teor fiscal teria ficado, talvez, muito mais fácil e transparente. A conversa sobre a economia teria ficado mais adulta.
1 – Há muitas versões, uma delas é dorme-se melhor quando não se sabe como se fazem linguiças e política (Franco & Giambiagi, Antologia da Maldade (Rio, Editora Zahar, 2015, p.43)
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS
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