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O presidente Bolsonaro anunciou esta semana, com três meses de antecedência, a preparação de manifestações que ocorrerão no dia 7 de setembro próximo – menos de um mês antes do primeiro turno das eleições. Quem se lembra das manifestações de 7 de setembro de 2021 e, principalmente, da postura do presidente naquela data tem razão para preocupações neste início do quarto inverno do governo Bolsonaro. Sobretudo caso venha acompanhando com atenção os eventos desde a divulgação do vídeo da famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020.
São eventos que realçam a relevância do artigo do historiador mexicano Enrique Krauze, Os dez mandamentos do populismo (Estado, 15/4/2006, A17), que assim se inicia: “O populismo na América Latina adotou um amálgama desconcertante de posições ideológicas. Esquerdas e direitas poderiam reivindicar a paternidade do populismo, todas ao conjuro da palavra mágica ‘povo’”.
Krauze aponta dez traços característicos do funcionamento do populismo, que me permito sintetizar aqui. O primeiro: “Não há populismo sem a figura do homem providencial que resolverá os problemas do povo”. O segundo traço: “O populista se sente o intérprete supremo da verdade geral e também a agência de notícias do povo”. O terceiro: “O populismo fabrica a verdade. Os populistas levam às últimas consequências o provérbio latino: ‘Vox populi, vox Dei’. Mas como Deus não se manifesta todos os dias e o povo não tem uma única voz, o governo ‘popular’ interpreta a voz do povo, eleva essa versão à condição de verdade oficial. Confundem a crítica com inimizade militante, por isso buscam desprestigiá-la, controlá-la, silenciá-la”. O quarto: “O populista (…) não tem paciência com as sutilezas da economia e das finanças (…) pode embarcar em projetos que considere importantes ou gloriosos sem levar em conta os custos”. O quinto: “O populista divide diretamente a riqueza. (…) Mas o populista não divide de graça: focaliza sua ajuda e a cobra em obediência”. O sexto: “O populista alimenta o ódio de classes (…) fustiga ‘os ricos’, mas atrai os ‘empresários patrióticos’ que apoiam o seu regime”. O sétimo: “O populista mobiliza permanentemente os grupos sociais. O populismo apela, organiza, inflama as massas. (…) O povo não é a soma de vontades individuais expressas em um voto e representadas por um Parlamento (…) mas uma massa seletiva e vociferante”. O oitavo: “O populismo fustiga sistematicamente o ‘inimigo externo’. Imune à crítica e alérgico à autocrítica, precisando apontar bodes expiatórios para os fracassos, o regime populista (…) precisa desviar a atenção interna para o adversário de fora”. O nono: “O populismo despreza a ordem legal”. O décimo: “O populismo mina, domina e, em último recurso, domestica ou cancela as instituições da democracia liberal. Ele abomina os limites a seu poder, considera-os aristocráticos, oligárquicos, contrários à ‘vontade popular’”.
Krauze conclui seu artigo com importante reflexão: “O populismo (…) alimenta sem cessar a enganosa ilusão de um futuro melhor, mascara os desastres que provoca, posterga o exame objetivo de seus atos, amansa a crítica, adultera a verdade, adormece, corrompe e degrada o espírito público. Desde os gregos até o século 21, passando pelo aterrador século 20, a lição é clara: o efeito inevitável da demagogia é subverter a democracia”.
No – indissociável – mundo da economia, não faltam experimentos populistas fracassados de “esquerda” e de “direita” na América Latina. E, quando sobrevém o fracasso, os mais prejudicados são exatamente aqueles que pretendiam favorecer. Em meu texto Limites do autoengano? (Estado, 13/8/2017, A2), escrevi: “A questão central é se políticas de aceleração do crescimento e de geração de emprego com inclusão social e redistribuição de renda estão sempre destinadas a fracassos. A resposta é, claramente, não. Mas isto exigiria uma atenção muito, mas muito maior para certos riscos, que os populistas aparentemente não estão muito dispostos ou preparados para aceitar – especialmente na área fiscal (nível, composição e eficiência, tanto dos gastos públicos quanto da tributação), dívida pública e quanto à absolutamente necessária elevação da produtividade em seus respectivos países”.
A discussão acima é, a um só tempo, econômica e política. Voltando a esta última, em meu texto Quadriênios: Trump e Bolsonaro (Estado, 13/12/2020, A2), notei o paradoxo enunciado por Marcus A. Mello (FSP, 7/12): “Um chefe do Estado populista irá se deparar com um sistema institucional que imporá limites à sua discricionariedade. E o apoio do bloco só existirá se Bolsonaro for popular”. E acrescentei: política, afinal, é expectativa de poder, de preservação de espaços ocupados e de expectativas de espaços por ocupar. Este é o quarto de três artigos já publicados sobre os inícios de inverno deste governo. Os eleitores concederão a Bolsonaro um quinto inverno? Como diz Marcus A. Mello, ao que parece, as próximas eleições serão decididas pelo eleitor que “votará em quem não aprova para evitar quem rejeita mais”.
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