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Vai longe o tempo em que nos era dado acreditar na linearidade da História. A caminhada humana, à mercê das variabilidades, é pródiga em avanços e retrocessos. Nesse vaivém histórico, em que nada brota por geração espontânea, o maior desafio é compreender o que o presente significa no panorama mais largo, situá-lo à luz do que veio antes, do que seja meramente transitório e do que terá força para durar.
Fora da filosofia e da literatura, das ciências e das artes, terrenos férteis para tão necessárias reflexões, nos cabe entender que utopias e distopias se dissolvem no imperativo da realidade. É nela que nos encontramos e temos chance de influir, moldando um mundo que seja melhor.
Qualquer futuro historiador verá no retorno de Donald Trump à Casa Branca um marco que merece atenção. Trata-se de evento com impacto global inegável. Também pudera: as heterodoxas características de seu primeiro mandato, seguidas de quadriênio de ostracismo atípico, asseguraram sua volta. Trajetória digna da clássica indagação: “A vida imita a arte ou é o inverso que se dá?”.
A posse, em 20 de janeiro, prenunciou o intenso ritmo da ação governamental, seja pelos perfis de alguns dos principais auxiliares presidenciais, seja pelo escopo e potencial repercussão da maioria dos decretos assinados para inaugurar o governo. Chama atenção a presença maciça dos titãs das big techs, outrora mais ligados a democratas como Bill Clinton, Barack Obama e Al Gore, mas hoje reposicionados, momentaneamente, como protagonistas militantes da nova corte em Washington.
A vitória de Trump – no voto popular, no Colégio Eleitoral, na Câmara e no Senado – lhe possibilita interpretar que está autorizado a implementar a agenda que apregoou incisiva e transparentemente na campanha. O voto, em sua maioria, estava informado do que aquela escolha representava.
A questão ganha complexidade quando se considera o peso internacional dos EUA. Por se tratar da maior economia e da principal superpotência militar, tudo que faça, qualquer inflexão que promova, reverbera mundo afora. Para complicar ainda mais, em tempos de inteligência artificial (IA), a concentração das maiores empresas em solo americano, em estreito alinhamento com o poder político, ainda que por ora, amplifica sua capacidade de influência. Aliás, nesse terreno, verdadeiras placas tectônicas se moveram com a chegada da DeepSeek, debutante chinesa em IA.
Nas relações internacionais, assim como na economia, previsibilidade é pilar essencial. O voluntarismo do presidente simplesmente detona tal sustentáculo. Até o papel dos EUA como país líder da ordem internacional e das instituições erguidas pós-Segunda Guerra vê-se, de repente, em xeque. Na visão MAGA (Make America Great Again) e do America First, a prevalência de um poder cru e autárquico repagina velhos nacionalismos, baseados no protecionismo.
Vale analisar algumas medidas inaugurais com potencial de implicações imediatas para o Brasil. Na área do comércio internacional, por exemplo, a já iniciada guerra tarifária tende a nos ser muito prejudicial. Embora a China seja nosso principal parceiro comercial, os EUA constituem importante destino de exportações nacionais, num mix que inclui produtos industriais e de maior valor agregado. Soma-se a isso a volatilidade do dólar e a alta das taxas do juro americano.
Em termos humanitários, as deportações em massa sob a narrativa alarmista da violência podem afetar milhares de famílias brasileiras. Na agenda climática e da sustentabilidade, de igual modo, o novo governo demonstra a que veio: retirou-se pela segunda vez do Acordo de Paris, anunciou a suspensão de fundos do IRA, dirigidos a projetos de infraestrutura verde e transição energética, pisou no acelerador para promover a produção de petróleo e gás, entre outras iniciativas que vão na direção oposta da imprescindível descarbonização.
Mesmo diante de tais circunstâncias em nível global, é imperativo que o Brasil saiba fazer valer sua marca de potência agroambiental, sem desperdiçar oportunidades. Diante da COP-30, a realizar-se em Belém no final deste ano, urge que tenhamos uma estratégia apta a se contrapor ao risco, agora efetivo, de preocupante esvaziamento dessa fundamental reunião. Embora com atraso, a designação do embaixador André Corrêa do Lago e de Ana Toni como presidente e diretoraexecutiva da COP-30, respectivamente, foi decisão que abre possibilidade de finalmente organizar nosso país para tal desafio.
Fato é que o Brasil não se preparou da maneira mais adequada para a presente conjuntura, seja no campo diplomático, seja na área econômica, em que nos encontramos muito fragilizados. Isso chama a atenção, pois não é surpresa o cenário provocado pela eleição norte-americana. Trata-se de hipótese dada há mais de dois anos.
Como evidencia o momento atual, é sempre preciso estar preparado para navegar nas idas e vindas da trajetória humana, ainda mais frenéticas nesta “modernidade líquida”, como bem caracterizou Zygmunt Bauman. O preço a ser pago pela desconexão com a realidade é o País ser atropelado pela História.
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