Oportunidades para o novo governo


Hoje vou me desviar de uma rotina de explorar um tema por artigo para listar a título de exemplo cinco oportunidades que vão além das essenciais reformas tributária e do Estado. Se bem aproveitadas, podem ter enorme impacto. Algumas me parecem factíveis sem grandes alocações orçamentárias. Nada mal porque, como tenho repetido aqui ad nauseam, dinheiro não haverá enquanto algumas questões complicadas não forem encaradas.

A primeira oportunidade é aproveitar a vocação do Brasil para ser uma potência verde. Já escrevi sobre o tema no início de minhas visitas mensais a este espaço. A ideia aqui é ir muito além de uma (enorme) contribuição a dois imperativos existenciais de nossos tempos: a mudança climática e a biodiversidade.

Se não estava claro antes de apoteótica participação do presidente Lula na COP27, agora não resta dúvida: se seguirmos um caminho bem conhecido de combate ao desmatamento ilegal, teremos apoio de boa parte do resto do planeta. Melhor ainda se, por prudência, tivermos como meta reflorestar (alerta: sou sócio da re.green, uma empresa dedicada ao reflorestamento ecológico, ou seja, feito com ênfase em biodiversidade).

Não seria pouco, mas podemos ir além, incorporando à agenda itens de maior impacto no dia a dia da população.

Do que se trata? De o governo federal coordenar com estados e municípios um grande projeto voltado para a despoluição das águas, terras e ar da nação. Imaginem só praias, lagoas, rios e ar limpos? Lazer e saúde para todos! Orgulho nacional e autoestima.

Acompanhado de investimentos em segurança e infraestrutura, promoveria um boom na área do turismo, tanto interno quanto externo, tanto popular quanto de luxo. Geraria mais e melhores oportunidades de emprego. Faria todo sentido o governo federal investir em uma marca (Brasil Verde soa bem) e em divulgação. O ganho em renda e qualidade de vida seria simplesmente astronômico!

A segunda diz respeito ao setor terciário, que engloba serviços e comércio. Cabe chamar a atenção a alguns pontos básicos. Muita gente não se dá conta de que o setor é responsável por 70% do PIB e 75% dos empregos no Brasil. Nada contra estratégias de desenvolvimento (modernas) voltadas para o setor industrial, mas não custa lembrar que nesse setor o potencial de geração de empregos é limitado pela crescente automação que se vê mundo afora.

Tal entendimento deveria orientar as políticas de educação e treinamento na direção do terceiro setor. Um bom exemplo são as oportunidades de exportação de serviços, que dependem de um razoável domínio do idioma inglês. Esta deveria sem dúvida ser uma prioridade para o ensino público.

Por fim, não é razoável que o enorme setor de serviços seja bem menos tributado que os demais. A resposta passa por uma revisão dos regimes especiais de tributação, como o Simples e o Presumido, que representam um gritante desaforo a qualquer noção de desigualdade horizontal na tributação (ou seja, que rendas iguais sejam tributadas da mesma forma, independentemente do grupo ou setor que se tributa).

A terceira oportunidade não pede muitas linhas de texto. Alguém alto no governo, quem sabe até o presidente, deveria deixar claro que invasões de propriedade privada não serão toleradas. Economia alguma se desenvolve sem um sistema de propriedade garantido pelo Estado.

Esse tema é particularmente caro a proprietários rurais. O Estado pode e deve seguir se preocupando com toda a população do país, inclusive no campo. Para tal, conta com inúmeras ferramentas, como um programa de reforma agrária. Imaginem se em algum momento supermercados e farmácias forem rotineiramente invadidos?

Quarta, uma antiga ideia que deve ser revisitada, e creio que será numa administração liderada pelo PT, consiste em uma maior integração entre os sistemas únicos de saúde (SUS) e de assistência social (Suas). A lógica é simples: ambos têm equipes que visitam periodicamente a maioria dos domicílios do país. Parece razoável que, com algum treinamento, essas tarefas possam ser consolidadas e coordenadas, ficando os casos mais complexos a cargo de equipes especializadas.

Quinta: um esforço de pacificação entre os três Poderes. O sistema de pesos e contrapesos trabalha bem com um nível saudável de tensão, mas não em estado permanente de guerra.

Estou terminando este artigo em Oxford, onde participo de um seminário sobre o Brasil. Num dia chuvoso, aproveitei uma horinha livre para visitar a Blackwell’s, uma das melhores livrarias do mundo. No enorme salão principal, me chamou a atenção o fato de os livros de economia e de política estarem em pontas opostas, bem longe uns dos outros. Não funciona assim.