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Será preciso conter os privilégios que levam a um crescimento insustentável dos gastos públicos sem benefício para a grande maioria da população
O governo de Michel Temer obteve do Congresso aprovação para um déficit de R$ 170 bilhões no Orçamento para 2016. Trata-se da diferença entre o que o governo gasta e o que ele arrecada de impostos. A conta não inclui os juros da dívida, os quais devem adicionar mais R$ 400 bilhões ao déficit. Ou seja, o governo federal está prevendo gastar R$ 570 bilhões a mais do que arrecada em impostos em 2016.
Para cobrir esse buraco, tem que colocar dívida no mercado, a qual já anda pela casa dos R$ 3 trilhões. Isso implica que a conta de juros continuará salgada, aumentando ainda mais a dívida. Essa história não pode terminar bem: ou dá numa superinflação, como na década de 1980, ou num calote, como no Plano Collor, em 1990.
É duro aceitar que o povo brasileiro tenha novamente que passar por agruras desse tipo. No passado, houve maneiras menos drásticas de resolver o desequilíbrio entre o que o governo gasta e o que ele arrecada.
Na ditadura militar, a fórmula consistiu em aumentar a arrecadação dos impostos através do crescimento acelerado da economia, e reprimir o aumento dos salários e aposentadorias através do arrocho salarial. Essas alternativas não mais existem. Longe vão os dias em que o PIB do país crescia 7,5% ao ano; hoje em dia, se chegar a 2,5% está de bom tamanho. Quanto à dificuldade de conter a remuneração do funcionalismo, basta ver o generoso aumento salarial recentemente aprovado para algumas categorias e que ameaça se alastrar para as demais.
Com a redemocratização em 1985, o jeito adotado para equilibrar o Orçamento foi deixar a inflação comer o valor dos gastos orçados enquanto a receita dos impostos era protegida pela Ufir. Mas essa mágica só funcionava com a inflação cada vez mais alta, o que resultou na superinflação, que nenhum brasileiro quer voltar a experimentar.
Veio então o Plano Real, que se sustentou, em parte, na desvinculação dos gastos obrigatórios, cuja extensão até 2023 o Congresso está aprovando. Mas a maior parte do ajuste veio das contribuições sociais — impostos com outro nome que elevaram a carga tributária para níveis jamais vistos em países emergentes.
Essa fórmula também não dá para repetir. O país não atura mais impostos. Está aí o sucesso do pato da Fiesp para demonstrar. O fracasso do governo do PT em prorrogar a CPMF mostra a mesma coisa. Como também a dificuldade do governo Temer de até mesmo mencionar a possibilidade de um aumento “temporário” de impostos.
No governo de Lula, quem resolveu a parada foram os superpreços das commodities exportadas pelo país e a entrada maciça de capitais estrangeiros. Entre 2004 e 2011, o Brasil se beneficiou de uma bonança externa como nunca antes em sua história: a China bombando de um lado, os EUA deixando soltos os cassinos financeiros de outro. As receitas do governo cresceram sem parar com o aumento da renda gerada pela bonança externa. Isso permitiu financiar uma orgia de gastos sem ameaçar o crédito externo do país. Pelo contrário, até um atestado de bom pagador — o “grau de investimento” — o país ganhou das agências internacionais de rating.
Essa festa acabou. A China desacelerou, os preços das commodities desabaram. Os cassinos financeiros explodiram com a crise financeira internacional de 2008. O mundo entrou num novo padrão de lento crescimento e aversão ao risco que em nada ajuda o governo brasileiro a pôr suas contas em ordem. O “grau de investimento” foi sem qualquer cerimônia retirado do país pelas agências de rating.
Como desativar a bomba-relógio da dívida pública? Como fazer a dívida parar de crescer, sem aumentar os impostos, sem arrochar os salários, sem acelerar a inflação? Só resta conter os gastos.
Noticiam os jornais que o governo Temer apresentará ao Congresso uma emenda constitucional prevendo o congelamento em termos reais dos gastos do governo.
É uma decisão correta. Mas será preciso deixar claro dois pontos.
O primeiro é que esse congelamento não tem por que prejudicar as transferências de renda e os serviços de saúde, educação e segurança que beneficiam os mais pobres. Isso porque a maior parte do que o governo gasta é consigo mesmo ou em benefício da parcela mais rica da população. São esses os gastos que precisam ser contidos.
O segundo ponto é que a determinação constitucional do congelamento de gastos pode fazer muito barulho mas, no final, virar letra morta, lei que não pegou, coisa pra inglês ver. Para que isso não ocorra, ela tem que se sobrepor a normas igualmente constitucionais que impõem um crescimento contínuo dos gastos do governo. Essas normas se relacionam às vinculações dos impostos, às regras para a aposentadoria, à estabilidade do funcionalismo, à gratuidade do ensino superior e do sistema único da saúde mesmo para quem tem renda e plano de saúde. Essas normas precisam ser revistas para garantir a eficácia do congelamento dos gastos.
São ossos duros de roer. Mesmo porque a eles se adiciona a necessidade de eliminar indexações ao salário-mínimo e reduzir subsídios e renúncias fiscais. Mas, para sair da imensidão dessa crise, será preciso conter os privilégios que levam a um crescimento insustentável dos gastos públicos sem benefício para a grande maioria da população.
Se normas legais com essas características forem aprovadas, cairão os juros e a inflação. Poderá então o país contemplar uma retomada do emprego e da atividade econômica com a dívida pública sob controle.
Edmar Bacha é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças
Av. Padre Leonel Franca, 135, Gávea
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