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“Sem uma agenda adequada de reformas, o Brasil não atingirá o seu potencial”
FLJ – Desde que assumiu, Lula atacou a Eletrobras, quis interferir na Vale, na Petrobras, um filme que já vimos.
Armínio – É por essas e outras que eu acho que as estatais realmente precisam de uma blindagem de governança. Porque, sem essa blindagem, elas fracassam como Estado e como empresa. E hoje o principal inimigo dessa blindagem parece ser o Presidente da República, o que é bem complicado. Bem complicado mesmo. Eu cansei de falar que não venderia a Petrobras para uma empresa chinesa. Eu não faria isso nunca. Mas tem que blindar a governança. Uma pena o que ocorreu com a Lei das Estatais, que tem de voltar. A Petrobrás tem muita competência lá dentro, muita tecnologia, deixe ela trabalhar. Aliás, no caso da Petrobras, como ela é tão grande, tem de ficar de olho no impacto sobre a concorrência no setor, esse tipo de coisa, Agora, isso que a gente está vendo recentemente, para mim é surpreendente, é um exemplo de como a gente não aprende.
FLJ – O ex-presidente Bolsonaro também era criticado pela mesma conduta, no caso da Petrobras
Armínio- É verdade. Esse é um perfil voluntarista, intervencionista e, nesse aspecto, acho que eles tinham alguma coisa em comum. No geral, não, claro. Inclusive votei no Lula no segundo turno e não me arrependo. Mas eu esperava mais dele. Bem mais.
FLJ- Se você fosse ministro da Economia, quais seriam os seus três principais focos de atuação imediatos?
Armínio – Seriam: um bloco voltado para a produtividade; um voltado para a desigualdade, pois eu, como liberal, acredito em igualdade de oportunidades; e um terceiro voltado para o lado fiscal, pois o Brasil precisa ter uma vida macroeconômica mais tranquila, não ter uma crise a cada dez anos, não ter uma taxa de juros astronômica. Porém, sem uma correção de rumo fiscal profunda, isso não também não vai acontecer. Então eu daria atenção a esses três blocos. E o que decorre daí de prático? Reformas como a tributária, que avançou, administrativa, para aumentar a produtividade do Estado, e a Previdência.
FLJ – Da Previdência, outra vez?
Sim. É uma conta muito grande, muito grande. O Brasil está envelhecendo, o buraco só vai aumentar. Bem sei que se trata de uma agenda tremendamente antipática. E não é à toa que ela não acontece. Mas estou seguro de que um governo que se atrevesse a colocar esses temas em discussão pra valer, com propostas concretas, colheria uma resposta impressionante da economia, muito mais cedo do que se imagina. Não tenho muita esperança a curto prazo não. Mas se isso não for feito, o Brasil vai ficar patinando.
FLJ- Como o sr. vê países como os EUA e a China mantendo juros de 3% a 5%, mesmo com crescimento acelerado ou até pleno emprego, enquanto o Brasil mantém uma taxa de 10,75%.
Armínio- A taxa de juros de fato é um problema? Claro que é. A nossa taxa de juros é muito alta. Mas infelizmente não existe uma solução fácil. Essa correção de rumo passa obrigatoriamente por reformas importantes na área fiscal, como acabo de mencionar. Assim, as pessoas têm que entender que, quando o Banco Central precisa colocar os juros nesse nível para segurar a inflação, é porque está precisando de ajuda. E a ajuda necessária é fazer um ajuste no fiscal, tanto quantitativo quanto qualitativo. Não é pedir ao Banco Central para reduzir o juro na marra para melhorar o fiscal porque isso a gente já sabe, vai dar mais inflação. Não se trata de um capricho de banqueiros, mas sim do entendimento de que o Estado, de longe o maior devedor do país, precisa ajustar as suas contas de forma clara, sustentável e crível.
FLJ – Lula foi conservador no fiscal nos seus primeiros mandatos, mas parece ter mudado de opinião sobre o assunto?
Armínio Fraga – pergunta que sempre me vem à cabeça quando eu me vejo tendo esse tipo de conversa, assim, encarando o futuro, é: por que é que o Brasil não aprende? Para mim, é um negócio misterioso. Para outros, talvez não seja. Mas me parece que o Brasil não aprende nem com seus erros nem com os acertos. Isso é o que eu acho mais curioso. Enfim, estamos aqui outra vez vendo que vão fazer estaleiro, vão fazer isso, vamos fazer aquilo. Não dá.
FLJ – O tamanho do Estado poderia ser uma das razões para nossos problemas
Armínio Fraga – Eu não tenho essa obsessão com o tamanho do Estado. É um problema mais de falta de prioridade. O Brasil tem um Estado que é mais ou menos um terço do PIB, em termos de carga tributária. Mas como um país muito desigual e que precisa dar oportunidade às pessoas, depende de capital público, e muito. E eu falo aqui sobre os investimentos que são os mais preciosos: educação, saúde, infraestrutura e segurança. O Brasil gasta muito com previdência e folha de pagamentos. São temas que precisam ser encarados, mas, no momento, parece que estão embargados.
FLJ – E como fica a política nisso tudo? O número de partidos tem caído com a cláusula de barreira…
Armínio- Sim, tem. Mas ainda resta um grau elevado de fragmentação. E tem o segundo ponto, talvez o mais importante. É nisso que eu queria chegar. O Centrão dos governos Fernando Henrique e Lula também existia, mas era muito mais concentrado e estava dentro do poder. Havia consciência de que um fracasso na economia seria um problema para as lideranças políticas. Hoje o Centrão tem poder, mas não tem a responsabilidade com o resultado final, que fica mais nos ombros do governo federal. Não surpreende que as contas não fecham: presidente e Congresso não querem. Além da inconsistência macroeconômica, há uma questão que é de dimensão superior à fiscal: a falta de prioridade no gasto público. E mais – não se vê uma discussão estratégica sobre composição do gasto. As consequências são crescimento baixo e desigualdade alta.
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