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O ano em que se espera um choque liberal começa com uma agenda internacional carregada de tensões desnecessárias, cada uma delas podendo se dissipar, ou não, a depender de personagens e circunstâncias difíceis de controlar. Os acidentes bobos vêm se sucedendo, um sobre o outro, pequenos escândalos mal resolvidos. A tolice sempre começa bem pequena na mente dos poderosos, até o momento em que se perde o controle sobre ela.
Donald Trump, o ícone desse novo momento, inventou uma guerra comercial absolutamente tola, que pode ter consequência gigantescas, e agora está encrencando com o banco central, até então uma conduta reservada a populistas de quinta categoria. Os ingleses meteram-se em um labirinto por conta de um problema que eles mesmos inventaram, o Brexit, e o presidente Macron foi da consagração ao inferno político numa velocidade recorde, ao vestir um imposto sobre os combustíveis com uma túnica ecológica.
Parece acaciano afirmar que um mundo está mais complexo no ano que se inicia. Divertido mesmo é trabalhar com o presságio, e daí retirar para o presidente eleito no Brasil uns conselhos maldosos, tais como: não se meta a ser Trump fora do contexto, nossos temas são outros, esqueça Jerusalém e a China. Não recorra às consultas populares, pois elas podem levar a becos sem saída e sobretudo, acima de qualquer outra consideração, não falhe na economia. Tudo se desculpa de um governo que entrega muito crescimento, menos, no nosso caso em especial, ataques à democracia e roubalheira. No Brasil de 2019 mesmo os pactos fáusticos precisam ter limites.
Dito isso, a grande aventura será na economia. Ponha dinheiro no bolso, foi o célebre conselho do vilão Iago a Rodrigo, quando começaram a conspirar contra Otelo, o mouro de Veneza. Só há um preparativo para uma jornada ao desconhecido: ponha dinheiro no bolso, arrume a economia.
O mercado financeiro, em seu otimismo cada dia menos envergonhado, parece obedecer à seguinte lógica: se há um imperativo óbvio, a liderança política não terá alternativa senão executá-lo. É um raciocínio simplista, bem sabemos que no interior dos palácios há tentações de toda ordem, mas não há dúvida que a temperatura caiu. Não houve a confrontação cultural final que se apregoava, tampouco o apocalipse fascista. É apenas um outro presidente, com esquisitices como todos os outros.
Onde havia a indefectível Maria do Rosário agora pontificará a pastora Damares Alves. Onde mandava Gilberto Kassab agora o manda chuva é um astronauta, onde tivemos admiradores de Paulo Freire agora temos detratores e, por fim, trouxemos um chanceler com ideias polêmicas sobre a ordem global onde tínhamos Samuel Pinheiro Guimarães e Celso Amorim. Que dizer de tudo isso?
Ponha dinheiro no bolso. A economia tem que funcionar, o emprego tem que crescer e as pessoas precisam sentir que existe uma fórmula para a prosperidade, cuja novidade reside no eixo: vinha sendo o Estado Redentor, a fonte de toda riqueza, e agora estamos adotando, ao que tudo indica, o individualismo evangélico e o primado da iniciativa privada.
O presidente parece ter ouvido o conselho de Iago ao dar a Paulo Guedes uma combinação inédita de poderes: um ministério unificando outros três, como teve Zélia, uma equipe homogênea de sua livre escolha, como a de FHC, e que ocupou todos os espaços disponíveis como apenas Delfim conseguia fazer. Não há dúvida que o presidente deu a Guedes um enorme trampolim, vale dizer, uma autorização para um salto que pode ser bem ambicioso.
Paulo Guedes herdará um panorama espetacularmente favorável em se tratando de inflação e de contas externas, mas, no terreno fiscal, os números são trágicos, especialmente na Previdência e nas despesas de pessoal, que se combinam de forma explosiva em alguns estados. O mesmo vale para o que se passa no campo de microeconomia e da produtividade onde, a despeito de pequenos progressos recentes, estamos acomodados na mediocridade.
Ao que parece, viveremos em 2019 uma espécie de relançamento das reformas, onde todos os temas espetados vão aparecer novamente em vestimenta mais ousada, ao menos no que depender de Guedes e sua equipe.
É claro que a Previdência terá que puxar a fila, aparecendo em versão mais ampla e elaborada, como parte inseparável de um futuro melhor, o mesmo valendo para temas como abertura, privatização e reforma trabalhista, para os quais, o céu é o limite.
Tivemos um vislumbre nesses últimos dois anos, quando algumas inovações importantes passaram, como a mini reforma trabalhista e sobretudo a queda do imposto sindical. Na verdade, a surpresa deveria ser pelo oposto: passaram-se quase vinte anos desde que, em 1999, se extinguiu a figura do Juiz Classista. Saiba o leitor, todavia, que, mesmo extintos, os classistas estão quase ganhando no STF o seu auxílio moradia.
É claro que algo precisa acontecer com a Justiça do Trabalho e com o sistema “S”, e seus palácios de mármore por todas as capitais, seus programas culturais e patrocínios esportivos.
É surpreendente também que o Brasil tenha hoje o mesmo grau de abertura de 1960, e num contexto de estagnação da produtividade e de presença maciça de empresas multinacionais no Brasil. É uma espécie de haraquiri econômico, uma homenagem improvável à lentidão e ao medo da destruição criadora. É claro que vai acontecer alguma coisa importante nessa frente.
Além disso, há a privatização, que sai do rol das palavras proibidas junto com a extinção de empresas e carreiras com custos maiores que benefícios.
Ponha dinheiro no bolso. Se a economia acordar nesse novo chassi vai ser muito interessante, e vai ter muita coisa boa para fazer.
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