Plano Real, 30 anos: Edmar Bacha e o papelzinho azul que deu origem à nova moeda


 Após Fernando Henrique Cardoso (FHC) ser nomeado ministro da Fazenda em maio de 1993, uma reunião dos caciques do PSDB, entre eles os futuros governadores de São Paulo, Mário Covas e José Serra, além de Edmar Bacha, economista do partido à época, foi convocada. Nenhum dos convidados esperava que aquela conversa mudaria o Brasil.

 

“Não havia a mínima condição de imaginar um plano de estabilização naquelas circunstâncias tão peculiares, com tão pouco tempo, tão pouca gente e tão pouco apoio político. Eu falei isso tudo para os cardeais do PSDB e o Covas, que você não conheceu, mas quando ele mandava, ele mandava. O Covas só me disse o seguinte: ‘Ô, Bacha, escuta aqui, essa não é uma decisão do Fernando, essa é uma decisão do partido e você é o economista do partido. Você vem conosco'”, afirmou Bacha, em entrevista exclusiva à EXAME.

 

Ao embarcar no governo como assessor de FHC, um pequeno exército de Brancaleone, nas palavras Bacha, foi montado para dar suporte ao ministro da Fazenda. Winston Fritsch foi nomeado secretário de Política Econômica e Gustavo Franco, subsecretário. Murilo Portugal foi mantido do Tesouro Nacional e Paulo César Ximenes permaneceu como presidente do Banco Central. No Congresso, cabia ao então deputado federal José Serra (PSDB-SP) encampar a defesa do ajuste fiscal.

 

“Essa pequena equipe decidiu que precisávamos fazer alguma coisa. E fizemos o PAI, o Programa de Ação Imediata. Era, basicamente, um programa de arrumação da casa, um programa fiscal. Arrumar as contas do Tesouro com o Banco Central, aumentar os impostos criando a Contribuição Provisória Sobre a Movimentação Financeira (CPMF), renegociar as dívidas de estados e municípios e acabar com a negociação da dívida externa para retomar o acesso do país ao mercado internacional”, disse Bacha.

Segundo ele, essas medidas dariam sustentação ao país até o fim do governo Itamar, em dezembro 1994, para que um plano de estabilização econômica fosse, de fato, executado a partir de 1995, após a eleição de um tucano para comandar o Palácio do Planalto.

 

“Em agosto, o Itamar decide, sem falar com o Fernando Henrique, demitir o Ximenes da presidência do Banco Central, por uma questão ridícula. Algo relacionado com cheques pré-datados. Quando o Itamar fez isso eu pensei: ‘vou arrumar aqui meus poucos papeizinhos e vou-me embora e vamos ver se no próximo governo a gente faz alguma coisa'”, relembrou.

 

Um FHC “desapontado e desanimado”

Após o episódio, contou Bacha, um FHC “desapontado e desanimado” convocou uma reunião com principais membros da equipe econômica para uma manhã de sábado.

 

Além de Bacha, participaram Pedro Malan, então negociador da dívida externa brasileira, Fritsch e Clovis Carvalho, então secretário executivo da Fazenda.

 

“Eu cheguei mais cedo na sala de visitas, peguei um papelzinho azul e fiz anotações sobre o que seria o plano que a gente faria caso a gente fosse ficar e se não estivéssemos indo embora como estávamos. Naquelas tantas, no meio da reunião, o Fernando Henrique perguntou o que a gente deveria fazer e o Winston disse que poderíamos fazer um processo de transição gradual”, disse. “Eu o interrompi e disse que se a gente não estivesse indo embora, o que a gente faria era um baita ajuste fiscal na frente, mais forte que estávamos fazendo no PAI. Uma âncora fiscal para a entrada do plano. Em seguida, nós faríamos a “ufirização” de todos os preços e salários, e depois criaríamos a nova moeda ancorada no dólar.”

 

O nascimento do Plano Real

FHC ficou fascinado com o plano, afirmou Bacha. Segundo ele, o ministro sabia que não seria eleito presidente da República se a inflação continuasse no ritmo que estava, a 30% ao mês no segundo semestre de 1993.

 

Após a reunião, o ministro da Fazenda se reúne com Itamar e recebe do então presidente da República carta branca para formular e executar o plano de estabilização da economia brasileira.

 

“Tendo feito isso, mais ou menos simultaneamente, Fernando Henrique consegue convocar uma reunião com o Pedro Malan e o André Lara Resende da qual o Malan saiu presidente do Banco Central e o André, negociador da dívida externa nos três meses que faltavam para finalizar o acordo. Na semana seguinte vagou o BNDES e o Fernando Henrique atraiu o Persio Arida para o BNDES”, afirmou. “Assim, não mais que de repente, estava formada a equipe econômica, com capacidade intelectual e anos de interação social, para formular o plano de estabilização nos poucos meses que nos restavam. Isso era agosto de 1993 e o governo ia terminar em dezembro de 1994”, disse.