Por que a indústria brasileira encolheu tanto?


Entre 1995 e 2022, a participação da indústria de transformação na economia brasileira desabou. Em preços constantes, em 1995 ela respondia por 14,5% do PIB, mas em 2022 somente por 9,3%, uma queda maior do que cinco pontos de percentagem (pp). O que explica esse enorme encolhimento?

A literatura econômica brasileira oferece basicamente duas explicações. No jargão dos economistas, elas têm os apelidos de desindustrialização precoce e doença holandesa.

Desindustrialização precoce origina-se na observação de economistas que a parcela da indústria no PIB tem a forma de um U-invertido à medida que a economia se desenvolve. Em países pobres, essa parcela é pequena, devido à preponderância de atividades agrícolas. Em países de renda média, ela cresce à medida que ocorre a industrialização. Em países de renda média, ela cresce à medida que ocorre a industrialização. Em países de renda alta, a parcela da indústria volta a se reduzir pois, com a urbanização, os serviços de modo geral ganham peso.

O que se observa desde o último quartel do século XX, e não somente no Brasil, é que muitos países tendem a se desindustrializar precocemente, ou seja, mais cedo do que antes. As explicações variam, mas em geral têm a ver com a importância que a terceirização adquiriu, mais o desenvolvimento de serviços de alta tecnologia, e a globalização que tendeu a concentrar as atividades manufatureiras na China.

Como avaliar a importância da hipótese da desindustrialização precoce como explicação para a desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022? Uma possibilidade é comparar sua evolução com a que ocorreu nos países da OECD. Esses países têm uma renda per capita em média três vezes maior do que a do Brasil. Portanto, são países ricos que deveriam estar se desindustrializando, digamos assim, naturalmente — de acordo com a hipótese do U invertido entretida pelos economistas. Se o Brasil os acompanha, é porque estaria tendo uma desindustrialização precoce.

A surpresa, entretanto, é que a desindustrialização dos países da OECD foi muito pequena. Em 1995, em preços constantes, a parcela da indústria no PIB da OECD era 14,3%. Em 2022 ela caiu apenas para 13,8%. Portanto, uma desindustrialização de 0,5 pp, dez vezes menor do que os cinco pp observados no caso brasileiro.

Estatisticamente, calculamos que para cada 1 pp de desindustrialização na OECD ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil. Como a OECD se desindustrializou em 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022.

De acordo com este teste, a tese da desindustrialização precoce não parece explicar grande coisa da desindustrialização brasileira.

O que dizer sobre a doença holandesa? A expressão foi popularizada pela “The Economist” em 1977, para retratar o encolhimento da indústria da Holanda como consequência da descoberta de ricos depósitos de gás natural naquele país. Transplantada para o contexto brasileiro, a ideia é que um aumento das receitas provenientes de recursos naturais gera um auge exportador que fortalece o real face ao dólar. Esse fortalecimento reduz os preços em reais dos produtos manufaturados importados e dificulta a exportação dos produtos manufaturados locais. Em consequência, a indústria de transformação se encolhe.

Esse fenômeno foi sem dúvida importante entre 2005 e 2011, quando houve um enorme aumento dos preços dos produtos agrícolas e minerais exportados pelo Brasil, acrescido do efeito da descoberta do pré-sal que, antes mesmo de se materializar em novas exportações, provocou um grande influxo de capitais externos para o país. Em artigo de 2013, calculei que essa bonança externa, por seu efeito sobre a valorização do real face ao dólar, poderia explicar inteiramente a desindustrialização brasileira entre 2005 e 2011. Ou seja, nesses anos, a doença holandesa foi um fator importante para a desindustrialização. Mas é isso também válido para o período inteiro, entre 1995 e 2022? A resposta é negativa.

Para chegar a essa conclusão, utilizamos como indicador da doença holandesa a evolução das relações de troca do país — os preços das exportações em relação aos preços das importações —, já que o grosso das exportações brasileiras são bens primários, enquanto o grosso das importações são bens manufaturados.

Medida pelas relações de troca, a doença holandesa aparece com força entre 2005 e 2011, mas, fora desse intervalo, as relações de troca flutuam: para baixo entre 1995 e 1999, constantes entre 1999 e 2005, para baixo de novo entre 2011 e 2016 e com tendência de alta a partir de então. Calculamos que, entre 1995 e 2022, as relações de troca aumentaram em cerca de 30%. Quanto essa melhoria poderia explicar da desindustrialização no período?

Estatisticamente, estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta de parcela relevante da desindustrialização.

Precisamos, portanto, buscar uma explicação alternativa para o encolhimento da indústria brasileira.

Observe-se inicialmente que podemos escrever a parcela da indústria no PIB em preços constantes como o produto de duas variáveis: produtividade relativa da indústria (valor adicionado por trabalhador na indústria como proporção do PIB por trabalhador) e parcela do emprego industrial no emprego total. Trata-se de mera identidade. Mas traz em si a possibilidade de uma explicação alternativa para a desindustrialização.

É que a parcela do emprego industrial no emprego total pouco varia entre 1995 e 2022. Assim, estatisticamente, a evolução da parcela da indústria no PIB está intimamente associada à da produtividade relativa da indústria.

Então, a próxima pergunta é: o que ocorreu com a produtividade relativa da indústria? A resposta, a esta altura não surpreendente, é que ela desabou! Em 1995, a produtividade da indústria era 84% maior do que a da média da economia. Em 2023, após sucessivas quedas, esse excedente se reduziu para apenas 12%. Ao invés de ser o motor da economia como outrora, a produtividade da indústria foi a que menos cresceu entre os 12 setores das contas nacionais; na verdade nem crescer ela cresceu, pois a produtividade da indústria foi mais baixa em 2022 do que em 1995!

Então, esqueçam-se de desindustrialização prematura, doença holandesa ou que mais seja, o problema a ser desvendado não é porque a parcela da indústria do PIB caiu, mas sim porque a produtividade relativa da indústria desabou. O problema é esse, mais complexo.

Ainda não temos uma resposta completa para essa evolução: as análises disponíveis na literatura somente dão pistas sobre o que ocorreu, que não convergem para uma conclusão definitiva.

Mas é pertinente observar que a imagem espelhada da enorme queda da produtividade relativa da indústria entre 1995 e 2022 foi um extraordinário aumento da produtividade relativa da agricultura. Em 1995, a produtividade relativa da agricultura era apenas 22% da produtividade média da economia; desde então, não parou de crescer: em 2023, já era igual a 94% da média.

O que a indústria perdeu em produtividade relativa, a agricultura ganhou (pois, tomada em conjunto, a produtividade relativa dos demais setores da economia ficou praticamente a mesma). Como a indústria convergiu de cima para a média, a agricultura convergiu de baixo para a média, e a média pouco saiu do lugar, uma hipótese é que, num quadro de relativa estagnação produtiva, o país teria apenas presenciado um processo de catch-up da agricultura em relação à produtividade da indústria. A agricultura se modernizou e a indústria ficou parada. Mas, então, por que a agricultura conseguiu se modernizar, mas a indústria não? Boa pergunta.

Pode ser que parte da resposta esteja no mercado em que uma e outra miraram. A agricultura mirou o mercado internacional e hoje concorre com sucesso com as potências agrícolas mundiais. Para um país que exporta pouco como o Brasil, o mercado mundial é meio sem limites, portanto, oferece amplo escopo para a adoção de tecnologias de última geração e o desenvolvimento de tecnologias nativas. Oferece não só o escopo, mas também impõe a necessidade, pois se trata de competir mundialmente com os gigantes do setor.

Já a indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno, e só consegue exportar alguma coisa com valor adicionado significativo para a Argentina. E sempre com muita proteção contra a entrada de produtos estrangeiros — basta ver a gritaria que a importação das “blusinhas” chinesas provocou entre os empresários.

Limitada ao mercado interno, pequeno para os padrões mundiais, a indústria não alcança a escala necessária para a adoção de tecnologias de última geração, nem sofre pressão para o desenvolvimento de novas tecnologias. O pouco que ela produz, ela vende — porque o mercado é protegido.

Essa parece ser uma explicação plausível de por que a produtividade da indústria brasileira permanece estagnada, enquanto a da agricultura continua a crescer.

Edmar Bacha é economista. As relações estatísticas citadas são desenvolvidas em E. Bacha, V. Terziani, C. Considera e E. Guimarães, “Why did Brazil deindustrialize so much? An empirical investigation”. Texto para Discussão n. 83, IEPE/Casa das Garças, julho 2024 (www.iepecdg.com.br).