Casa das Garças

Por que incluir a suavização do ciclo econômico na nova lei do BC

Data: 

27/06/2019

Autor: 

Arminio Fraga

Veículo: 

Valor

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Está em discussão no Congresso uma revisão da lei 4595, com foco nos objetivos principais do Banco Central, e sua governança. Esta lei inclui como objetivo do Conselho Monetário Nacional e, portanto, do BC, “regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo surtos inflacionários e deflacionários de origem interna ou externa”. Me parece um bom comando, pois menciona simetricamente inflação e deflação, e exemplifica algumas origens de desvios da meta a corrigir.

Mas dá para fazer melhor. Bancos centrais não possuem o poder de afetar o nível de atividade ou seu crescimento, que depende de poupança, investimento, educação, produtividade etc. Decorre naturalmente daí atribuir ao banco central a missão principal de zelar pela estabilidade de preços, hoje entendida nos principais países como sendo algo em torno de 2% ao ano, e aqui algo que caminha para 3%.

Em eventos recentes no Banco Central (20 anos de metas para a inflação) e no CDPP (comemorando os 80 anos do professor Pastore) levantei a ideia de incluir como objetivo secundário do BC a suavização do ciclo econômico. Concentro-me aqui neste tema.

A definição do que é exatamente o ciclo econômico não é relevante, desde que fique claro que se trata de diminuir a variância do nível de atividade econômica. Num mundo sem custos de ajuste e de transação, talvez fizesse sentido ignorar o ponto, mas a variabilidade do PIB vem acompanhada de custos os mais variados, incluindo, por exemplo, os de abrir e fechar negócios, procurar emprego, investir ou não, financiar ou não, etc. Gosto da redação que menciona o ciclo para que fique claro que o BC não pode nem consegue compensar cada pequena flutuação da economia. Mas daria para dizer na lei “suavizar as flutuações do nível de atividade”. Não é por outra razão que bancos centrais mundo a fora na prática busquem essa suavização, sempre deixando claro que não possuem o poder de afetar o nível de atividade ou emprego.

Como agem os bancos centrais? Aqui um pouco de técnica, quem preferir pode pular este parágrafo. A boa teoria manda acomodar o impacto direto sobre o nível de preços dos choques de oferta (exemplo: a atual crise suína) e combater os efeitos secundários. Além disso, mesmo choques de demanda grandes recomendam algum gradualismo no ajuste, em função dos custos já mencionados. E há também a incerteza quanto à identificação do que é choque de oferta versus demanda, temporário versus permanente etc. Portanto, a recomendação, bem amparada pela teoria estatística, é na linha de ajustes graduais a desvios da meta de inflação, o que corresponde a suavizar o ciclo.

Como? Na prática, os bancos centrais analisam o quadro geral da economia da melhor maneira possível, e usam o intervalo de tolerância e o tempo de convergência para atingir seu objetivo de inflação a um custo razoável. Esse comportamento introduz um grau saudável de discricionariedade à condução da política monetária, sem prejuízo de, na média ao longo do tempo, atingir a meta de inflação.

Para concluir, creio ser recomendável incluir na lei como objetivo secundário do BC suavizar as flutuações do nível de atividade da economia, por pelo menos três razões:

1) por uma questão de princípio e transparência: é bom que seja feito, já é feito, e deve portanto ser formalizado em lei;

2) para evitar outras formulações equivocadas, como ter meta do BC para o nível do PIB ou para a taxa de desemprego;

3) para ocupar bem um espaço político importante, deixando claro à sociedade o que o BC faz, de forma a possibilitar a discussão e avaliação do que se faz.

Arminio Fraga Neto é economista e ex-presidente do BC

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