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Fez muito bem o Ministro da Fazenda, na verdade o presidente Michel Temer, em propor ao Congresso a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de modo a refletir as cores exatas do cenário econômico e fiscal que recebeu de Dilma Rousseff. É importante ter claro o legado da presidente afastada, inclusive para se acrescentar elementos aos julgamentos no Senado e diante da História.
O superlativo número de R$ 170 bilhões para o déficit primário no exercício de 2016, conforme aprovado na semana que passou, foi chocante e surpreendente para muitos.
Mas é só um pedaço da história, e pequeno.
Note-se, para começar, que este número não é bem uma meta, mas uma estimativa realista do que ocorrerá uma vez mantidas as coisas como estão. É certo que as autoridades têm o dever de buscar um número bem menor, mas é importante estabelecer com clareza o ponto de partida, e também que há muita coisa que não entra nessa conta.
Vale lembrar que, durante os dez anos anteriores a 2008, o resultado primário médio foi um superávit maior que 3% do PIB. Esta lembrança é importante para afastar a ideia de que a Constituição de 1988 teria sido culpada da deterioração fiscal recente. E também para que se tenha muito claro que foi Dilma Rousseff quem transformou um resultado positivo médio da ordem de R$ 190 bilhões (3% do PIB de 2016) em um negativo de R$ 170 bilhões.
A deterioração fiscal comandada por Dilma Rousseff foi, portanto, de R$ 360 bilhões, sendo este o tamanho do esforço fiscal que teria que ser feito hoje para colocar o país de volta na situação onde estava no período 1998-2007, quando houve crescimento, austeridade (ao menos quando medida por superávits primários) e melhoria na distribuição de renda.
São R$ 360 bilhões morro acima, só para arrumar o resultado primário. Se colocarmos na conta os juros, os números se tornam ainda mais perturbadores.
No ano de 2015, o Brasil foi o país cujo Tesouro Nacional mais pagou juros no mundo: 8,5% do PIB, contra 4,62% na Índia, 4,11% em Portugal, 4,02% na Itália e 3,61% na Grécia.
Em moeda corrente, estamos falando de R$ 502 bilhões em juros em 2015, quando o déficit primário (o resultado sem contar juros) foi de 1,88% do PIB, equivalente a R$ 111 bilhões. Assim, nesse ano, o déficit total do setor público foi de 10,38% do PIB ou de R$ 613 bilhões.
A mesma lei que recém alterou a LDO estimou o déficit nominal para 2016 em 8,96% do PIB, ou seja, R$ 579 bilhões, dentro dos quais estão os R$ 170 bilhões de que falamos logo acima. Estima-se que a conta de juros neste ano fique parecida com a do ano passado. A ver.
Tudo considerado, com este déficit nominal, a projeção para a dívida pública bruta ao final de 2016 é de 73,4% do PIB, uma alucinação.
E não pense que foi só isso.
Mesmo com o Tesouro entrando fortemente no vermelho, o governo resolveu fazer outros gastos fora do Orçamento, que não entram nas contas acima. Para tanto, transferiu cerca de R$ 500 bilhões para o BNDES em títulos, em várias operações. Como se a sua empresa estivesse dando prejuízo e você resolvesse se endividar para emprestar um valor correspondente à metade do seu faturamento a uma subsidiária.
Nesta semana que passou, um pedaço desse dinheiro foi devolvido, vamos ver quanto vai custar para regularizar essa operação.
Além disso, temos também as operações “anticíclicas” da Caixa e do Banco do Brasil, ordenadas explicitamente pelo governo. A quem pertencerá o prejuízo decorrente dessas atuações? Que tamanho tem essa conta? E as operações feitas com o dinheiro do FGTS?
Não seria bom ter um corte e uma análise circunstanciada do estado dessas instituições neste momento de transição e reflexão?
E as necessidades de capitalização da Petrobras, decorrentes da devastação a que foi submetida em consequência das insanidades heterodoxo-nacionalistas adotadas pelo governo afastado e da pilhagem engendrada pela quadrilha que ali se instalou?
A dívida da Petrobras cresceu a tal ponto que o fluxo de caixa descontado da empresa para o horizonte relevante de avaliação está zerado, ou pior, a depender do preço do petróleo nos próximos anos. Basta olhar os relatórios de analistas externos da empresa, todos acordes nesse terrível diagnóstico.
Isso mesmo, você não entendeu mal, a empresa está tecnicamente quebrada, funcionando da mão para a boca, um dia de cada vez, terrivelmente necessitada de um aumento de capital, ou da venda de ativos, de cortes dramáticos e providências difíceis. Uma empresa desse tamanho, ainda mais estatal, não pode entrar em recuperação judicial, não sem provocar um problema sistêmico.
Mas antes de pensar no conserto, que se registre a façanha: poucos anos depois do apogeu representado pela descoberta do pré-sal e do aumento de capital em Nova York em 2010, quando a companhia captou US$ 70 bilhões, na maior operação da espécie jamais registrada neste planeta, Dilma Rousseff conseguiu colocar a Petrobras a meio centímetro da recuperação judicial. Que portento em matéria de incompetência administrativa, imprevidência estratégica e desonestidade mesmo, esta última, inclusive, reconhecida oficialmente no balanço.
Fará bem o novo presidente da Petrobras em ter muito claras as condições da empresa no momento em que assumir as suas responsabilidades.
A mesma recomendação vale para a presidente do BNDES, para o qual já se decidiu devolver R$ 100 bilhões dos R$ 500 bilhões que recebeu do Tesouro. O banco deve ser capaz de demonstrar para onde foram os recursos, e talvez mesmo pagar o Tesouro com esses ativos. E, se houver prejuízo, que seja declarado e explicado para que as culpas pertençam a quem de direito.
Como foi acontecer uma tragédia desse tamanho?
É claro que temos que refletir muito sobre as brechas na Lei de Responsabilidade Fiscal e sobre o mau uso das empresas estatais, seja para propósitos políticos, para a corrupção, ou para simplesmente financiar e acobertar o populismo fiscal.
Mas nem por um segundo devemos esquecer que a responsabilidade pela catástrofe possui nome e sobrenome e que o Senado não estará se debruçando apenas sobre “pedaladas”, “jeitinhos” ou decretos feitos por assessores descuidados, mas sobre o maior descalabro fiscal que a história econômica brasileira registra desde, possivelmente, quando Dom João VI abandonou o país em 1821 e rapou o ouro que havia no Banco do Brasil.
E não por acidente as quedas no PIB do biênio 2015 e 2016, que se espera que atinjam 3,8% e 3,8%, ultrapassam o que se observou nos anos da Grande Depressão, 1930-31, quando as quedas foram de 2,1% e 3,3%.
É fundamental que se tenha clara a exata natureza e extensão da herança, para que as dores inerentes ao árduo trabalho de reconstrução financeira e fiscal do crédito público sejam associadas a quem produziu a doença, não ao médico.
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