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O Brasil precisa de quatro ajustes fiscais. Cada um tem seu papel e merece atenção. Antes de discutirmos o caso brasileiro, vale a pena repassar alguns conceitos, sem entrar em muitos detalhes.
Entenda-se aqui por tamanho do governo (estritamente, do Estado) a totalidade do gasto público primário, ou seja, excluindo juros. Em uma democracia, a decisão quanto ao tamanho do governo cabe ao Legislativo, em negociações com o Executivo. A decisão é política e se materializa na definição de um Orçamento, construído com base em uma avaliação dos custos e benefícios do gasto e da arrecadação. Em particular, o processo deve levar em conta os impactos de cada opção sobre a produtividade da economia e sobre o grau desejado de solidariedade social, ambas a curto e longo prazo. Tal avaliação é extremamente complexa e raramente feita.
A possibilidade de o governo tomar emprestado e aplicar recursos permite que o Orçamento opere fora do equilíbrio, dentro de certos limites. O endividamento deve ser tal que não pressione as taxas de juros que o governo paga e dê alguma folga para que o governo possa lidar com emergências, como a pandemia que ainda nos assola.
A política fiscal deve, portanto, definir e atingir quatro objetivos: o tamanho do gasto, o resultado do Orçamento (o saldo primário), as prioridades de gasto e o desenho do sistema tributário.
Vejamos agora o caso brasileiro, começando pelo tamanho do governo. Para efeito de comparação, vou usar os dados do mais recente Fiscal Monitor, do FMI. Para evitar o impacto dos gastos com a pandemia, que variaram bastante por país e são excepcionais, usarei dados de 2019. O Brasil gastou 32,4% do PIB, acima dos 29,9% da média dos países emergentes e de renda média (“EMs”) e abaixo dos avançados (37,1%), sendo que 47,9% na zona do euro e 33,6% nos EUA. Se incluirmos como gasto os subsídios tributários, que deveriam estar no Orçamento, o gasto é mais alto. Por regressivos, abaixo eu defendo a sua eliminação. Fora isso, minha recomendação é que se analise e discuta o tema.
Para a dívida bruta do governo consolidado (i.e., todas as esferas), usarei dados projetados para 2022, herança para o próximo governo. Tendo chegado a 98,7% do PIB em 2020, a dívida projetada para o fim deste ano está em 91,9%, número bem mais elevado do que a média dos EMs (67,4%). A queda recente ocorreu em razão de três fatores não recorrentes: taxas de juros negativas ex-post em termos reais e os efeitos do teto de gastos sobre a folha de pagamento do governo federal. Com um saldo primário perto de zero, crescimento de 2,5% e juros reais de 5,9% (a taxa atual dos títulos do Tesouro de dez anos), a dívida voltará a crescer. Isto é pura aritmética.
Com uma dívida elevada e crescente, o Brasil terá dificuldades em se financiar em caso de nova surpresa negativa ou erro na política pública. Seria possível encurtar temporariamente o prazo da dívida, para ganhar tempo. Mas, sem respostas substantivas, seria apenas uma fonte de mais risco, uma custosa perda de tempo. A recomendação aqui me parece inequívoca: o próximo governo precisa definir metas plurianuais críveis para o superávit primário, capazes de pôr em queda a trajetória da dívida pública (como proporção do PIB) num cenário realista para o crescimento.
Frequentemente se ouve falar em apenas estabilizar o endividamento, o que exigiria um superávit primário de cerca de 3% do PIB. Nesse caso, com uma taxa de crescimento do PIB maior do que a taxa de juros real, o endividamento cairia com o tempo. Em tese, com muita sorte e competência, seria possível. Mas contar com esse cenário improvável seria uma loucura suicida. Por um bom tempo será necessário programar um superávit primário superior aos 3%.
O quadro atual é preocupante, posto que os gastos com folha de pagamentos estão represados, e o investimento público, muito deprimido. Ademais, demandas por gastos mais elevados nas áreas sociais sugerem crescentes pressões fiscais, a perder de vista.
O teto dos gastos instituído por emenda constitucional no final de 2016 congelou os gastos em termos reais e tem sido a principal linha de defesa fiscal desde então. O teto combina duas das áreas de decisão da política fiscal: a eventual obtenção de um superávit primário e a redução dos gastos como proporção do PIB.
A proposta original tinha implicações importantes. Caso o PIB tivesse crescido 2,5% ao ano durante a vigência dos dez anos do teto, os gastos federais como proporção do PIB teriam caído 22%. Pareceu-me à época pouco realista. Cinco anos já se foram, anos difíceis, de baixo crescimento. O gasto como proporção do PIB não caiu porque o PIB não andou e, ainda por cima, o teto foi furado. E, do jeito que andam as coisas em Brasília, os riscos de mais furos vêm aumentando.
A verdade é que, além de o cobertor estar muito curto, o Orçamento está há tempos engessado e carente de uma profunda revisão de prioridades. Está mais do que na hora de enfrentar esse desafio. Do lado do gasto, não há como fugir de uma reforma do Estado e de uma reforma adicional da Previdência, que corrija pelo menos as lacunas da reforma que foi aprovada. Uma profusão de benesses fanaticamente defendidas por suas corporações precisa ser encarada, para liberar recursos para equilibrar as contas e permitir uma necessária elevação de gastos sociais e investimentos.
Finalmente, a arrecadação vem há décadas sendo instada a acompanhar o crescimento do gasto para evitar o descontrole orçamentário. O resultado foi um sistema repleto de distorções e presa fácil de diversos grupos de interesse, sempre de alta renda. Do ponto de vista da equidade, os pontos maduros para correção são os regimes especiais de tributação da renda (Zona Franca, Simples, Lucro Presumido e outros), que afetam médicos, advogados, artistas, jornalistas e outros, e a tributação da renda do capital. Do ponto de vista da eficiência, urge a criação de um IVA para acabar com o custoso caos vigente. Esse ponto me parece maduro para votação no ano que vem.
Concluo resumindo os quatro ajustes necessários: no que tange ao tamanho do governo, examinar melhor os custos e benefícios das políticas públicas; no que toca ao lado macroeconômico, atingir um superávit primário adequado e sustentável; do lado do gasto, promover um enorme rearranjo de prioridades, e, do lado da arrecadação, buscar eficiência e equidade.
O Brasil do jeito que está não vai dar certo. Com ajustes na direção aqui proposta, seria possível reduzir incertezas, alongar horizontes e crescer de forma inclusiva e sustentável.
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