Casa das Garças

Que PIB é este? Uma releitura de 200 anos da economia brasileira

Data: 

16/11/2022

Autor: 

Edmar Bacha, Guilherme A. Tombolo e Flavio R. Versiani

Veículo: 

Folha de São Paulo

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Na interpretação da história econômica brasileira desde a Independência, há um consenso que entendemos ser equivocado. Em artigo recente, Gustavo Franco (O Globo/O Estado de S. Paulo, 31/7) assim o expressa: “Salta os olhos o desempenho ruim dos primeiros 100 anos (…) seja em termos absolutos ou comparativamente a outros países ditos de assentamento recente. A República Velha exibe um desempenho melhor, mas os anos verdadeiramente dourados para o crescimento parecem ser os do período 1949-80”.

Concluímos recentemente dois artigos acadêmicos que reestimam o crescimento econômico brasileiro desde a Independência: o primeiro no período 1820-1900, e o segundo, 1900-80 (ambos disponíveis no site do Iepe/Casa das Garças). Eles não desconstroem o consenso, mas o qualificam de forma substantiva.

Em primeiro lugar, o século 19 não foi um período de estagnação econômica no Brasil, como quer o Maddison Project, a bíblia da história econômica quantitativa mundial. Não foi nem mesmo um período de crescimento “a passos lentos”, como o qualifica em seu título livro recente de Marcelo Abreu, Luiz do Lago e André Villela (Edições 70, 2022).

De acordo com nossas contas, a evolução da economia brasileira foi normal para a época: entre 1820 e 1900, a taxa de crescimento do PIB per capita foi de 0,9% ao ano —índice similar ao de nossos vizinhos latino-americanos e da Europa Ocidental. O Brasil cresceu menos que os EUA, mas isso apenas porque o crescimento deste país foi excepcionalmente alto. Chegamos a esse resultado usando procedimentos parecidos com os do Maddison Project, mas com séries estatísticas recentes mais confiáveis e metodologia mais apurada.

Em segundo lugar, o crescimento do PIB per capita brasileiro foi realmente elevado de 1900 a 1980, mas não tanto quanto sustentam as contas nacionais. Incluindo nessas contas as atividades de serviços de lento crescimento, que elas deixaram de fora, em vez de 3,2% o PIB per capita cresceu 2,5% ao ano nesse período. Nos “anos de ouro” do pós-guerra, aos quais se refere Gustavo Franco, o crescimento do PIB per capita foi de 3,3% ao ano, não os 4,5% que constam das contas nacionais.

O consenso historiográfico consagrado nos números do Maddison Project nos diz que o PIB per capita brasileiro nada cresceu no século 19 e então passou a crescer 3,2% ao ano entre 1900 e 1980. Uma quebra estrutural e tanto! Nossa pesquisa sugere que essa suposta quebra é em boa medida ilusão estatística.

Medida de forma que entendemos mais correta, não é tão grande a diferença de crescimento entre um século e outro: 0,9% no século 10 e 2,5% entre 1900 e 1980 —ou seja, 1,6 ponto percentual de diferença, metade dos 3,2 que nos faz crer o consenso historiográfico.

Longe de nós a pretensão de dar a última palavra sobre o tema. Medir PIB, especialmente no século 19, é tarefa espinhosa, porque não há como fazê-lo de forma direta —somente por aproximações com grande margem de erro. O que arguimos nos dois artigos é que nossas contas fazem mais sentido do que as disponíveis atualmente. Deixamos aos estudiosos a tarefa de aprimorá-las.

 

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