Regime fiscal está indefinido e nesse governo não será corrigido


Economista prevê que reforma tributária para o início da nova legislatura

 

O Brasil está “com um regime fiscal indefinido”, e quem for o presidente da República em 2023 precisará decidir qual será o arcabouço para as contas públicas, segundo o economista Edmar Bacha. Na Live do Valor de ontem, ele afirmou que “todo mundo sabia que o teto [de gastos] não era para durar eternamente”, cenário que, com a PEC dos Precatórios, se confirmou.

 

“O que está segurando [o regime fiscal] agora?”, questionou. Segundo Bacha, “certamente não será este governo” que fará a reestruturação do regime fiscal, mas o tema precisará ser debatido após as eleições presidenciais de 2022.

 

Para ele, a partir da implantação do teto de gastos a “taxa de juros real caiu substancialmente”, o que ajudou a administrar a dívida pública, mesmo com o crescimento do estoque dessa dívida.

 

Nesse sentido “a PEC dos Precatórios, PEC do Calote, é horrível”, segundo ele, afirmando que as mudanças enfraquecem a percepção a respeito da solidez do arcabouço fiscal. O importante é que o país tenha “uma perspectiva fiscal que não amedronte”.

 

Cofundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças, Bacha foi também presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e um dos formuladores do Plano Real. Com a experiência de quem participou pessoalmente da negociação com parlamentares para que a nova moeda fosse aprovada, ele acredita que a tendência é que seja uma realizada uma reforma tributária também em 2023.

 

“Há possibilidade muito grande”, disse. “Neste governo, não se consegue nada.”

 

Bacha afirmou que “rico não paga imposto no Brasil” e elogiou a proposta de reforma do economista Bernard Appy.

 

Filiado ao PSDB, disse que “a perspectiva de uma eleição” entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “não é muito fácil de digerir”, afirmando que “há tempo para trabalhar a terceira via”. Bacha classificou as prévias presidenciais do PSDB como “um avanço civilizatório”. Mas, mesmo assim, defendeu que, mais importante do que um candidato presidencial do partido, é que haja um candidato competitivo da terceira via. Nesse contexto, sugeriu uma “simulação” de primárias entre candidatos presidenciais da terceira via, com debates entre eles, citando o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o ex-ministro Sergio Moro (Podemos) e o cientista político Luiz Felipe d’Avila (Novo).

 

“Tem muita movimentação política nos bastidores”, afirmou. “Vamos trazer isso para o público.” Por enquanto, Moro “largou muito bem”. “Ninguém esperava que ele tivesse 11% [das intenções de voto]”, afirmou. “Se continuar nessa arrancada, já teremos uma perspectiva boa.”

 

Já Bolsonaro não está em uma posição “confortável”. “O Banco Central está apertando a política monetária para que a inflação não saia dos trilhos, mas a consequência disso é recessiva”, disse.

 

De acordo com o economista, a inflação no Brasil “é agravada por essa instabilidade política criada pelo governo Bolsonaro”. Na avaliação dele, o Brasil aprendeu nas últimas décadas que “o controle da inflação elege” e o descontrole faz o oposto.

 

O fato de o Brasil ser muito fechado comercialmente cria produtos “com preços surreais e de baixa qualidade” e “é um mecanismo concentrador de renda”, defende Bacha. “Muita gente da esquerda acha que é assim mesmo.”

 

Questionado sobre os impactos negativos que a abertura comercial poderia ter sobre a indústria nacional, que lida com custos altos, Bacha afirmou que, “desde que o custo Brasil seja uniforme para todas as atividades, não importa, porque o câmbio resolve isso”.

 

“Se o custo [Brasil] for muito alto, a gente começar a importar muito e o câmbio se desvaloriza. A gente passa a importar menos e exportar mais”, disse. “Suponha que não se equilibrou ainda. O câmbio se desvaloriza mais ainda, para a gente importar menos e exportar mais.” Segundo ele, “a flutuação do câmbio compensa o custo Brasil”.

 

“O custo Brasil é irrelevante para a questão da abertura”, disse.

 

O economista lembrou que não só a indústria nacional defende fortemente as barreiras tarifárias, como também o setor de serviços nacional é favorável a uma série de barreiras não tarifárias.

 

Bacha defendeu ainda a importância que os investimentos em educação fiquem focados principalmente nos níveis mais básicos de escolaridade.

 

Por fim, chamou a atenção para a desigualdade econômica e social do Brasil e afirmou que “a questão fundamental é como vamos incorporar toda essa população que por séculos foi alienada da economia básica”.

 

“De fato vivemos um sistema de apartheid”, disse.

 

A boa notícia, segundo ele, é que “temos melhores condições” do que no passado para lidar com esse problema. “A gente conhece muito melhor as condições [sociais e econômicas]”, afirmou, citando avanços na base técnica e “trabalhos de nível internacional sobre esse assunto”.