Casa das Garças

Se não fizer nada, País pode cair para 3ª divisão

Data: 

22/02/2016

Autor: 

Ilan Goldfajn

Veículo: 

O Estado de S. Paulo

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Em dezembro de 2014, logo após a escolha de Joaquim Levy para o cargo de ministro da Fazenda, o economista ­chefe do Itaú Unibanco,
Ilan Goldfajn, usou uma metáfora futebolística para se referir ao anúncio de Levy. Disse que o novo ministro, botafoguense, poderia
evitar que a economia brasileira tivesse o mesmo destino do seu time, rebaixado naquele ano no Campeonato Brasileiro. Hoje, sem grau de investimento, a economia brasileira corre o risco de ir para a terceira divisão se nada for feito, diz Goldfajn, sobretudo depois que a Standard & Poor’s rebaixou novamente a nota brasileira. “Um time não sobe para a primeira divisão sozinho. Vai precisar de muita reforma e muito esforço porque, se não fizer nada, (o País) pode cair para a terceira divisão”, disse. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Recentemente, o Itaú revisou a projeção de recessão de 2,8% para 4% em 2016. Por que a economia brasileira não está reagindo?

Por enquanto, os sinais ainda não são de estabilidade. Basicamente, a piora ocorreu no último trimestre do ano passado e está ocorrendo
neste primeiro trimestre de 2016. Só o legado do fim de 2015 para este ano já levaria o PIB de 2016 para uma recessão de 2,5%, 2,6%.
Agora, no primeiro trimestre, deve ocorrer uma queda de mais ou menos 1%, o que já dá um recuo de 3,6%. E, para ­4%, é uma queda
pequena no segundo trimestre. Para se ter uma ideia, a queda acumulada do PIB já está entre 7% e 8%.

Em 2017, a economia brasileira estabiliza ou começa a se recuperar?

É muito difícil falar de 2017. A gente tem de pensar um pouco em como sair dessa recessão antes. Em algum momento, nós vamos ter de parar de cair. Espero que isso ocorra do segundo semestre em diante.

Como o sr. imagina que o País vai sair da crise? Algum setor pode responder positivamente a partir do segundo semestre?

Não tem nenhum setor muito animado. Claro que existem setores sendo menos afetados, como o agronegócio, os que competem com
importação e alguns de exportação. Esses estão melhores, mas não há uma grande força. O nosso problema principal é o “fiscal­político”,
que gera incertezas enormes e não leva a nenhum investimento. Como não tem investimento, não tem recuperação e, se não tem recuperação, não tem renda. E, se não tem renda, não tem consumo. Vira uma bola de neve, um círculo vicioso.

O governo fala em CPMF e na reforma da Previdência. Isso traz alguma luz para as contas públicas?

As contas públicas estão numa situação bem difícil. No ano passado, o País teve um déficit primário de 1,9% do PIB. Este ano haverá um
déficit de 1,5%. Então, o que a gente conseguir de alguma forma de arrecadação vai ajudar, mas não resolve. No curto prazo, nós vamos
sofrer ainda bastante.

Por quê?

Vamos sofrer por duas razões principais. Pelo lado da receita, ela vai demorar muito para voltar. No passado, as receitas subiram muito com o aumento das vendas e da renda. Agora, é bom trabalhar com a arrecadação sem subir por alguns anos. Por outro lado, temos muitas despesas obrigatórias, que vão precisar das reformas.

O que pode ocorrer?

Eu acho que o País caiu para a segunda divisão e agora está todo mundo achando que voltar para a primeira divisão é só uma questão
de tempo. Um time não sobe para a primeira divisão sozinho. Vai precisar de muita reforma e muito esforço porque, se não fizer nada, (o País) pode cair para a terceira divisão.

O que seria uma terceira divisão?

É a perda da confiança que existe hoje no médio prazo no Brasil. Hoje em dia, tem muito investidor que, por acreditar no Brasil no médio prazo, aposta no País e acha que o Brasil está barato. É essa expectativa de médio prazo que está trazendo fluxo de capital, permitindo que o dólar fique mais ou menos estável e que as coisas não piorem. É no médio prazo que as pessoas olham e dizem que o País vai ter dificuldade nos próximos anos, mas lá na frente vai estar melhor.

O pacote fiscal anunciado pelo governo na sexta­feira traz algum alívio?

As medidas de congelamento das despesas ajudam o déficit primário a não ser pior do que nossa projeção de ­1,5% do PIB. Essa projeção é inferior ao limite inferior da banda anunciada porque acreditamos em dificuldades maiores tanto na receita quanto na despesa do governo federal e regionais.

Qual será a consequência se essa confiança que o sr. cita deixar de existir?

Se eles (investidores) não acreditarem mais no médio prazo, não vão achar barato e, portanto, uma fonte de sustentação não vai existir. Concretamente: o câmbio hoje reflete uma certa estabilidade com essa visão do médio prazo. Se o câmbio começar a depreciar de novo, refletindo essa incerteza mais longa, não vai ter mais estabilidade e, portanto, a inflação vai demorar para cair. E, se a inflação não cai, o juro não cai e a dinâmica da dívida fica pior.

O novo rebaixamento da Standard & Poor’s é um indicativo de que o País chegou à terceira divisão?

Indica que estamos no Z4, aqueles quatro times perto do rebaixamento. É um alerta importante e merece atenção de todos os atores no Brasil.

Alguns economistas dizem que o País corre o risco de ter de recorrer ao FMI. O sr. acredita nessa hipótese?

Não está no meu cenário. O meu cenário básico ainda mostra que o País enfrenta dois ou três anos ruins, mas sem perder a esperança no
médio prazo. Nesse cenário, o governo também faz reformas. E são duas fundamentais para a confiança. Uma é a reforma da Previdência, que lida diretamente com o fiscal. E a segunda, que eu diria a mais elementar de todas, é estabelecer o teto de gastos.

Essas duas ideias em discussão no governo cumprem a tarefa?

Eu acho que elas nos permitem manter a esperança no futuro.

É uma ponte para a próxima eleição…

Não…No futuro, o País vai precisar de reformas trabalhistas, reforma tributária, repensar o Estado, vai ter de mexer na indexação, abrir a economia. Nesse prazo, se a gente conseguisse fazer essas duas reformas, seria possível criar alguma esperança e não alimentar o pessimismo que hoje existe de uma forma mais generalizada.

A reforma da Previdência e a questão dos gastos parecem difíceis de serem aprovadas no Congresso.

São difíceis de passar, não há nenhuma dúvida. Mas é o que o precisa ser feito. A gente não pode perder tempo. Não adianta achar que o País caiu para segunda divisão e que vai ficar por aí por inércia. Já vi muito time cair para a terceira também. Se não se mexer e tiver senso de urgência, vai piorar. E, se tiver senso de urgência, a gente pode ter esperança quanto ao futuro.

O sr. enxerga esse senso de urgência no governo?

A reforma de Previdência é profunda e é uma de que eu ouvi o governo falar. A questão dos gastos é difícil, mas também ouvi o governo falar. Por isso, cito essas duas, mas não porque acho que há apoio político. Ainda não vi esse senso de urgência de forma geral.

Como o sr. avalia os primeiros movimentos do Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda?

Ele está tentando os movimentos de uma certa forma certos. Ele fala das reformas, tenta colocar a confiança nos agentes. Mas existem vários públicos. Tem um público que é composto pelo mercado, tem um público que é de investidor, tem os empresários, mas também tem um público composto pelos partidos, o próprio PT. São vários públicos que estão olhando para o ministro e querendo resposta. E, infelizmente, as repostas não são iguais para todos.

E que avaliação o sr. faz do Alexandre Tombini (presidente do BC)?

Eu acho que o Tombini tem tentado lidar com uma situação muito difícil. Não acho que a questão do BC é a principal. A questão principal é o problema fiscal dentro de um problema político. Nem sempre existe um problema fiscal e político ao mesmo tempo. Mas, neste momento, o País tem vulnerabilidade fiscal num momento de fragmentação política. E aí não sai do lugar. E a questão do Banco Central e da inflação me parece hoje que é de segunda ordem.

Por que, com essa recessão tão violenta, a inflação não cai mais?

Porque várias das coisas que fizeram a inflação subir não têm a ver com a recessão. Por exemplo, a depreciação do câmbio dos últimos anos não tem a ver com a recessão, mas com o fiscal, com a falta de confiança, com a necessidade de ajustar as contas externas. Isso gerou uma inflação. Segundo, a inflação de preços administrados não tem a ver com a recessão. Em 2015, o País teve uma inflação de quase 11% e agora, para baixar, não é de um ano para outro. Pelo menos, não é num País como o Brasil, onde tem uma certa inércia.

A inflação vai cair?

Ela vai cair porque a recessão é brutal. Não há forma de repasses de preços. Quem aumentou preço, aumentou porque o custo dele subiu e não podia viver com uma margem negativa. Daqui em diante, eu acho que a inflação vai começar a cair desde que o câmbio permaneça mais ou menos nessa faixa, em torno de R$ 4, R$ 4 e pouquinho. Aí a inércia vai passando. A inflação de serviços começa a cair, não tem aumento de administrados, não tem aumento de importados, e a inflação cai.

Num cenário no qual o Brasil não cai para terceira divisão…

Se cair para terceira divisão, o câmbio vai para R$ 5 ou mais e acaba esse processo.

E se o Brasil escapar da terceira divisão, como o País chegaria a 2018?

A trajetória mais difícil é da dívida pública. A trajetória da inflação eu consigo ver caindo, e a de juros também consigo ver caindo.
Também não acho que vai haver recessão para sempre. A trajetória da dívida me preocupa mais porque, com o déficit primário, vamos
acabar tendo um déficit nominal grande. E a trajetória da dívida deve passar de 70% em direção a 80% em 2018.

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