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André Lara Resende faz parte de um seleto grupo de economistas que, desde a juventude, integra cúpulas de governo. Desde os anos 1980, ele auxiliou a equipe de José Sarney a formular o Plano Cruzado, debateu hiperinflação com Fernando Collor e integrou a equipe criadora do Plano Real no governo de Fernando Henrique Cardoso. Doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e hoje pesquisador sênior na Universidade Columbia, em Nova York, Lara Resende chocou parte de seus pares em 13 de janeiro. Ele escreveu um artigo para o jornal Valor Econômico em que colocava em xeque um pilar da estabilização da moeda. Alertava para o que considera evidências de que juros altos causem, no longo prazo, inflação alta. Provocou reações entre colegas renomados, como Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, que refutaram a tese. Em 27 de janeiro, voltou à carga, num novo artigo no Valor. Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, em entrevista a ÉPOCA de 30 de janeiro, afirmou que a suposição de Lara Resende deveria ser amadurecida na academia antes de afetar políticas reais, pois o povo não pode ser cobaia de modelos matemáticos. O jornalista Elio Gaspari, no jornal O Globo de 8 de fevereiro, afirmou que Fraga estava “patrulhando” Lara Resende – ao que Fraga replicou que não estava interditando o debate e que Gaspari tratara o tema de forma sensacionalista. Em entrevista a ÉPOCA, a primeira que deu desde que escreveu o artigo, Lara Resende afirma que quis trazer ao Brasil um debate global. “Está em curso nos países desenvolvidos uma revisão conceituai dos fundamentos da política monetária”, explica. “A maioria dos economistas brasileiros, compreensivelmente imersos no turbilhão da crise, não acompanha com atenção esse debate.”
ÉPOCA – O senhor levantou, recentemente, o debate sobre a eficácia dos juros altos contra a inflação. Foi alvo de críticas. Sentiu-se mal compreendido pelos colegas?
André Lara Resende – De forma alguma. Acho que o debate tem sido interessante e muito útil. As razões da baixa eficácia dos juros altos no Brasil vêm sendo discutidas há tempos entre os economistas. Em paralelo, a partir da experiência heterodoxa dos bancos centrais depois da crise financeira de 2008, está em curso nos países desenvolvidos uma revisão conceituai dos fundamentos da política monetária (o esforço de um governo para lidar com a inflação, tendo como principal instrumento os juros). O arcabouço teórico da macroeconomia contemporânea ficou anacrônico e precisa de revisão profunda. Acho que a maioria dos economistas brasileiros, compreensivelmente imersos no turbilhão da crise do país, não acompanha com atenção esse debate. Nos Estados Unidos, onde os ânimos andam ainda mais tensos, a política monetária não está entre os temas mais candentes.
ÉPOCA – Sua tese associada à experiência da “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff (que baixou rapidamente os juros e os manteve baixos, ao que se seguiu um período de inflação alta). Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, referiu-se a ela como “atalho”. Aplicar a tese numa economia de histórico inflacionário, como o Brasil, não é arriscado?
Lara Resende – O ponto mais controverso que expus é a hipótese de a taxa de juros, se mantida por muito tempo num determinado nível, levar as expectativas e a própria inflação a convergir para ela. O resultado surpreende porque reverte a tradicional relação entre a taxa de juros e a inflação. Embora aparentemente heterodoxa, é resultado lógico dos modelos macroeconômicos contemporâneos de referência. A hipótese não pode ser entendida como um atalho para baixar a inflação. Ao contrário: o ponto central do novo arcabouço macroeconômico é a chamada Teoria Fiscal do Nível de Preços, segundo a qual a verdadeira âncora da inflação é o equilíbrio fiscal (o equilíbrio das contas públicas). Sem ele, a política monetária é pouco eficiente e pode até mesmo ser contraproducente. Por isso, as políticas monetária e fiscal devem ser coordenadas.
ÉPOCA – Se a saída está na organização das contas públicas, é possível afirmar que a condução dos juros no Brasil, desde que a inflação voltou a subir, não surtiu efeito?
Lara Resende- Não sei dizer se a política monetária foi inútil nem se a queda da inflação agora resulta dos juros altos. Isso exigiría um estudo empírico cuidadoso. Mas causa estranheza que a inflação tenha demorado tanto a cair, apesar da recessão gravíssima e da taxa de desemprego alta dos últimos dois anos.
ÉPOCA – A queda da inflação e dos juros mostra que o pior da crise já passou?
Lara Resende – Ao menos em relação à economia, sim. Mas é difícil ser muito otimista. A crise política ainda está longe do fim, a incerteza é detratora do investimento e sem ele a recuperação fica comprometida. É provável que o Produto Interno Bruto se estabilize e cresça um pouco, mas nossas questões estruturais graves ainda estão aí para ser resolvidas. É preciso modernizar o Estado, hoje oneroso e ineficiente, abrir a economia, hoje excessivamente concentrada e fechada à competição externa, e avançar muito na educação. Só assim haverá ganho consistente de produtividade, que é a chave para o crescimento sustentado.
ÉPOCA – Cortar gasto público é difícil. A política de juros atual e passos como a aprovação da PEC do teto do gasto público bastam para que se retome o crescimento?
Lara Resende – Cortar é sempre difícil, mas não há alternativa. Estamos à beira de uma crise fiscal séria, como fica evidente pela situação dos estados. Sem credibilidade fiscal, a política monetária é impotente. O gasto público no Brasil está próximo de 40% da renda, no patamar de países desenvolvidos, mas com serviços públicos da pior qualidade. O Estado custa caro e oferece pouco. É uma calamidade a situação da segurança, da saúde e da educação, áreas em que o Estado é fundamental. Modernizá-lo é urgente.
ÉPOCA – O senhor foi um criador do Plano Real. De lá para cá, o meio econômico se tornou mais avesso ao debate?
Lara Resende – Não acho que haja maior aversão ao debate. As pessoas sempre foram muito mais conservadoras do que se imaginam. Entendo o papel de um conservadorismo político e social ilustrado. Mas o conservadorismo intelectual me espanta, pois parece uma contradição. Desde cedo, desconfiei da ortodoxia para combater inflações crônicas, como a do Brasil na segunda metade do século XX. Rudiger Dornbusch, meu professor no MIT, sempre questionou o que ele considerava minha insistência em dar atenção a argumentos não convencionais sobre inflação. De volta ao Brasil, desenvolví, com um grupo de economistas, as bases conceituais sobre a inércia dos processos inflacionários crônicos. Ocorreu-me que o problema poderia ser resolvido pela indexação da própria moeda. Publiquei minha proposta sobre o tema e a repercussão foi grande. A reação da grande maioria dos analistas, com algumas exceções, a mais influente delas sendo Mário Henrique Simonsen, foi extremamente crítica. Fui convidado a expor a tese em Washington e escrevi, com Pérsio Arida, um artigo que serviu de base para o Plano Real.
ÉPOCA – O Banco Central foi conservador ao não baixar os juros antes?
Lara Resende – Acho que a política monetária, e não a fiscal, deveria ter sido mais expansionista (ou seja, os juros deveríam ter caído para aquecer a economia) logo após a crise financeira internacional de 2008. Mas não se pode afirmar que o Banco Central tenha sempre sido mais conservador que o necessário.
ÉPOCA – Em 2011, o então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, cortou juros num período em que a economia estava superaquecida e a inflação em trajetória de alta. Foi muito criticado. Na visão de muitos, isso ajudou a causar o desastre econômico.
Lara Resende – O corte dos juros em 2011 foi infeliz, sobretudo por dar a impressão de que decorria da pressão da Presidência da República. Apesar disso, acho que a política monetária contribuiu pouco para o desastre econômico. O BC tem quadros competentes e, milagrosamente, a diretoria sempre foi ocupada por profissionais qualificados. A catastrófica gestão econômica dos governos do PT, depois do primeiro mandato do presidente Lula, se deve muito mais a uma visão patrimonialista arcaica do Estado, combinada com uma política fiscal absolutamente irresponsável.
ÉPOCA – O senhor conversou com o presidente do Banco Central, Man Goldfajn, sobre a nova tese a respeito de juros?
Lara Resende – Não, mas não tenho dúvida de que ele e sua diretoria sejam altamente qualificados. Eu seria mais agressivo na redução dos juros a partir de agora, mas compreendo as razões para ser cauteloso. Para um banqueiro central, é fundamental estabelecer a reputação de independência em relação a pressões espúrias. A queda da taxa de juros precisa ser entendida como parte de uma política coerente e não como uma irresponsabilidade voluntarista. É nesse sentido que considero importante a discussão aberta, não restrita aos especialistas, das questões propostas em meu artigo. ♦
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