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O economista e professor Edmar Bacha, peça central para a criação do Plano Real, que completa 25 anos, admite que havia uma expectativa infundada, durante o lançamento da mais longeva moeda do país, de que os principais problemas da economia seriam resolvidos depois da derrota da hiperinflação. “Achávamos que o país decolaria. Mas o buraco era bem mais embaixo”, diz. O motivo para a frustração: “O Brasil era um país mais complicado do que a gente achava”. No entender dele, se o governo não resolver a dramática situação das contas públicas, que passa pela reforma da Previdência, o colapso do país será iminente. Bacha diz ainda que, diante da calamidade do desemprego — mais de 13 milhões de pessoas estão sem trabalho —, o Banco Central poderia reduzir a taxa básica de juros (Selic), que está em 6,5% ao ano. “Será uma boa ajuda, mas não resolverá todos os problemas”, destaca. O professor é enfático: “Sem crescimento, não há como se falar em redução das desigualdades sociais”. Nos anos de 1970, auge da ditadura militar, ele criou o termo Belíndia, para mostrar que o Brasil tinha uma Bélgica cercada por uma grande Índia. A decepção é que, desde então, nada mudou. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Que lição podemos tirar desses 25 anos do Plano Real?
Que o Brasil é mais complicado do que a gente achava. Não é para principiantes, nem para profissionais. Houve uma expectativa infundada de que, se tirássemos a inflação da frente, o país decolaria. Mas o buraco era bem mais embaixo.
Mas o país conseguiu domar a inflação, e parece que ela não é mais problema. Qual o caminho para retomar o crescimento econômico?
O copo está meio vazio e meio cheio. O meio cheio é que os grandes problemas do Real eram o câmbio e os juros, e hoje não são mais problema. Estamos com uma posição extremamente confortável de reservas internacionais, e o Brasil é credor internacional. Naquela época, o país tinha uma dívida externa, ou dolarizada, muito forte, e tinha que segurar as coisas no câmbio. Hoje, estamos com câmbio flutuante, com reservas folgadas, com deficit em conta-corrente, que é amplamente financiado por investimento estrangeiro direto. A política externa é outro mundo, mais favorável, assim como a política monetária. A primeira taxa de juros pós-Real foi de 8% ao mês, hoje, estamos com 6,5% ao ano. No dia anterior (ao Plano Real), era de 40% ao mês. Foi uma taxa de juros extremamente elevada durante todo esse período e, atualmente, estamos com uma taxa civilizada e com muito mais flexibilidade na política monetária, porque, antigamente, tínhamos um sistema bancário quebrado e que, hoje, está sadio. Acabamos praticamente com os bancos estaduais. Fizemos um processo de recuperação do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, e os bancos privados que não davam conta do recado foram todos liquidados. Então, a situação financeira e monetária é incrivelmente melhor hoje em dia.
E por que o país não cresce?
Por causa do copo vazio. Está vazio no fiscal. Naquela época, tínhamos uma situação fiscal que parecia ruim, mas, comparada com a de hoje, era relativamente muito mais fácil, pois havia espaço para o governo se endividar e para aumentar impostos. Infelizmente, usamos e abusamos dessas duas possibilidades e, ao longo desse período, o gasto público só foi crescendo. E é o gasto ruim que cresce, pois não há investimentos públicos. E isso acontece porque o grande gargalo é fiscal. Não tem mais como o governo se endividar, não tem mais como aumentar o imposto, e tem que enfrentar a barra pesada da redução dos gastos. Esse é o grande empecilho hoje em dia.
Com a economia no limbo, há uma pressão para o Banco Central reduzir ainda mais os juros. É possível?
Acho que dá, considerando a inflação sob controle e o nível de atividade muito ruim, vide a taxa de desemprego. Creio que há espaço para o BC baixar mais meio ponto. Quando a inflação está sob controle, o corte de juros não afeta negativamente as expectativas. Mas não existe um número mágico para os juros. Política monetária é uma arte, não uma ciência.
Hoje, o BC tem uma credibilidade grande em relação ao manejo da política monetária, mas sabe que, com inflação, não se brinca.
O atual BC é melhor que o do último período do governo Dilma. Mas sempre é bom ir devagar. O que aprendemos é que você vai sondando o ambiente. Baixa 0,25 ponto percentual primeiro. Dá uma olhada, dá uma paradinha, cai mais 0,25 ponto depois. Se o câmbio começar a subir muito, você se controla. Se tiver uma safra agrícola ruim, você se controla. O fato é que estamos com um desemprego muito importante e não dá para continuar nessa situação. Tem que dar uma mãozinha.
Mas a queda dos juros, sozinha, resolve tudo?
Claro que não. Nem a queda de juros, nem a reforma da Previdência. Juros mais baixos podem ajudar a resolver um pouco essa taxa escandalosa de desemprego. Inclusive, é pelo desemprego que a gente está piorando a questão da distribuição de renda. Portanto, se baixar os juros sem aumentar a inflação, a distribuição de renda vai melhorar. A questão da Previdência é essencial para evitar um estouro da dívida pública. Não há como conter o crescimento do gasto se não segurar, em primeiro lugar, a Previdência e, em segundo lugar, a folha com o pessoal do governo.
As políticas do atual governo estão no caminho certo? O que foi dito em termos de política econômica é o que tem que ser feito?
Acho que, da boca para fora, está de bom tamanho. Agora, é preciso colocar as coisas em ordem. Colocar as coisas para funcionar. Mas isso não está acontecendo. Um exemplo concreto: o governo deixou caducar a Medida Provisória do Saneamento Básico, que foi enviada pelo governo Temer, porque não soube mexer a articulação do Congresso e entre os governadores. Há toda uma questão legal na área de saneamento que precisa ser resolvida. Depois, precisa ter um clima de confiança para que projetos de parcerias público-privadas possam ser executados pelas áreas que não são autofinanciáveis e naquelas em que não houver regulação adequada. O setor privado está disposto a investir. Tudo isso implica um grau de articulação governamental. É preciso ressaltar que saneamento é infraestrutura, e os investimentos em infraestrutura são importantes para o projeto de retomada de crescimento da economia, que esse governo até agora não demonstrou ser capaz de colocar na mesa.
Logo após a eleição de Bolsonaro, criou-se a perspectiva de que o Brasil poderia crescer até 3% neste ano. Agora, todas as projeções apontam para avanço inferior a 1% por causa das falhas na articulação do governo.
Na verdade, foi pior do que isso, pois, além de não articular, (o governo) fica dando tiro no pé todo dia. Então, é um governo que não precisa de oposição, porque faz oposição a si mesmo. Tem um problema de articulação com o Congresso, com os governadores, que é sério, e é preciso acabar com essas briguinhas idiotas dentro do governo.
Pelo que se viu até agora, o governo optou por priorizar a agenda de costumes em vez da agenda econômica. Isso atrapalha muito?
Com certeza, porque essa agenda de costumes é muito mais controversa do que, por exemplo, colocar a infraestrutura para funcionar, fazer obras de saneamento. Tudo isso é muito mais importante do que querer armar a população, que já demonstrou que não quer e a experiência internacional mostra que é extremamente negativa. Tem uma pesquisa recente nos Estados Unidos mostrando que, onde as pessoas são mais armadas, há mais crimes.
Há quem diga que a reforma da Previdência é o Plano Real desta geração. O senhor concorda com isso?
É um exagero. Sair de uma inflação de 3 mil por cento ao ano para uma inflação de 5% é uma coisa. Outra coisa é conseguir fazer reforma da Previdência, mas também é verdade que, até agora, a gente não conseguiu fazer. Perdemos, há 20 anos, por um voto (do deputado Antonio Kandir, do PSDB).
A reforma da Previdência é uma bala de prata?
Não acho que é bala de prata, apenas é uma condição para o Brasil não afundar de vez. Com certeza, é uma abertura de portas, e é preciso andar com as portas abertas.
A reforma da Previdência é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Como o senhor vê a Constituição Cidadã? Foram assumidos muitos compromissos?
Com certeza. Antes do lançamento do Plano Real, havia um Congresso revisor, portanto, era mais fácil passar reforma constitucional. Além do Fundo Social de Emergência, a equipe econômica mandou para o Legislativo um conjunto de 83 emendas constitucionais, das quais foram aprovadas, exatamente, zero. E todas elas no sentido de flexibilizar a economia. Tanto que chegou novembro de 1993 e, no desespero que só tinha mais um mês revisor, a última rodada foi tentar desconstitucionalizar tudo e poder implementar as reformas através de leis complementares, o que, obviamente, também não foi aprovado. Essa é a nossa realidade política e a do presidencialismo complicado que a gente tem.
Falou-se muito em renovação recorde do Congresso. É possível o Legislativo dar uma resposta mais ágil à sociedade?
O Congresso até está surpreendendo positivamente desse ponto de vista. A gente tem o Centrão lá, mas aquela visão de cada Congresso é pior do que o anterior, não está se confirmando, acho que esse não é tão ruim quanto o anterior. Inclusive, o esforço que está havendo, face à inoperância do Executivo, de tentar organizar uma pauta positiva, é muito bom.
A percepção que se tem hoje é de que há um parlamentarismo branco, dados todos esses defeitos do presidencialismo de coalizão.
O problema é que o presidencialismo de coalizão do Fernando Henrique tinha se transformado em um presidencialismo de cooptação com o Lula. Certamente, agora, com o Bolsonaro, temos um presidencialismo de colisão.
Quais são as emergências para o Brasil?
A questão fiscal, amplamente entendida, é a coisa mais urgente, para colocar a dívida pública em uma trajetória de reequilíbrio e para abrir espaço para investimentos. Fora isso, há toda uma questão da regulação econômica que precisa ser feita de forma mais eficaz e permitir investimentos substantivos de infraestrutura por parte do setor privado. Outro ponto é a abertura da economia.
O Brasil ainda é um país muito fechado. E tem o lobby do empresariado.
Um lobby fortíssimo, e nem se ousa falar desse assunto atualmente.
Com mais de 13 milhões de desempregados, a abertura da economia não poderia piorar o desemprego?
Esse é que é o problema. Tem que haver uma abertura que seja expansionista, que seja baseada não só em aumento das importações, mas também em aumento das exportações.
O Brasil ainda é um país muito fechado, não é?
O Brasil se voltou muito para si mesmo. Nos anos 1960 e 1970, tínhamos um PIB per capita igual ao da Coreia do Sul, que se abriu naquele período e tem, hoje, um coeficiente de abertura (exportação/importação) da ordem de 120% do PIB. Nós temos 25%. A Coreia é hoje um país desenvolvido e totalmente integrado às cadeias internacionais de valor. O Brasil só tem um 1% das exportações mundiais.
Na ditadura militar, o senhor criou o termo Belíndia. O Brasil tinha uma Bélgica cercado por um grande Índia. Isso mudou de lá para cá?
Mudou nada. A desigualdade é nossa característica fundamental desde sempre.
Tem solução?
Os programas de transferência de renda foram muito importantes. O sistema de cotas ajuda também. A gente está tentando, mas o quadro é bem complicado.
Olhando 25 anos para frente, que Brasil vamos ter?
Temos que vencer os desafios do passado para podermos ser capazes de lidar com os desafios de futuro. O problema é que estamos carregando um peso do passado, e a gente não consegue colocar o país em ordem. Enquanto isso, a inteligência artificial está por todos os lados, e nós estamos engatinhando.
Mas aí entra a educação, e o que a gente vê é uma guerra ideológica em torno da educação. Não deveria haver mais investimento?
Quando se fala em investir, não é uma questão de gasto, mas de ter uma política educacional eficaz. Acho que a gente já gasta com educação uma porção muito significativa do PIB. Tem espaço para gastar mais, com certeza, dadas as ineficiências que o país tem, mas tem tanta coisa para ser melhorada em termos de gestão.
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