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Sem o Sistema Único de Saúde (SUS), os resultados do Brasil no enfrentamento da pandemia teriam sido ainda piores que as mais de 150 mil mortes provocadas pela covid-19. Mas se o SUS é uma boa política pública que precisa de mais recursos, como elevar o financiamento à saúde em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) em tempos de ajuste fiscal? A saída para o SUS passa por uma revisão do conjunto dos gastos públicos, reversão de alguns subsídios fiscais e pode incluir a adoção dos chamados “tributos saudáveis”, que, por incidirem sobre hábitos e alimentos que prejudicam a saúde e geram despesas para o sistema público, como bebidas, cigarro e açúcar, podem ter um duplo efeito positivo, dizem Arminio Fraga e Miguel Lago, respectivamente presidente do conselho e diretor-executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), fundado há um ano.
Fraga, ex-presidente do Banco Central, é um defensor da responsabilidade fiscal, mas tem apontado a necessidade de o país aumentar a proporção do gasto público em saúde. Mas além de mais recursos, o SUS também precisa de mais gestão e tecnologia, com foco na atenção primária, ponderam Fraga e Lago em entrevista concedida ao Valor, por e-mail.
Valor: O SUS é uma boa política pública? Por quê?
Arminio Fraga e Miguel Lago: O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento com um sistema público e gratuito de saúde para todos seus cidadãos. Nenhum país no mundo com mais de 200 milhões de habitantes tem um sistema universal, isto é acessível para todos sem distinção de renda, raça ou gênero. Desde que se criou o SUS, cresceu a expectativa de vida, caiu a mortalidade infantil e se garantiu equidade no acesso à saúde.
Valor: Os senhores têm dito que o Brasil gasta pouco em saúde me proporção do PIB. Se é preciso investir mais em saúde, onde o SUS deve concentrar seus recursos/atuação?
Fraga e Lago: Existem aqueles que pensam que o SUS precisa de mais recursos. Outros que o SUS precisa de mais gestão e tecnologia. Nós concordamos com ambos. Comparativamente a outros países com um mandato similar ao SUS, o Brasil investe muito pouco em saúde. Investimos menos de 4% do PIB. O Reino Unido investe quase 8%. A França e Alemanha chegam perto de 10%. É imperativo que se invista mais no SUS, mas isso não basta. Existe muito espaço para melhorar a implementação na ponta. Essa semana o IEPS lançou o saudenacidade.org/, que traz um conjunto de propostas para os prefeitos melhorarem substancialmente os serviços de saúde.
Valor: Que reformas precisam ser feitas no funcionamento do SUS?
Fraga e Lago: Para começar, precisamos dar mais ênfase e aprimorar a atenção primária. Ela é a principal porta de entrada e organizadora de todo o sistema. Precisamos, portanto, de mais qualidade e resolutividade, o que desafogaria o resto do sistema e melhoraria a vida das pessoas. O que é necessário para isso? A literatura sugere caminhos de experimentação no âmbito da gestão, dos recursos humanos, da tecnologia, da promoção de saúde. A regionalização é outro tema chave, sobretudo no que diz respeito à escala dos hospitais, frequentemente determinada por critérios não econômicos.
Valor: Se o SUS precisa de mais recursos, como financiá-lo em tempos de ajuste fiscal? Há outros espaços para ganhos de arrecadação?
Fraga e Lago: Para rever o orçamento total do SUS, para chegarmos na média da OCDE que é de 6,6% do PIB, precisaríamos realmente de uma rediscussão sobre prioridades para o gasto público, o que implicaria definir onde cortar para investir mais na saúde pública. Outros caminhos seriam a revisão dos subsídios dirigidos ao setor, alguns claramente pouco justificáveis, e a criação de impostos no formato de excise – os tributos saudáveis, sobre tabaco, álcool, açúcar, produtos que em última instância aumentam a demanda pelos serviços de saúde.
Valor: Qual pode ser o impacto de um eventual fim dos descontos de saúde no imposto de renda?
Fraga e Lago: Os descontos são um subsídio ao gasto dos que pagam mais imposto de renda. Como mencionamos, cabe uma revisão criteriosa desses subsídios, como aliás cabe de muitos outros subsídios existentes no país.
Valor: No enfrentamento da pandemia, onde o país foi bem?
Fraga e Lago: Do lado da assistência social, apesar de lenta no início, a ajuda veio em grande escala, especialmente para as famílias. Na sequência, houve redução do auxílio, e agora paira no ar o futuro do programa, dadas as severas restrições fiscais que foram legadas por erros passados. Do lado das empresas, sofreram mais as que atuam em contato mais direto com seus clientes. Programas de postergação do pagamento de impostos e de financiamento subvencionado da folha de salários foram criados. No geral, a resposta fiscal foi substancial, mas claramente não é sustentável. Só o tempo dirá se o amortecimento da recessão mais do que justificou o relevante aumento da dívida pública. Na saúde, faltou mais ênfase em protocolos básicos, como o uso de máscaras e o respeito ao distanciamento social, ambos desprezados por altas autoridades da república. Faltou também testagem em grande escala, e a estrutura de atenção básica, a maior do mundo, não foi bem aproveitada, por falta de planejamento e equipamento. Do lado positivo, vale ressaltar que o desastre não foi maior porque alguns prefeitos e governadores souberam devidamente ativar o SUS para conter a pandemia. Sem o SUS, teria sido ainda pior.
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