Data:
Autor:
Veículo:
Compartilhe:
Paulo Hartung*
José Carlos da Fonseca Jr.**
Welber Barral***
A atual combinação de temporalidade vertiginosa com abalos político-econômicos em cadeia vem gerando uma era de instabilidades sísmicas. A instantaneidade da informação e o ímpeto das correntes de comércio, das engrenagens financeiras, dos investimentos e das cadeias de valor, processos cujos ápices se refletiam em acelerada globalização, agora configuram cenário em xeque, nas múltiplas dimensões das relações econômicas internacionais e da geopolítica.
Por oito décadas, a Pax Americana serviu de palco para sucessivos desenhos de arquitetura político-diplomática, desde as instituições de Bretton Woods, passando pela descolonização supervisionada pela ONU, pela temerária bipolaridade nuclear da Guerra Fria e pela queda do muro de Berlim, por diferentes momentos de crises econômicas, de recessão, de instabilidade financeira. Em todas essas conjunturas, a liderança hegemônica dos EUA manteve-se firme, depois de eclipsar a Pax Britannica na virada para o século XX.
A inflexão no sistema internacional, representada pelo atual momento em Washington, marcará 2025.Surpreendente é que as placas tectônicas desse sistema tenham sido movidas justamente pelos EUA, que não só lideraram, como também foram os grandes beneficiários do desenvolvimento das últimas décadas. Mesmo o suposto declínio norte-americano, uma das motivações da nova eleição de Donald Trump, não encontra pleno respaldo na realidade. Embora a desindustrialização tenha realmente impactado algumas regiões nos EUA, em segmentos que perderam competitividade, diante das cadeias produtivas transnacionais, os EUA asseguraram seu protagonismo em serviços e produtos de alto valor agregado. Para isso, contribuíram os avanços conquistados em atividades de ponta, por sua pujança em inovação, ciência e tecnologia. Isto explica porque, mesmo depois da crise do sistema financeiro de 2008 e da recessão que se seguiu, o estado mais pobre dos EUA (Mississippi) tem hoje PIB per capita superior à da França, do Reino Unido, Itália e até do Japão, conforme o FMI.
Só o tempo revelará se as atuais transformações refletem a “fluidez do mundo líquido” de Zygmunt Bauman ou se indicam o surgimento de nova realidade. Fato é que instabilidade acompanha o retorno do presidente Donald Trump à Casa Branca. Seu estilo radicalmente transacional, muitas vezes errático e desrespeitoso com a diplomacia tradicional, desconsiderou conceitos como friendshoring e nearshoring. Suas primeiras medidas protecionistas atingiram justamente vizinhos como Canadá e México, e aliados antigos como a União Europeia, tratados inicialmente de forma similar à China.
Após uma escalada preocupante na guerra tarifária com a China, a intensidade diminuiu com uma trégua de noventa dias. A disposição para negociar, sempre impulsionada pela redução de tarifas alheias, levou a vago acordo com o Reino Unido e ameaça à UE – que já se comprometeu a aumentar seu orçamento de defesa.
Para muitos analistas destes tempos extraordinários, é vantajoso não frequentar o radar das prioridades trumpistas, como parece ser o caso do Brasil. O país, com efeito, vem exercitando moderação e contenção em suas reações, refletindo maturidade à altura das melhores tradições de sua política externa. Merece reconhecimento a voz do vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckimin, que soube dar o tom adequado, preservando canais de interlocução. Atitudes precipitadas ou menos atentas às implicações teriam sido erros de difícil superação. Na diplomacia, como na política, o tempo é elemento fundamental; tampouco deve haver gesto gratuito e, como para a física, a toda ação corresponde uma reação. Foi o tempo que ensejou uma desescalada, ainda que temporária, da polarização tarifária entre Washington e Beijing, reabrindo canais para o diálogo em curso. Tendo a China como maior parceiro comercial, seguida dos EUA, tudo que o Brasil não pode é fazer são opções excludentes. Jogar com o tempo para dialogar com nossos principais parceiros é o bom desafio para o Brasil. E também preparar-se para oportunidades que inevitavelmente se abrem em conjunturas turbulentas e instáveis.
Com seu perfil de grande produtor de alimentos, fibras, minerais e energia, o Brasil já identifica essas oportunidades, como as estatísticas até abril já demonstram. Os desvios de comércio ocasionados pelas ondas protecionistas podem trazer oportunidades em mercados que deixam de ser abastecidos por concorrentes – é o caso das exportações de proteína animal para a China e até para os EUA (até as recentes restrições pela gripe aviária no Brasil). Do outro lado, desvios de comércio podem atrair para o mercado brasileiro a sobrecapacidade em certos produtos originários da China, dos próprios EUA e da UE. Em qualquer hipótese, a destreza e a perícia com que devemos manejar os instrumentos de política comercial serão testados. Inquestionavelmente, e para o bem e para o mal, há um indício no ar de que, à maneira da canção de Milton Nascimento, “nada será como antes”.
(*) Economista, presidente da Ibá, membro do conselho consultivo do Renovabr, ex-governador do estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
(**) Embaixador e presidente-executivo da Empapel e do Advisory Committee on Sustainable Forest-Based Industries (acsfi), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
(*) Advogado, sócio da BMJ Consultores Associados.
Av. Padre Leonel Franca, 135, Gávea
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
CEP: 22451-041
Desenvolvido por Studio Cubo