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Há muitos ângulos agudos no arcabouço, os técnicos só falam nisso. Minha colher é quase que apenas gramatical.
A primeira é freudiana: as pessoas que o desenharam não acreditam em responsabilidade fiscal, chegando, recentemente, a descrever o teto de gastos, como um retrocesso nos Direitos Humanos1.
Portanto, o arcabouço é uma reza de quem não tem essa fé e está contrariada em beijar a Cruz. É fácil ver por que “calabouço” é bem mais que uma rima.
Outro assunto vernacular é o “sustentável”, na ementa do texto apresentado.
A ementa é o descritivo em uma frase, que consta em toda norma legal, uma síntese do ato proposto, geralmente em corpo menor, à direita do texto, em cima.
Para o arcabouço lê-se: “Institui regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica” (itálicos meus).
Poderia ser virtuoso, equitativo, equilibrado, honesto, sincero, harmônico. Mas o adjetivo escolhido foi sustentável, tal como já estava escrito na EC126 (a PEC da Transição).
Duplamente exótico, portanto.
Equivale a mandamento constitucional pelo qual o governo enviará ao Congresso um plano econômico bem-sucedido, ou uma reforma monetária criando uma moeda estável, ou ainda um congelamento que assegura a estabilidade dos preços.
Nem mesmo a Constituição pode transformar políticas tortas em bons resultados, independente das boas intenções.
No caso específico do arcabouço, penso que há uma fórmula muito objetiva de aferir o seu sucesso: a recuperação do “grau de investimento”.
Do que se trata?
Agências internacionais especializadas dão notas para o risco soberano dos países, ou seja, avaliam o “sustentável” de que falamos logo acima. Precisamos aqui de uma opinião neutra, externa e aceita internacionalmente, não?
Hoje, a nota do Brasil é ruim, algo entre 3,5 e 4,5, numa escala de 0 a 10. Notas maiores do que 5,0 e 5,5 definem o “grau de investimento”, ou seja, os países sérios em se tratando de finanças públicas.
Mas se, em vez de saneador, o arcabouço for uma espécie de “arroz com feijão”, a nota não vai melhorar e será impossível afastar a impressão de que o governo está enrolando e viciado em irresponsabilidade fiscal.
A situação evoca a observação de Tim Maia quando instado a negar o uso de drogas: “Não fumo, não bebo e não cheiro. Meu único vício é a mentira”2.
(1) Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico. E. Dweck et al. (orgs.), SP, Autonomia Literária, 2020, p.11 passim.
(2) G. H. B. Franco & F. Giambiagi (orgs.) Antologia da Maldade, Rio, Zahar, 2015, pag. 262.
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