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Somos um país de renda média e também um dos mais desiguais, atrasado portanto
Entrego aqui o primeiro artigo para o espaço mensal que esta Folha acaba de me conceder e pelo qual sou grato.
Temendo algum bloqueio, sentei para escrever na Sexta-Feira Santa. Naquele dia, no caderno Mercado, li uma matéria sobre a evolução da participação do nosso PIB no PIB mundial desde 1980: caiu de 4,4% para 2,5%. Se tivéssemos acompanhado a média do crescimento global, teríamos um PIB 76% maior. Imaginem só como seria.
Com frequência se diz que o Brasil é a oitava economia do mundo. Tudo bem, não é de se jogar fora. Mas o que importa mesmo é a renda per capita, e aí caímos para a 75ª posição. Somos um país de renda média e também um dos mais desiguais, atrasado portanto. Refiro-me a dados do FMI e do Banco Mundial.
Estamos como na estorinha irlandesa: um viajante perdido no campo verde para na estrada e pergunta a um velho pastor como se chega a Dublin. Ele responde: “Não sei, mas não começaria aqui…”.
Como não temos essa opção, nos resta por ora evitar problemas maiores e avançar onde der. Mas as pessoas estão descrentes de tudo e todos, e sentem que se exige mais sacrifício dos que menos podem, não sem razão. Quero discutir neste espaço como criar genuínas oportunidades para os que menos podem e como exigir dos que mais podem uma contribuição relevante.
Um país atrasado em tese deveria ser capaz de acelerar seu crescimento investindo mais do que os avançados, especialmente em gente, e absorvendo melhores tecnologias e práticas. Não foi o que aconteceu aqui. Isso fica claro quando se compara a evolução da nossa renda per capita com a dos Estados Unidos. A comparação é deprimente: estamos em torno de 20% desde 1960.
Perdura uma certa nostalgia quanto ao período do pós-guerra, quando atingimos 29% da renda americana, mas se ignora que a estratégia adotada (economia fechada e estatizada) foi incapaz de nos levar até os padrões de vida dos avançados, por falhas fatais de desenho (fragilidade macroeconômica, descaso com educação e desigualdade). A economia acabou se espatifando na década perdida de 1981-1993, quando se devolveu boa parte dos ganhos auferidos desde 1960.
Verdade que desde então avançamos bastante com a estabilização e a mudança de foco do Estado a partir de 1995, mas aos poucos um bom caminho foi sendo abandonado. A partir de 2011, o intervencionismo e a radical perda de disciplina fiscal levaram a um novo colapso. Foi uma volta a erros do passado, amplamente apoiada pelo andar de cima. A queda na renda per capita repetiu os 10% da década perdida, desta vez em um terço do tempo. Voltamos aos 20% da renda americana de 1960.
Não fora suficiente a atual depressão econômica, metade das pessoas empregadas não tem carteira assinada e se aposenta mais tarde. A educação continua deficiente e metade das moradias não tem esgoto adequado. Não há solução para melhorar a vida de quem mora nas favelas e tampouco para a violência. E por aí vai.
E agora? Como construir um caminho para um desenvolvimento mais inclusivo, acelerado e sustentável? Estamos diante de múltiplas crises, que se reforçam, desafiam as instituições e ameaçam a qualidade da democracia. Difícil imaginar um caminho completo, coerente e viável a partir daqui.
No momento a prioridade é a reforma da Previdência, passo crucial para sanar a crise fiscal e redutora ela própria de desigualdade. Urge também uma reforma do Estado, que precisa fazer mais com menos. Em ambos os casos as resistências já estão se armando. Como parte da resposta, urge também a eliminação dos subsídios e vantagens tributárias aos de renda mais alta, que envenenam o tecido social. Só assim as pessoas apoiarão as transformações necessárias.
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