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Em 20 de janeiro, Martin Wolf, o mais importante comentarista econômico da atualidade, publicou um brilhante artigo no Financial Times, defendendo o capitalismo democrático. O tema é ao mesmo tempo antigo e mais do que quente. Democracia e capitalismo são notoriamente imperfeitos, mas são de longe os melhores arranjos já construídos em cada campo.
Wolf argumenta que “as democracias liberais são as mais bem-sucedidas sociedades da história da humanidade, em termos de prosperidade, liberdade e do bem-estar da sua gente. Mas elas são frágeis”, podendo perder sua legitimidade se a população se sentir mal representada na política ou mal servida pelo capitalismo (e pelo Estado, digo eu). Nesses casos, frequentemente em ambos, aumenta o risco de descambar para regimes plutocráticos (nos quais o dinheiro concentrado em poucas mãos é quem manda) ou autocráticos (em que o poder fica concentrado pela via do populismo e a liberdade fica prejudicada).
A essência dos dois sistemas é a concorrência entre partidos e entre empresas “no contexto de regras e valores internalizados pela sociedade e incorporados às leis”. Esse mecanismo depende de uma delicada plantinha chamada confiança, difícil de construir, fácil de perder.
A condição fundamental para que a democracia liberal e o capitalismo de mercado sobrevivam é ter sucesso na promoção de melhorias continuadas na qualidade de vida das pessoas, compartilhadas pela maioria. Em particular, há que ter expectativa de mobilidade social para todos, na forma de oportunidades e de alguma proteção social, esta um pilar do Estado do bem-estar.
E nós, como andamos aqui no Brasil? Em abril de 2019, esta Folha me convidou para escrever uma coluna mensal. Desde então, tenho procurado me concentrar nos desafios que temos de superar para atrelar o nosso vagão ao trem do desenvolvimento. Como disse o ganhador do Prêmio Nobel professor Robert Lucas, da Universidade de Chicago, “quando se começa a pensar [no desenvolvimento das nações], fica difícil pensar em qualquer outra coisa”. É o meu caso.
Como há muito espaço para melhorar em praticamente todas as áreas no Brasil, em tese deveria ser possível organizar a nossa vida política e econômica de forma a acelerar o crescimento e, assim, aproximar nosso padrão de vida daquele das economias mais avançadas, o que não ocorre há décadas.
Ao longo destes anos na Folha, procurei argumentar que o desenvolvimento em sentido amplo requer a redução das nossas imensas desigualdades, não “apenas” por razões éticas mas também para evitar as perdas de confiança salientadas por Wolf, com seus graves riscos de retrocesso. Para tanto, é imprescindível investir em capital humano, sobretudo para os mais pobres, o que reforça o crescimento. Portanto, como venho insistindo desde 2019, não há incompatibilidade aqui entre os objetivos de crescer e reduzir desigualdades, muito pelo contrário.
Uma condição necessária para que um prolongado ciclo de desenvolvimento se materialize é a existência de um Estado que cumpra bem o seu papel público, que não seja capturado por interesses de minorias poderosas, um antigo problema aqui, e que seja capaz de processar ao longo do tempo e dentro de um quadro de estabilidade macroeconômica as legítimas demandas de uma sociedade extremamente carente e desigual.
Esses desafios nos remetem ao campo político, onde o quadro não fica nada a dever ao econômico. A disfuncional polarização que descambou no 8 de janeiro precisa ser substituída por posições mais moderadas que ocupem com clareza o espectro ideológico. O ambiente político tem que deixar de ser fonte de incerteza que inibe a atividade econômica.
Não será fácil. Uma parcela significativa dos eleitores desconfia de nossas instituições e apoiaria um golpe. Felizmente, o comando das Forças Armadas se manteve fiel ao Estado de Direito constitucional e não embarcou em uma aventura fadada ao fracasso.
Agora, há boas razões para esperar que as instituições venham a ser lideradas por atores dispostos a passar a limpo através do devido processo legal as barbaridades que marcaram os últimos anos no país. Esse passo deverá ser acompanhado das revisões do arcabouço legal que nossos representantes eleitos entenderem necessárias.
Uma importante novidade no espaço político parece ser o surgimento de uma relevante parcela do eleitorado que exibe preferências de direita moderada. Minha esperança é que a esquerda hoje no poder deixe de lado o nós contra eles e a superada ideia de que os ganhos do capital só podem ocorrer à custa da exploração dos trabalhadores.
Numa economia competitiva, o capital se remunera pelo risco que corre e pelos resultados que gera, não por benefícios auferidos através de relações íntimas com o governo. Em assim sendo, os benefícios de uma crescente produtividade do trabalho são distribuídos aos trabalhadores. Dito de outra forma, as relações entre capital e trabalho não são um jogo de soma zero, pois criam e compartilham valor. Os milhões de pequenos empresários que trabalham no Brasil entendem isso melhor do que ninguém.
Cabe ao governo e ao Estado zelarem por um ambiente no qual essa máquina de gerar prosperidade funcione bem. Um sistema capitalista de mercado que opere sob os auspícios de uma democracia liberal e solidária deveria ser capaz de evitar abusos do poder econômico. Afinal de contas, a maioria deveria eleger um governo capaz de eliminar tais abusos e permitir o bom funcionamento do mercado, a mola mestra do desenvolvimento.
No Brasil, a democracia capitalista precisa ser aperfeiçoada na política e na economia. Uma só não basta. Esse é o grande desafio das elites políticas e econômicas do Brasil. De seu sucesso depende o futuro que queremos para o país.
Esta é minha última coluna neste espaço. Deixo aqui o meu agradecimento a quem me acompanhou e à Folha pela impecável hospitalidade.
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