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São Paulo
Ilan Goldfajn, 54, ex-presidente do BC (Banco Central), defende dois pontos para a recuperação econômica: vacina rápida e aprovação de reformas para gerar recursos.
“Se você cuidar bem da saúde, cuida bem da economia, e a prioridade 1, 2 e 3 para isso é a vacina”, afirmou à Folha na segunda-feira (4) o presidente do conselho do banco Credit Suisse Brasil.
Para o economista, a única maneira de a taxa básica de juros, no patamar mínimo histórico, voltar ao normal é com vacinação. A mudança na política monetária do BC, segundo ele, está diretamente ligada à condução da crise de saúde.
“Se tudo correr bem, normaliza, se tiver crise profunda, os juros têm que subir devido à crise. Quando os juros não sobem? Se tivermos uma economia que, em vez de recuperar, afunda de novo. Por que afundaria de novo? [Falta de] Vacina. Você vacina com a vacina”, diz.
Defensor de um programa social no estilo Bolsa Família, mas mais amplo, ele diz que o consumo das classes D e E, que será afetado pelo fim do auxílio emergencial, tende a se recuperar à medida que a população for vacinada e se sinta confortável para voltar a trabalhar.
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Em um cenário de juros baixos, quadro fiscal deficitário e inflação, qual a perspectiva para 2021?
O ano passado terminou com recuperação e a inflação um pouco em alta. No final do ano, a inflação deu um pouquinho de desacelerada e agora começamos o ano com a expectativa: será que a recuperação vai continuar? Será que a inflação continuará mais pressionada? Diria que provavelmente teremos recuperação em 2021, mas os riscos a esse cenário são basicamente dois.
Um é fiscal, temos um déficit elevado, uma dívida elevada, muita demanda, vinda de auxílios emergenciais a investimentos públicos e até vacinas, então tudo compete e não há dinheiro. Para gerar recursos, é preciso logo aprovar as reformas para ter espaço.
O segundo risco que mapeamos, e é o principal, é a Covid, é não conseguirmos controlá-la, é a vacina demorar muito e a recuperação ser abortada, porque você simplesmente acaba em muita crise. Não sei o quanto teremos de lockdown, se teremos lockdown, mas o risco à recuperação é a falta de controle e de vacina.
Em algum momento o Banco Central terá que elevar os juros?
Se tudo correr bem, com vacina, reforma e recuperação da economia, os juros têm que começar voltar ao normal. Porque um juro de 2% está abaixo do que chamamos de juro neutro, que é aquele quando a economia não está nem fraca e nem forte, a inflação está na meta, e ele tem que voltar para perto de 6% ao longo do tempo, ao longo dos anos.
Se tudo correr bem, devagarinho sairemos de 2% e vamos a 4%, 4,5%, depois a 6%, e, se o cenário estiver bom, fica nesse patamar um tempo, flutuando; se tiver muita inflação, sobe, se tiver recessão, cai, e assim vai. Temos juros do ano da Covid. Esperamos que 2021 seja o ano de saída da Covid.
Então uma mudança na política monetária está diretamente ligada ao sucesso da conduta da crise sanitária?
Exatamente. Se tudo correr bem, normaliza, se tiver crise profunda, os juros têm que subir devido à crise. Quando os juros não sobem? Se tivermos uma economia que, em vez de recuperar, afunda de novo. Por que afundaria de novo? [Falta de] Vacina. Você vacina com a vacina.
O ponto importante global e no Brasil é o esforço para debelar a Covid, é o que determinará tudo. A vacina, a capacidade de não ter lockdown. Há disputa entre vírus e a vacina no mundo todo: o vírus está pegando bem, com variações e mutações, e as vacinas precisam correr.
No Brasil, há ainda o agravante das reformas, do ajuste fiscal, que precisamos lidar, além de coisas mais estruturais, como a desigualdade, que sai reforçada da Covid.
O sr. citou lockdown. Como se posiciona sobre economia versus saúde?
Não há “trade off”, uma substituição entre saúde e economia é uma falsa dicotomia, é de curtíssimo prazo. Se você resolve saúde, resolve economia.
“Ah, vou liberar todo o mundo e a economia vai bombar” é [ação de] muito curto prazo. Não vejo e nunca vi que existe uma troca. Se você cuidar bem da saúde, cuida bem da economia. Para cuidar, a prioridade 1, 2 e 3 é a vacina.
O que esperar do consumo com inflação, fim do auxílio e uma nova onda de coronavírus?
Mais importante do que o auxílio para o consumo será a normalização das atividades. Se conseguirmos que todos se sintam confortáveis para trabalhar, o consumo retorna. Esse fator é mais importante do que qualquer outro. Da mesma forma que em 2020 o fator fundamental ao consumo foi a Covid, neste ano, o fundamental, para o outro lado, é a Covid também.
Para as classes D e E, que tiveram renda para consumir, será mais difícil diante do desemprego.
O auxílio emergencial teve um papel muito relevante aos vulneráveis. Há economistas falando que o auxílio foi importante como política de demanda, para aquecer a economia, mas, na minha visão, foi uma política social, de ajudar quem não tinha como sair para a rua, o autônomo, alguém que tinha uma barraquinha, o informal, foi essa turma que o auxílio emergencial segurou na crise.
Para este ano, temos que levar em consideração a Covid, que foi um grande fator de desigualdade. A saída da Covid vai ajudar também os mais pobres. Os fatores mais relevantes são sair da crise, conseguir vacinar todos a tempo e não abortar a recuperação. Isso impacta o consumo, a recuperação e a desigualdade.
O sr. citou que o auxílio foi uma política social. Defende um projeto de continuidade nesse sentido?
Temos que pensar em um programa social, no estilo Bolsa Família, que abarque mais gente e ao mesmo tempo defenda os informais, invisíveis, que estão fora. Às vezes, são pessoas não incluídas no Bolsa Família porque não são tão pobres, mas uma vez que passam por uma crise ferrenha como a de agora, perdem toda a renda e ficam sem rede de proteção.
Gosto muito do projeto de responsabilidade social, que acabou de ser colocado na pauta no Senado, já estão discutindo, é um projeto que faz exatamente isso. Coloca mais gente no Bolsa Família, protege mais e não necessariamente tem o gasto mensal do auxílio emergencial, porque, infelizmente, não conseguimos manter.
O BC tomou as medidas necessárias durante a pandemia?
Apesar de todos os percalços, a agenda do Banco Central está continuando o longo do ano todo, com risco político, diferentes condições internacionais, Covid, o Fed baixando juros, subindo juros, crises na Argentina, na Turquia, teve de tudo, e a agenda continuou.
Em relação à política monetária, defendi que precisávamos ir com cuidado, baixando juros com cuidado, porque em algum momento ia ter de subir, como é o caso que deve acabar acontecendo ao longo do ano.
Há previsão de quando isso deve ocorrer?
Os economistas do Credit Suisse têm perspectiva de os juros subirem este ano até 4,5%, já começando no meio do ano, em maio e junho, mas isso se a economia recuperar.
Em relação à agenda do BC, como avaliou o adiamento do open banking? No meio de um ano muito difícil, você fez uma mudança dessas, uma agenda de Pix, de open banking e de independência do Banco Central, que passou no Senado. As pessoas estão dizendo “posso mandar um Pix”.
No open banking, os dados de todos são democratizados e não ficam reféns de nenhuma instituição. Quem é dono do dado é a pessoa, que pode autorizar a transferência a um banco menor, a uma fintech, porque ela é dona do dado.
É um grande pulo para o setor. Se adiou um pouco, não vejo problema. Vai acabar saindo e está na direção certa.
Um relatório recente do Credit Suisse mostrou que a globalização tende a desacelerar. O Brasil pode se beneficiar em uma nova conjuntura?
Muitas das tendências que já existiam estão sendo reforçadas pela Covid-19. A globalização já estava desacelerando com a briga entre Estados Unidos e China, o Brexit e a emergência do Trump.
A globalização tem muitas qualidades, mas deixou muita gente pelo caminho, gente que não tinha a mesma qualificação dos que estavam na frente. Também colocamos muitas pessoas em países em desenvolvimento, na China, na Índia, o Brasil cresceu muito, cada vez criando mais empregos, tirando muitos da pobreza, mas muitos dos países avançados, que faziam a mesma atividade, ficaram sem ganha pão. Isso foi perdendo suporte e a globalização foi desacelerando.
Não acho que reverte [o processo de globalização], mas desacelera. O conflito entre China e Estados Unidos vai continuar. Quem se beneficia? O México pode substituir bens manufaturados da China, talvez o Brasil também possa entrar nisso.
Entramos não na pole position como o México —nossos salários não são tão baixos, não temos produtividade alta, temos problema de educação, às vezes de infraestrutura—, mas para aproveitarmos essa ideia [de fornecimento aos EUA], precisaremos passar as reformas.
Também é preciso trabalhar em educação no longo prazo. Um fator que vai nos ajudar é que nossa taxa de câmbio está mais depreciada do que já esteve, o que torna nossos salários e preços mais baratos.
Ilan Goldfajn, 54
Presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil, comandou o Banco Central de junho de 2016 a março de 2019. Foi economista-chefe do Itaú Unibanco, sócio-fundador da Ciano Investimentos e da Gávea Investimentos. Economista graduado na UFRJ, é mestre pela PUC-Rio e doutor pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Paula Soprana (interina), com Filipe Oliveira e Mariana Grazini
Painel S.A.
Coluna de informações sobre economia e negócios, editada por Joana Cunha, com Filipe Oliveira e Mariana Grazini.
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