Vejo o Brasil dando sinais com o Putin e o Maduro, o que não nos ajuda em nada


Ex-presidente do BC afirma que País tem tudo para se tornar uma ‘potência verde’, mas precisa mostrar ao mundo que as prioridades ambientais são para valer

Entusiasta da ideia de o Brasil aproveitar o que tem dentro de casa para se tornar uma potência verde, inclusive como investidor, o ex-presidente do Banco Central e fundador da gestora Gávea Investimentos, Arminio Fraga, reconhece uma melhora da imagem do País no exterior sob a ótica ambiental. Feitas as grandes sinalizações, é a hora de mostrar, na prática, que essas prioridades são para valer apesar dos obstáculos que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tido nesta agenda, diz o economista.

“O Brasil pode ser um protagonista importante nessa área, o que seria bom para o planeta, mas muito bom para o Brasil. Além do potencial de gerar muito investimento, o foco sustentável pode fazer parte de um projeto de desenvolvimento”, afirma Fraga, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, após participar do ‘Brazil Climate Summit’, em Nova York.

Na sua visão, a melhora da imagem do Brasil no exterior pode ser favorável para o País emitir o seu primeiro título de dívida externa verde a despeito de um cenário ainda cheio de tensões no mundo. O economista reforça o alerta para a falta de atenção do governo Lula com os gastos públicos. Os juros são altos no País, mas, para baixarem mais, a inflação tem de continuar caindo, e também é preciso acertar o lado fiscal, diz. “É uma questão séria, mas sem acertar o fiscal vai ser difícil melhorar”, afirma.

Durante o ‘Brazil Climate Summit’, em Nova York, o sr. disse que o Brasil tem potencial para ter um grande papel na agenda climática e de transição energética. O governo Lula tem feito um esforço para mudar uma visão ruim que o Brasil tinha durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Qual a sua percepção?

Mudou, melhorou sim. O Brasil realmente passou um período com uma reputação catastrófica e passava a impressão de não ter apreço pelos grandes temas da área: mudança climática, biodiversidade, desmatamento, mineração ilegal. Durante esse período, o Brasil era percebido como sendo um país que estava pouco interessado na preservação da Amazônia. Então, isso mudou. O governo vem sinalizando que vai ter como prioridade essas questões e também prometeu anunciar em breve um plano mais completo. Eu vejo, portanto, as coisas andando. Agora, a expectativa é justamente de um plano mais completo, que seja transversal às várias áreas do governo. O Brasil sabe o que tem de fazer, tem as ferramentas. Não é fácil, mas é factível reverter essa tendência. O Brasil pode ir adiante, passar do que seria uma meta básica de eliminar o desmatamento ilegal para estimular o fim do desmatamento, legal ou ilegal, e inclusive restaurar a floresta.

O que falta?

Uma vez feitas as sinalizações maiores, agora é a hora de mostrar na prática que essas prioridades são para valer. E elas estão esbarrando em obstáculos, o que não é surpreendente, inclusive a base do governo é muito fragmentada. Então, é um trabalho difícil. É muito mais difícil para o presidente Lula governar hoje do que nas outras vezes em que ele se elegeu. Ele tinha ali uma coalizão menor, de menos partidos, era mais fácil.

Então, a direção está correta?

A direção está correta, agora vamos ver na prática como vai funcionar. Eles deram umas mordidas ali na Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente) que não foram um bom sinal. Mas eu também acho que não é para jogar a toalha não. O Brasil pode ser um protagonista importante nessa área, o que seria muito bom para o planeta, mas muito bom para o Brasil. Além do potencial de gerar muito investimento, o foco sustentável pode fazer parte de um projeto de desenvolvimento e ser percebido pela população como sendo algo bom para a vida das pessoas, o que reforçaria muito esse projeto, mas ainda está longe de ser uma realidade. Sempre é difícil vender ideias de longo prazo, isso é um dos grandes desafios da política. Mas seria tão bom que o Brasil começasse a se enxergar como um “país verde”, onde há qualidade de vida, onde você não precisa ter uma piscina em casa para nadar em água limpa. Eu, inclusive como investidor, acredito nesse caminho e sou sócio e conselheiro da re.geen, que faz restauração ecológica sem qualquer subsídio: compra terras, faz a restauração, vende o crédito de carbono e procura fazer isso em escala.

Como está indo a empresa? Tem capital suficiente?

A re.green está começando, eu diria que está começando bem. Os passos necessários para a empresa atrair mais capital estão indo bem. No fundo, é basicamente demonstrar que as etapas de compra de terras, de restauração vêm se mostrando viáveis. O mercado chama isso de prova de conceito e, uma vez que isso ocorra, sim, vamos precisar de mais capital.

Novos sócios ou os atuais têm interesse em aportar mais capital?

Temos sim. Existem vários caminhos. Poderia haver mais aportes privados, novos investidores têm nos procurado e abrir o capital seria um caminho natural também, mais adiante.

Em quanto tempo?

Não dá para precisar uma data. Está dentro de um cronograma e esse é um negócio lento. Mas as árvores, sobretudo as mais imponentes, levam muito tempo para crescer. Compramos terras degradadas, às vezes cheias de formigueiros. Então, tem toda uma sequência para remover essa parte e recriar a natureza. É lindo esse trabalho, mas ele é lento.

O governo começa a contactar investidores para a sua primeira emissão de dívida externa considerando critérios ESG, os chamados green bonds. É o momento? Qual a sua visão?

Eu acho que sim, mas o momento global não é o ideal. Os bancos centrais ainda não terminaram o seu trabalho, as tensões globais são grandes, na Europa com a invasão da Ucrânia, o racha entre os Estados Unidos e China também é muito prejudicial. Não é exatamente um momento tranquilo. Mas eu acho que o Brasil já pode explorar algumas captações.

Mas, considerando o cenário global, o governo pode estar se precipitando?

O governo está se financiando apesar da situação fiscal ainda um tanto precária. Paga caro por isso. Então, eu não sei bem o que faria o green bond ser mais atraente, salvo alguma vantagem fiscal. Na verdade, o Brasil está cheio de papéis isentos, e eu não vejo muita vantagem nisso. Se dependesse de mim, acabava com isso tudo.

Por quê?

Isso é tudo de uma grande família de subsídios e isenções, e eu acho que a economia brasileira não precisava ser tão engatilhada assim. Não faz muito sentido subsidiar a agricultura, a infraestrutura, daqui a pouco você está subsidiando tudo, e quando você subsidia tudo, você não subsidia ninguém.

O sr. evidenciou a questão fiscal em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, nesta semana. Falta mais atenção quanto ao gasto no governo?

Eu acho que sim, falta muito. Mas não é surpreendente que um governo de esquerda não faça muita cerimônia para aumentar o tamanho do Estado. Agora, o endividamento público já pressiona bem o mercado e as demandas para se repensar as prioridades do gasto são igualmente enormes, se não maiores, na minha opinião. Portanto, o ajuste fiscal necessário vai além do necessário para colocar a dívida em uma trajetória de queda. O pessoal está se satisfazendo com esse nível de endividamento, eu acho que isso não é bom, não é o suficiente. Ou seja, além do necessário para gerar um superávit primário, precisaria abrir espaço para reformatar as prioridades do gasto público no Brasil. É um enorme tema, mas isso não está em discussão.

Isso pode fazer com que o Brasil não consiga recuperar o grau de investimento?

Existem muitos caminhos nessa direção, mas todos, no final das contas, exigem que a taxa de crescimento da economia seja maior do que a taxa de juros real e, de preferência, um superávit primário maior do que o planejado para os próximos anos. Essa seria a estratégia. Isso exige outros aspectos. Incertezas e falhas de desenho institucional, por exemplo, precisam ser reduzidas. Tem muita coisa para se fazer. De um lado, significa que a situação atual não é tão boa, mas sugere que o Brasil, acertando bem o seu passo, pode melhorar muito. Não estou dizendo que isso vai acontecer, mas isso é possível pelo menos tecnocraticamente falando. Politicamente, vamos ver.

E quanto à política monetária?

O Banco Central, usando o instrumento que ele tem, que é a taxa de juros, procura trazer a inflação para a meta. Se tiver dificuldade, é porque está precisando de ajuda dos outros instrumentos, que não controla, especialmente o fiscal. É um bom modelo, vencedor. Ao contrário do que às vezes se escuta, o Banco Central naturalmente deveria fazer uma coordenação entre o fiscal e o monetário. Frequentemente, quando se ouve essa frase, ela aparece, na minha opinião, de cabeça para baixo: o Banco Central deveria fazer a parte dele e reduzir os juros. Mas não é assim. Ele vai reduzir os juros e o que vai acontecer? A inflação vai subir de novo? O Banco Central tem de ter segurança para reduzir os juros. Um país como o Brasil, com a história que tem, não pode deixar a inflação subir mais. Se isso ocorrer novamente, o governo provavelmente vai enfrentar dois grandes problemas.

Quais?

Primeiro, o povo não vai gostar. A gente sabe quem se ferra quando a inflação sobe, são os pobres. E, segundo, o mercado também não. O governo tem reclamado muito, mas a ponta de juros longa vem caindo bastante desde dezembro. Passa a impressão de que está olhando apenas o curtíssimo prazo, reclamando e ameaçando o Banco Central, um festival de bobagem. Mas o fato é que isso precisa ser construído.

Agora, o ambiente de demanda no Brasil hoje e as condições macroeconômicas podem levar o Banco Central a não reduzir tanto os juros?

Pode, mas pode ser o oposto também. O Banco Central está hoje em cima de uma trajetória que ainda depende de a inflação cair um pouco mais. É muito importante que a inflação continue caindo.

O presidente Lula voltou a subir o tom contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ou seja, nesse cenário, os atritos entre o Planalto e o Banco Central devem continuar?

Talvez, é possível que sim. Não creio que (os atritos) tenham sido totalmente superados. De fato, o Brasil tem taxas de juros altas e isso tem sido uma constante já há muitos anos. É uma questão séria, mas sem acertar o fiscal vai ser difícil melhorar. É chato isso, incomoda, a gente se frustra, mas a realidade é essa.

Qual a sua avaliação sobre a posição do Brasil, do presidente Lula, nesse novo ambiente geopolítico? Tivemos recentemente a ampliação do grupo dos Brics, a contragosto do País, em uma pressão da China e da Rússia contra o Ocidente. O quanto isso pode atrapalhar ou ajudar o Brasil nesse novo redesenho das cadeias de produção?

O Brasil está se preparando para presidir o G-20 no ano que vem. A ampliação dos Brics não foi um movimento bom. A China saiu ganhando. No geral, o Brasil deveria manter sua postura histórica, aberta, multilateral, que sempre foi a nossa. Ok, está vindo mais gente. Eu não sei o que se deseja, sabe? Se é criar um bloco, que é uma ideia antiga, isso lembra a época do (Gamal Abdel) Nasser no Egito, aquele período onde tinha um bloco dos subdesenvolvidos. Eu acho que o Brasil deveria ter como meta entrar para o bloco de cima. Então, assim, eu não gostei.

O sr. acha que o Brasil teve uma postura passiva? Qual a sua opinião sobre os sinais que o Lula vem dando no exterior?

Eu ainda vejo o Brasil dando sinais, com o (Vladimir) Putin, com o (Nicolás) Maduro que, pelo amor de Deus, não nos ajuda em nada. Repito: o Brasil tem tudo para explorar a posição tradicional do Itamaraty outra vez. Interesse nacional e diálogo. O Brasil conversa. Agora, apoiar, tirar foto rindo com ditador, isso aí eu acho que é um atraso de vida completo.