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Edmar Bacha não pensava em voltar a participar de governos depois do fracasso do Plano Cruzado (1886-1989). Foi quando, em 1993, recebeu a convocação para integrar a gestão do então presidente Itamar Franco, como economista do partido (PSDB) e não conseguiu ‘escapar’.
Sua missão era assessorar o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, após três demissões dos titulares da pasta. Além de ser um dos formuladores do Plano Real, Bacha teve papel de negociador político no Congresso.
Na celebração dos 30 anos do Plano, o economista lembra que o feito da iniciativa vai além da estabilização da moeda, contribuindo para consolidar a democracia e para diminuir a desigualdade social.
Na ocasião desta entrevista concedida ao JC, Bacha estava no Recife para o lançar o livro “Conversa com Edmar Bacha”. Também se preparava para lançar “30 anos do Real – Crônicas ao calor do momento”, com textos de Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha.
Bem-humorado e com uma memória ativa, o economista recordou os anos da hiperinflação, as dificuldades enfrentadas na implantação do Real e as contribuições que o Plano deixou para o Brasil.
O Plano Real não apenas combateu a inflação, mas também permitiu que muitas coisas fossem feitas que antes eram impossíveis por conta da inflação elevada.
O país vinha de seis planos econômicos e oito moedas diferentes, um cenário caótico que fez com que muitas pessoas se surpreendessem com o sucesso do Plano Real. Com o fim da inflação, os salários recuperaram poder de compra, promovendo transferência de renda para os trabalhadores.
Diferente de outros planos econômicos, o Plano Real não foi uma surpresa para a população. Foi anunciado de forma transparente pelo Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 1993.
O plano teve três etapas: primeiro, o equilíbrio orçamentário com o corte de 20% das despesas do orçamento; depois, a unificação do sistema monetário com a introdução da URV (Unidade Real de Valor); e, finalmente, a adoção do real, uma nova moeda que valia um dólar.
A compreensão do plano pela população foi facilitada pelo fato de que a URV valia um dólar, o que ajudou as pessoas a se acostumarem com a nova moeda. Em abril de 1994, a URV já estava sendo usada no comércio, o que indicava que a população havia entendido e aceitado o plano.
No dia 1º de julho de 1994, o real foi oficialmente adotado, e a moeda tinha o mesmo valor que o dólar. O sucesso do plano refletiu-se nas eleições, onde Fernando Henrique Cardoso subiu de 20% para 40% nas pesquisas em um mês, vencendo Lula no primeiro turno das eleições.
O acesso ao crédito melhorou significativamente com a estabilização econômica. Antes, com a superinflação, os prazos de crédito eram extremamente curtos.
Com a estabilização, os prazos puderam ser alongados e um mercado de capitais desenvolvido foi criado.
O real também também estimulou a implementação de programas sociais. Programas como o Bolsa Escola, inspirado por Cristovam Buarque, foram implementados.
Posteriormente, o Bolsa Escola foi transformado no Bolsa Família, ampliando a rede de proteção social. A ideia do Bolsa Escola, criada pelo Cristovam Buarque, visava a promoção social, capacitando as pessoas para não dependerem mais do Estado.
O Bolsa Família, por outro lado, é visto como um programa que sustenta as pessoas para serem menos pobres, mas não oferece incentivos suficientes para tornarem-se produtivas por si mesmas, principalmente através da educação.
Cristovam Buarque ficou entristecido com a mudança, pois acreditava que a Bolsa Escola promovia a educação e a capacitação das pessoas, ao contrário do Bolsa Família, que ele considerava paternalista.
A hiperinflação causava crises de balanço de pagamentos e problemas com a dívida externa. O Brasil estava fora do mercado internacional desde a moratória decretada após o fracasso do Plano Cruzado em 1987.
Parte do Plano Real incluiu uma renegociação da dívida externa, completada por Pedro Malan em dezembro de 1993. O plano foi inicialmente baseado na âncora cambial, com a relação de um real igual a um dólar. Esse câmbio foi ajustado progressivamente. A valorização do câmbio criou um déficit na balança comercial do país, levando a uma crise em 1998.
Para resolver o problema, abandonamos a âncora cambial e instituímos um regime de flutuação cambial. O real passou a flutuar livremente em relação ao dólar, dependendo das circunstâncias econômicas.
Até 1998, a inflação estava ancorada no dólar. A partir de então, a inflação foi ancorada na política monetária, com o Banco Central determinando a trajetória de juros e estabelecendo metas explícitas de inflação.
Com a estabilização da economia e o câmbio flutuante, o Brasil conseguiu desenvolver o Centro-Oeste, que antes era uma região isolada do país.
As tecnologias desenvolvidas pela Embrapa criaram um clima propício para a expansão extraordinária do agronegócio. Antes praticamente inexistente, o agronegócio brasileiro tornou-se uma potência mundial.
O plano tem suas origens no departamento de economia da PUC-Rio, criado no final dos anos 70. Professores e estudantes estavam ativamente pensando em soluções para a alta inflação e a crise da dívida externa.
As ideias desenvolvidas na PUC, como o choque heterodoxo e a reforma monetária, foram testadas e eventualmente implementadas no Plano Real, mostrando a importância do envolvimento acadêmico no processo.
A participação da imprensa foi crucial para a compreensão dos procedimentos do plano, que foi implementado em três etapas: equilíbrio orçamentário, unificação do sistema de contas com a URV, e finalmente, a introdução da nova moeda em 1º de julho de 1994.
Eu acho que esses 30 anos, de fato, se tornaram um marco. O Plano Real permaneceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e, enquanto ele estava no poder, as pessoas sabiam que o plano estava funcionando. Depois vieram Lula, Dilma, Temer e, após Temer, Bolsonaro, e o plano resistiu a tudo isso, certo?
Resistiu a toda essa transição política, com as mais diferentes concepções econômicas em cada governo. A estabilização realmente chegou para ficar, e essa vai ser a moeda do Brasil por muitos e muitos anos. Isso é especialmente significativo para quem viveu a experiência da alta inflação, da hiperinflação que tivemos até 1994.
Há uma sensação de alívio e de comemoração, de que o Brasil conseguiu ter uma moeda estável, ao contrário do que ocorre, por exemplo, na Argentina, que estava no mesmo estágio que nós naquela época.
Quando fizemos o Plano Cruzado, eles também fizeram um plano similar que fracassou, também baseado no congelamento de preços, e a Argentina até hoje não encontrou sua estabilidade.
Então, os políticos sabem que, se brincarem com a inflação, eles caem. A Dilma caiu não só por isso, mas porque deixou a inflação subir acima de 10% e perdeu totalmente a popularidade, né? E aí o Congresso pôde fazer o que queria.
Enfim, agora o Lula vive brigando com o presidente do Banco Central, mas ele não se atreve a mudar a política monetária de um dia para o outro, porque sabe que, se fizer isso, vai perder a eleição. Então, essa incorporação na mentalidade dos políticos brasileiros em geral, de esquerda e de direita, de que a estabilidade é essencial para a reeleição, é fundamental. O político só está interessado na vida de se reeleger, e isso é garantido.
As pessoas acharam que isso é uma coisa normal. Elas não lembram mais o quão difícil e heróica foi a fase anterior e a transição. Isso já não importa, porque agora a moeda é estável, as instituições políticas garantem essa estabilidade, e as pessoas implicitamente têm isso na cabeça. Quem mexer com a inflação não recebe o voto delas.
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