Casa das Garças

Principal dificuldade de Galípolo no BC é a falta de apoio fiscal para a política de juros

Data: 

29/08/2024

Autor: 

Arminio Fraga

Veículo: 

O Globo

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O ex-presidente do Banco Central afirma ainda não descartar que ele seja obrigado a iniciar sua gestão aumentando a taxa básica de juros, atualmente em 10,5% ao ano

 

O atual diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, assumirá a presidência do órgão, no lugar de Roberto Campos Neto, numa situação “difícil”, na avaliação do economista Arminio Fraga, presidente da instituição entre 1999 e 2002. A principal dificuldade, segundo ele, é “a falta de apoio fiscal” para a política de juros a cargo do BC.

Nesse quadro, em entrevista ao GLOBO, o ex-presidente do BC não descarta que Galípolo seja obrigado a começar a sua gestão aumentando a taxa básica de juros (a Selic, hoje em 10,5% ao ano), embora evite fazer comentários detalhados sobre a conjuntura do mercado. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual o principal desafio do futuro presidente do BC?

Uma boa parte do desafio vem da falta de apoio fiscal, a despeito dos esforços do ministro (da Fazenda, Fernando Haddad). Essa parte do tripé está muito fragilizada.

É inevitável começar aumentando juros?

É possível. Não foco muito, assim, no próximo Copom, faz muitos anos que não estou grudado na tela, mas a pressão é alta, porque não só as expectativas do (Boletim) Focus (pesquisa semanal do BC sobre as projeções de analistas do mercado financeiro), como as taxas implícitas na curva de juros também apontam para níveis bem complicados. Ele vai começar numa situação bastante apertada.

O que é mais difícil, conquistar credibilidade com o mercado ou com o governo?

Acho que ele é uma pessoa da confiança do presidente (da República). Ele não estaria nomeando se não fosse. Não quer dizer que ele possa impunemente descumprir a lei e deixar a inflação acima da meta ou, até pior, afrouxar e deixar a inflação subir mais ainda.

Hoje, os números implícitos na curva de juros são bastante elevados. Para prazos superiores a dois ou três anos, estão acima de 5%. Tem um prêmio de risco, sim, mas não é bom que esse que esse prêmio de risco aumente muito. É um quadro difícil.

Não conheço o Galípolo, nunca conversei com ele, não acompanhei todas as declarações recentes dele, que têm sido frequentes. Só acho que o arcabouço monetário-fiscal, com o tripé (da política econômica, formado pela meta de inflação, meta de superávit primário nas contas públicas e pelo câmbio flutuante), tem se mostrado bastante positivo para o país, mas a perna fiscal está fragilizada, e isso produz uma sobrecarga no BC. Então, ele (Galípolo) vai entrar carregando um peso que deveria estar dividido com o lado fiscal.

O desequilíbrio fiscal então é o maior problema, mais do que cenário externo?

Sim, com certeza, sempre é. É muito raro ter a situação externa dominando. Tem muita coisa acontecendo no mundo. A situação externa hoje é de uma complexidade rara. Tem a nova “guerra fria”, agora entre EUA e China, o que está acontecendo no Oriente Médio.

Não dá para contar assim com o ventão a favor, mesmo com alguma ajuda do Fed (Federal Reserve, o banco central americano, cuja redução de juros poderia tirar a pressão por aumentos na Selic no Brasil).

Mais um motivo para o Brasil cuidar do problema fiscal doméstico?

Não precisava nada de fora, eu acho que isso aí já é algo que demanda uma resposta muito mais profunda e isso não está em discussão.

O que mais preocupa no lado fiscal? Dados recentes do Censo apontam para mais gastos com Previdência.

Já se sabia disso, agora veio essa confirmação, muito importante. Essa área precisa ser abordada. O tema geral do crescimento do gasto, do Orçamento rígido, da reforma do Estado também precisa entrar em pauta. Esses dois temas, se bem resolvidos, alongariam muito os horizontes no Brasil.

E poderia haver também um reforço de ajustes na regra do Imposto de Renda, que estão entrando em discussão. Juntando esse bolo, teríamos condições de melhorar muito a qualidade da política macroeconômica. Existe uma fragilidade que os economistas chamam de “mix de política” bastante equivocado.

É um fiscal ainda frouxo forçando um monetário mais apertado. E é sempre bom frisar que o desafio vai além do macroeconômico. O desafio é incorporar uma redefinição de prioridades.

Por isso que tem a ver mais com reforma do Estado do que com só fazer superávit?

Vejo isso como um corolário, uma extensão do tema maior de avaliar rotineiramente o que está dando certo ou não na atuação do Estado. Não é só fazer o superávit. Tenho olhado bastante os gastos da saúde. O gasto per capita no Brasil do SUS é bastante baixo. Tem espaço para melhorar o SUS aqui ou ali, mas tem feito muita coisa boa, muita coisa importante.

Sou conservador do lado fiscal, porque acho que o que temos (de gastos do Estado) não nos serviu bem no sentido mais amplo, incluindo a falta de prioridades, mas, hoje, não tenho dúvidas de que essa área é carente de recursos. É um absurdo chegar ao ponto de querer cortar o gasto de saúde no Brasil. É de matar, literalmente.

Dá para tirar de um lado e colocar mais na saúde?

Exato, para isso, é preciso criar espaço. Sem tocar nos temas grandes, vamos ficar enxugando gelo, não vamos muito longe.

E enquanto não ajustamos isso, não dá para baixar os juros?

Não dá para fazer na marra. Já vimos esse filme, não sei quantas vezes.

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