Casa das Garças

Tolstoi ao contrário

Data: 

24/02/2025

Autor: 

Gustavo Franco

Veículo: 

O Globo e O Estado de São Paulo

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Muitos economistas gostam de embelezar suas teses usando uma sabedoria de Tolstoi (1828-1910), e mais especificamente do parágrafo inicial de Ana Karenina. Funciona mais ou menos assim: todas as economias que dão certo se parecem, e todas as que fracassam, o fazem de um jeito único.

Ana Karenina começa falando de famílias: as felizes todas se parecem, as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.

Jared Diamond em seu consagrado livro “Armas, germes e aço”, sobre o “destino das sociedades humanas” chega a enunciar um “princípio” a propósito da domesticação de animais: os não domesticáveis o são a seu próprio modo.

É fácil de estender a fórmula, pois tem a ver com padrões, e fácil de entender o seu encanto: é como afirmar que existe apenas um caminho para “dar certo”. Daí a popularidade de Tolstoi entre doutores em desenvolvimento econômico otimistas ou pessimistas: siga as melhores práticas e não tente inventar.

Porém, Tolstoi podia perfeitamente estar enganado sobre a natureza humana, bem como sobre a economia, e há boas razões: era (descrito como) um anarquista cristão, encantado com as teorias econômicas de Henry George (um reformista radical que a História esqueceu) e não gostava de Shakespeare (de quem dizia faltar naturalidade e sinceridade e sobrar imoralidade).

Na verdade é muito fácil, inclusive, inverter o teorema de Ana Karenina, e afirmar o exato oposto: todos os fracassos se parecem, os sucessos é que são únicos, cada qual seguindo uma fórmula muito caracteristicamente individual.

Ou seja, há padrões nas crises econômicas, tanto que, quando o tempo está nublado, carregado e quente, como agora, todos ficam a procurar os sinais da próxima crise. Há sempre uma montanha de sinais, mas as crises são muito raras. E quando ocorrem sempre se consegue identificar os avisos que as pessoas ignoraram.

É sempre respeitável alertar para os riscos de uma crise, com o cuidado de não se comprometer com a previsão, nem de parecer agourento. Há conforto no pessimismo, ao menos em não parecer ingênuo nem mal-informado.

O consenso das previsões, geralmente expresso na voz do mercado é quase sempre meio pessimista, no entender de Paul Samuelson, a quem se atribui uma ótima tirada: “o mercado previu dez das últimas cinco recessões”.

Claro que há amplas razões para preocupação. Não sei o que é pior, olhar para Washington ou para Brasília. Governantes hiperativos buscando popularidade, criptomoedas, há sempre razões para preocupação.

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