Casa das Garças

O Desafio do Comércio Exterior

Data: 

20/05/2016

Autor: 

Monica de Bolle

Veículo: 

Portal Exame

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Muito tem sido dito sobre a nova equipe econômica brasileira, alívio incontestável ante o triunfo da incompetência, marca da gestão de Dilma Rousseff. Naturalmente, a atenção tem se voltado para os nomes do Ministério da Fazenda e do Banco Central, sobretudo do Ministério da Fazenda, que terá trabalho árduo para descobrir qual o tamanho do buraco que o governo afastado cavou nas contas públicas brasileiras. Esse, entretanto, não é artigo sobre os desafios fiscais, amplamente conhecidos e debatidos à exaustão. Esse artigo trata de outro tema, tema que o novo governo parece pronto a encaminhar como há muito não se via.

 

Foram muitos os artigos escritos por diversos economistas, inclusive por mim, sobre o tema do comércio exterior, sobre o isolacionismo brasileiro, sobre o fato de sermos uma das economias mais fechadas do planeta. Há muito tempo o Brasil não tem estratégia clara para a política externa. A política externa do governo de Dilma Rousseff foi pródiga em desmandos e anomalias. Não à toa, estados falidos como a Venezuela de Maduro, a trágica Venezuela, atacaram de modo veemente o afastamento da Presidente. A razão é conhecida: a Venezuela acaba de perder o mais importante apoio diplomático e financeiro da região.

 

A guinada de Michel Temer na política externa brasileira prenuncia-se com a posse do Senador José Serra como Ministro das Relações Exteriores, e com as novas responsabilidades que o cargo terá sobre o comércio exterior. Há muito o que fazer: procurar formas de engajamento com a Aliança do Pacífico, repensar o Mercosul junto com parceiros como a Argentina, que, sob a liderança de Macri, já deu sinais de que pretende reavaliar o acordo que jamais funcionou bem para parte alguma, levar a cabo as negociações entre o Mercosul e a União Europeia, retomar a agenda de facilitação de comércio entre o Brasil e os Estados Unidos. Para avançar nessas e em outras áreas é preciso tratar de temas espinhosos, como as nefastas regras de conteúdo local disseminadas por toda parte pelo governo de Dilma Rousseff. É preciso, também, ter bom entendimento sobre como está o Brasil, hoje, no mundo.

 

É recorrente a ideia de que o Brasil nesses últimos anos tornou-se primordialmente país exportador de produtos básicos. Verdade que nossa indústria sofre há anos com políticas equivocadas, carga tributária demolidora, excesso de regulações que dificultam a atividade produtiva, e por aí vai. Contudo, há alguns dados interessantes, frequentemente ignorados. Segundo base de dados de comércio do Banco Mundial (WITS – World Integrated Trade Solution), 62% das exportações do Brasil para os Estados Unidos são de bens intermediários ou bens de capital, contra apenas 23% de produtos primários. Para a União Europeia, o Brasil exporta cerca de 46% do total em bens intermediários ou de capital, contra 41% de produtos primários – ou seja, o peso dos primários na pauta dessa relação bilateral é praticamente igual ao de produtos com maior valor adicionado. Por fim, para a China destinamos 84% de nossa produção primária, contra míseros 15% em bens de capital e bens intermediários. Há, portanto, espaço não apenas para promover a indústria brasileira entre alguns de nossos principais parceiros comerciais, mas, sobretudo, para priorizar as relações entre os países que mais compram produtos industriais “made in Brazil”.

 

Por falar em “made in Brazil”, outro dado amplamente desconhecido assusta. Revela a World Input-Ouput Database (WIOD) que entre 1995 e 2011, o conteúdo de valor-adicionado importado nas exportações de produtos manufaturados brasileiros praticamente não mudou, passando de 9% para 11% em década e meia. Em contrapartida, na China tal número saltou de 10% para 35% no mesmo período, enquanto na Índia o pulo foi de 9% para 24%. Ou seja, enquanto a indústria exportadora nacional permaneceu caracterizada pelo viés nacionalista, outras grandes economias emergentes passaram a enxergar as virtudes do “made in the world”.

 

Por fim, livro muito interessante de Caroline Freund, do Peterson Institute for International Economics (“Rich People, Poor Countries”, publicado esse ano) mostra claramente a ausência de dinamismo no Brasil a partir de uma base de dados que reúne as grandes fortunas de diversos países emergentes. Há imenso contraste naquilo que se vê no Brasil, de um lado, Índia e China, de outro. Enquanto no Brasil cerca de metade dos bilionários do país são indivíduos que herdaram suas fortunas, na Índia e na China os bilionários são majoritariamente empreendedores que formaram suas próprias empresas, sem depender de conexões políticas ou apadrinhamentos, ao contrário do que muitos imaginam. Na Rússia, não surpreendentemente, cerca de 70% dos indivíduos bilionários não são “self-made”, mas sim gente politicamente conectada e apadrinhada.

 

O que toda essa evidência empírica revela é que o Brasil tem muito o que fazer para correr atrás do prejuízo causado por anos de isolacionismo. As novas lideranças que haverão de tratar desses temas inspiram grandes expectativas. Avancemos, pois.

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